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Freddie Gibbs e The Alchemist: entrosados no flow de “Alfredo”

freddie gibbs

Freddie Gibbs e The Alchesmist: entrosados no flow de “Alfredo”, um dos melhores trabalhos do rap americano em 2020

freddie gibbs the alchemist

A linguagem pode ser articulada de diversas formas. O recurso linguístico, como ferramenta de comunicação – quando bem conduzido – é capaz de unificar e construir discussões extremamente oportunas.

Uma das diversas capacidades da arte, como ferramenta do despertar intelectual, o flow do Hip-Hop consegue arquitetar informações com um viés criativo poderoso. Como uma teia de hiperlinks, os rappers versam referências e incubam pensamentos harmonizados – em bases envenenadas – enquanto rimam com a liberdade de um fluxo consciência.

E pelo menos no momento, é inviável conduzir qualquer tipo de conversa sobre story telling no Rap sem incluir o Freddie Gibbs no MIC. Um dos expoentes da contemporânea poesia do gueto, Gibbs tem um currículo extenso – ativo de 2004 – e prolífico em suas próprias incursões solo, além de colaborações ao lado de nomes como MadLib, The Alchemist, Tom Misch e Yussef Dayes, por exemplo.

No ramo das mixtapes o malandro já contabiliza 20 delas. EP’s são 8 e ele passa a régua com mais 4 discos solo (full lengh). No entanto, o que mais impressiona, além da vasta produção, é a própria abordagem do compositor.

Mesmo com uma pegada gangster, Freddie está longe de promover um revisionismo no estilo e pagar de novo 2pac. Muito pelo contrário, o MC (natural de Indiana) possui referências bastante atuais e é interessante observar como ele subverte isso para criar uma estética bastante pungente e vigorosa.

Tem uns toques de Golden Era, mas com uma expressividade e um repertório capaz de colocar o Gil Scott-Heron e o MadLib pra conversar na mesma mesa de boteco. E mesmo com a pandemia afetando o calendário de lançamentos dessa quarentena – que parece uma eterna segunda-feira – Gibbs dropou um novo disco do nada, e o momento não poderia ser mais oportuno.

Foi reeditando a parceria com seu comparsa The Alchemist, que ele liberou um dos melhores discos de Hip-Hop do ano, repetindo o sucesso de “Fetti” – trampo que ele fez junto com o Curren$y – ao lado do Midas (The Alchemist) na produção.

 

Track List:
“1985”
“God Is Perfect”
“Scottie Beam” – Rick Ross
“Look At Me”
“Frank Lucas (feat. Benny The Butcher)”
“Something To Rap About (feat Tyler, The Creator)”
“Baby $hit”
“Babies & Fools (feat Conway The Machine)”
“Skinny Suge”
“All Glass”
“Alfredo”, lançado no dia 29 de maio de 2020 (um dia após o assassinato de George Floyd) é um registro primoroso. As bases do Alchemist atingiram um nível de qualidade digno de menção honrosa.

Em determinados momentos, as ambiências funcionam como a trilha de um filme… Mas em todos os takes, Freddie aparece para ilustrar os beats orgânicos com letras categóricas e aquele flow que transporta você para um roteiro caótico. Um cotidiano severino onde o homem negro está sempre fugindo dos escombros em busca de um respiro que o próprio Freddie parece evitar.

Ele rima com a velocidade e a urgência de quem simplesmente não tem tempo pra isso. Apesar dos 2 filhos e da boa vida que todos esses anos de estrada lhe trouxeram, o meliante segue ativo e questionador, levando a discussão para palcos importantes em todos os continentes do globo.

É pra despertar de um coma reacionário e enxergar que apesar dos lucros e dividendos, ainda existe muita coisa pra ser feita. Por isso, enquanto ele continua engajado rumo à queda do status quo, seus ouvintes são privilegiados, justamente por terem acesso a relatos tão reais, sempre embebidos em whisky e na letargia de uma blunt.

Um lance que passa batido sobre o Gibbs e o The Alchemist é a sensibilidade que ambos possuem. Suas diferentes perspectivas se complementam quando eles estão juntos em estúdio. Músico, produtor, compositor, Rapper e DJ, o The Alchemist (made in Califórnia), é um daqueles workaholics da cena. Em sua missão de prover um pano de fundo para as visões de Gibbs, nesse projeto, apesar da diversidade de climas, o produtor construiu uma identidade muito forte para essa colaboração.

O Freddie por outro lado consegue captar muito bem o que a base precisa. Em alguns momentos ele é mais vertiginoso no speed flow – mas sabe identificar muito bem a hora de pisar no breque. Como se não bastasse, a dupla ainda teve uma gangue de participações que mostra o nível do networking desses caras.

O Rick Ross contribuiu com uma composição (“Scottie Beam”), enquanto Benny The Butcher, Tyler, The Creator e Conway The Machine, somaram em +3 feats pra fechar a conta dos 10 sons que formam esses preciosos 35 minutos de articulação libertária.

Valorizando cada segundo, “1985” abre o play com plenitude: “don’t loose the beat, motherfucker”. O lirismo da track já começa a abrir o leque da dupla. “God Is Perfect” endossa os conflitos sociais, enquanto cita Gill Scott-Heron – e já emenda a próxima (“Scottie Beam”), adaptando o abutre com a seguinte opening line:

“The revolution is the genocide

My execution will be televised”

Olha o peso dessa canetada. A revolução vista como um genocídio que ao se empoderar do hino “The Revolution Will Not Be Televised” – clássico presente no primeiro disco de Heron (“Pieces Of A Man, lançado em 1971), enaltece um plano de execução que passa ao vivo no horário nobre.

“The thing that’s going to change people

It’s something that no one will be able to capture on film

It’ll just be something that you see and all of a sudden you realize

“I’m on the wrong page”

Or, “I’m on the right page but I’m on the wrong note

And I’ve got to get in sync with everyone else to understand what’s happening in this country”

No tema seguinte, “Look At The Me” surge como um exemplo da já citada sensibilidade dos americanos. A leveza dos translúcidos beats valoriza a sinuosa ideia de Gibbs.

Mas a calmaria é volátil, Benny The Butcher chega pra somar em “Frank Lucas” e aí a timbragem engrossa, provendo um belíssimo contraponto entre a transição para “Something To Rap About”. Com a presença de Tyler, The Creator, esse som mostra a versatilidade de ambos. É interessante como eles suavizam o desgaste psicológico sem aliviar no discurso.

“Baby $hit” é a essência do Gibbs, rimando em seu quintal, seu habitat natural, com aquela marra de quem sabe o talento que possui. Nessa faixa, o The Alchemist faz jus ao seu codinome e finaliza a gema colocando você no banho maria até o Conway The Machine chegar pra “Babies & Fools”. O mais perto de um Lovesong que o Freddie Gibbs chegou em 2020, esse som tem uma vibe de MF Doom que é o puro crème de la crème.

É um trabalho impecável. “Skinny Suge” é talvez o fruto que cumpre a difícil tarefa de sintetizar a força motriz dessa união. A semi acústica com aquele timbre aveludado faz o ouvinte derreter nos beats. 

O trampo mantém a pulsação no teto, tirando e colocando o seu fone na tomada, e pra fechar o baile na alta, “All Glass” aparece com uma base que consegue fazer o Jimmy Smith, o Funkadelic e uma Igreja Gospel do Harlem coexistirem sobre a mesma perspectiva.

The Alchemist e Freddie Gibbs no toque… Nem sei por que essa surpresa toda. Os caras estão no auge e não tem uma linha desnecessária no disco.

Lance uma dose de whisky e aperte uma blunt por que esse merece.

– Freddie Gibbs e The Alchesmist: entrosados no flow de “Alfredo”

Por Guilherme Espir 

 

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