Forró, Samba Junino e Cumbia no São João pelas ruas do Pelourinho!

Após dois anos sem o maior festejo da região nordeste, as atrações encontraram um público sedento e as ruas do Pelourinho estavam lindas!

Pelourinho

… E Justiça no Forró!

Caldo de cultura que é fruto do amálgama de diversas tradições milenares, o São João em Salvador é um espetáculo que ainda guarda a força ancestral adaptada pela negritude ao nosso inverno. A cristianização das festas europeias de culto à fertilidade, comemorações do solstício de verão, receberam na festa pelo nascimento de João Batista, primo de Jesus e um dos apóstolos, a imagem de culto que chegou no Brasil com a colonização. 

Em nosso país, o sincretismo religioso que se fez na resistência do povo negro no culto dos orixás se adaptando ao calendário cristão nos fez herdar o apreço por essa festa em suas manifestações de alegria, generosidade e comunhão. Seja no anúncio do nascimento de cristo ou na presença viva da justiça de Xangô, ao redor da fogueira encontramos um espaço de convivência e diversão que é um dos melhores traços do povo nordestino.

Sendo o nordeste brasileiro a região que mais comemora e que melhor se adaptou e criou uma estética toda própria ao São João, por aqui o mês de junho é todo ele festivo. Após dois longos anos de uma tragédia genocida por conta da pandemia sob o atual governo federal fascista, esse São João teve um gostinho todo especial. 

Pela ruas do Pelourinho, Leva Eu!

A curadoria e a programação da festa em Salvador, nos bairros, nas diversas praças do Pelourinho esse ano acertou em cheio, sobretudo porque não houve nestes locais atrações “gigantescas”, essas ficaram reservadas ao Parque de Exposições. Decisão mais do que acertada, adequada a própria festa que em sua essência demanda outro nível de aglomeração e que através dessas escolhas fez do Pelourinho um arquipélago de arraiás ligados por manifestações de rua que só existem aqui em Salvador. Ao mesmo tempo, em que manteve programações nos bairros dividindo o público dentro de uma metrópole como a nossa.

Eu e minha preta fomos ralar o bucho no Pelô, comemorando 4 anos de casados e depois de dois de reclusão. Ao chegarmos ao Pelourinho na noite do dia 23, fomos recebidos pelo Júlio Caldas e o seu bandolim, nos apresentando um show que mais parecia um abraço de boas vindas, o anunciar de uma boa nova mais do que conhecida, amada. Júlio fez um show que poderíamos chamar de intimista, com forrós tradicionais com muito xote e pé de serra, e que foi progressivamente subindo de tom até o final onde as pessoas armaram uma quadrilha freestyle na praça Quincas Berro D’Água.  

Saindo da Quincas, nos encaminhamos ao Largo do Carmo e fomos quase que carregados por um dos muitos sambas juninos que se apresentaram pelas ruas em volta das praças. Manifestação tipicamente soteropolitana, o Samba Junino teve uma boa inserção na festa, animando e arrastando centenas de pessoas pelas ruas e pelo Terreiro de Jesus. É importante reconhecer o excelente trabalho da Liga do Samba Junino que após conseguir o reconhecimento dessa manifestação como patrimônio cultural de Salvador, tem produzido diversas ações para colocar os sambas juninos no seu devido lugar de reconhecimento. 

Infelizmente, um problema no gerador atrasou toda a programação de quinta feira no Largo do Carmo, o que nos fez voltar à caça de um outro forró. Para a nossa pouca alegria, na Pedro Arcanjo presenciamos o show pouco empolgante de uma cantora que feliz ou infelizmente não pegamos o nome, faz parte. Porém, o que não poderíamos imaginar foi que em pleno São João iríamos presenciar um showzaço de cumbia que caiu como um bom chapéu de palha em nossas cabeças. 

A Sonora Amaralina simplesmente deixou os presentes de boca aberta e com o corpo em movimento constante. Uma sonzera que foi conduzida durante quase todo o show de modo instrumental, apenas com uma música cantada durante a apresentação. Sensacional e um ponto a mais para a curadoria.

Saindo da Pedro Arcanjo e rumando novamente ao largo do Carmo, com os geradores restaurados foi a vez de ver o show de Dão “Forró” Black, nosso velho conhecido que apresentou um repertório muito fora do senso comum – que é maravilhoso – acrescentando outras informações a sua exibição. Dão chamou a atenção dos presentes para as aproximações do forró com o reggae, subiu o tom com uma seleção de galopes e finalizou coordenando uma quadrilha que fez todo o tablado da Sala de Reboco tremer. 

Chuva e banhos de rasta pé com Pingos de Amor!

O dia 24 começou com a decepção de não ter conseguido ver a apresentação do projeto Ska no Xote, projeto que esperamos ter a oportunidade de ver em outro momento, já que as cobras criadas dos “Skanibais” nunca decepcionam. Porém, a alegria de ter presenciado o show de Zé de Tonha e perceber o quanto esse artista é maravilhoso, se não compensou pelo menos substituiu em grande estilo. Um dos muitos veteranos que são os reais responsáveis por manter a tradição viva, não podem ser ofuscados por atrações mainstreams de outros gêneros musicais. São esses artistas que precisam ser visibilizados no período junino. 

Com um show tecnicamente impecável, repertório variado e um carisma digno dos grandes mestres do gênero, ao longo de pouco mais de 40 minutos, a Praça Pedro Arcanjo entrou em verdadeiro estado de êxtase. Zé de Tonha ainda presenteou o público com uma linda homenagem ao grande Paulo Diniz, que nos deixou recentemente. De modo que, até São Pedro se emocionou e mandou uma chuvinha – os “pingos de amor” – para terminar de lavar a alma dos presentes. 

A praça Tereza Batista que abrigou neste dia dois shows que queríamos muito ver, o da Márcia Short e da Sarajane, infelizmente ou felizmente, estava lotada, nos impedindo de assistir. Curiosamente, apesar de ter 5 praças com shows simultâneos e uma programação itinerante pelas ruas, não era incomum que uma praça fechasse por lotação máxima. A situação nos levou a encontrar amigos e tomar uma gelada vendo as crianças soltando fogos no Terreiro de Jesus, completamente tomado por famílias e casais. 

A estátua viva tem pinto 

A grande presença de crianças que tiveram também uma programação especial pela tarde, que entre outras atrações contou com a cantora Marcela Bellas e o seu projeto Playgrude, comunicava momentos de vigor e alegria inocente. Passando pela praça da Cruz Caída, uma estátua fazia sua apresentação, quando um erê passou correndo e deu um tapa no pinto da estátua, fazendo a mesma se bulir toda, para a gargalhada geral dos presentes. Com muitos ambulates vendendo, o Batman que vendia algodão doce, viu sua máscara voar longe enquanto sentava para descansar no Terreiro de Jesus, fruto da mulequeira de outro êre, nós rimos do herói com respeito. 

Alegria, amor e risadas foram ingredientes presentes em todas as três noites que estivemos pelo Pelourinho. Obviamente, a pobreza circunda e faz parte da festa, catando latinha, vendendo quitutes, porém em nenhum momento se transformando em violência. Curiosamente, aliás, nos tempos em que estamos vivendo talvez o comum fosse que brigas e preconceitos se proliferassem. Não foi o caso. 

A certa altura, pensei estar exagerando, mas a realidade é que casais homoafetivos marcaram presença de modo marcante na festa, dançando juntos, trocando afetos e passeando de mãos dadas por toda a festa. Chupa Bolsonazis! 

Embarcamos mais uma vez no movimento do circuito itinerante no dia 25 com o Rixo Elétrico, uma adaptação baiana do Rixar indiano para a terra de Dodô e Osmar. A apresentação da banda sentadinha dentro do Rixo nos fez dar duas voltas e meia no largo do Terreiro de Jesus, entre galopes e forrós menos acelerados, com o público cantando Frevo Mulher em uníssono.

Mais uma vez o Largo do Carmo abrigou atracões muito boas, e a sequência das apresentações do Forró Fura Chinela e do Forró do Souza testou nossa resistência física em um nível inimaginável após dois anos de pandemia. Exaustos e felizes, ainda tivemos forças para sambar atrás do excelente Samba Jaké, um dos sambas juninos mais tradicionais da cidade, que fizeram um desfile lindo, com o excelente corpo de ritmistas mostrando inovações nas convenções da ala de tamborins. Além, da presença do vocalista do Samba Trator que subiu ao mini trio para dar uma palhinha! 

Encerramos a noite no Pelourinho mortos de cansaço e rumamos para casa com o coração pleno de alegria, prontos para continuar lutando por uma vida menos injusta e por mais amor entre os nossos, com as benção de Xangô menino! 

Ps.: Se você não conhece o samba junino, assista abaixo o excelente documentário: Samba Junino – De Porta em Porta clicando aqui

-Forró, Samba Junino e Cumbia no São João pelas ruas do Pelourinho!

Por Danilo Cruz 

 

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