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“Forma Pura”, novo EP do Elo da Corrente reafirma o compromisso com a Cultura!

Elo da Corrente

Foto por @ruyfraga

Composto por 5 faixas o novo EP do duo paulista Elo da Corrente, traz participações de Murica e Jamés Ventura e produção do BEATDOMK

Capa por @ise.claudio

Elo da Corrente é uma dupla de MC’s e produtores que surgiu no início da primeira década do século XXI, dentro de uma geração que expandiu as formas de se fazer rap em nosso país. Do 2000 até aqui são 24 anos em que os militantes Caio e Pitzan, seguem fortalecendo as bases da cultura através do elemento Rap e essa longevidade também se traduz em clássicos como o seu disco de estreia lançado em 2007: “Após Algumas Estações”. 

Lançado na última sexta-feira dia 13/09 o seu novo trabalho, o EP “Forma Pura” que conta a produção aguçada do mano BEATDOMK (Puro Suco) e as participações dos MC’s Murica (Puro Suco) e Jamés Ventura. São 5 músicas que em exatos 15 min e 41s, conseguem nos transmitir a força da arte de rua, aqui em uma toada “refinada” onde malandragem e erudição não conhecem distinção. 

Na trilha para o lançamento do EP, o Elo da Corrente lançou primeiro como single a faixa que encerra o trabalho: “Cartas”. Com um videoclipe dirigido por Thurzy e produzido pela Língua de Gato Filmes, a faixa traz a participação do brasiliense Murica e pode nos dar uma chave de leitura para pensarmos o que o título do trabalho “Forma Pura” nos pretende comunicar. Mas sobretudo, para nos ajudar a pensar o rap e a cultura hip-hop hoje no Brasil.

“Elo e Murica bem mais que anti heroi / Sem ideia merda de publicitário boy”

Ao contrário do liricismo, as “Cartas” é algo em processo de extinção, em uma época de aceleração da comunicação em que vivemos, hoje é para muitas pessoas impossível pensar em e-mails longos. Áudios e textos longos na internet, ainda são tolerados por alguns, mas o fato é que obviamente a mudança dos tempos e o nascimento das novas gerações imersas neste contexto – entre outros fatores – modificou a forma de se fazer rap. 

Neste sentido, desde a crueza do audiovisual, voltando para a história dos seus atores, assim como para o sumo da faixa, “Cartas” iniciou os trabalhos, onde o Elo da Corrente reafirma a sua “Forma Pura” do que é o Rap. A cadência moderada, os samples inseridos no e pelo BEATDOMK, a construção lírica  que busca não se diluir em breves comentários pop ou “emojis compartilhados”, assim como o enquadramento fixo em um plano aberto com uma fotografia em preto e branco, e voilá à essência dos caras. 

O cineasta norte-americano Samuel Fuller dizia: “Sem dúvida, a vida passa a cores. O preto e branco, porém, é mais realista”. Faço essa contraposição, pois há sempre um caleidoscópio de perspectivas quando se trata de pensar a cultura. E em tempos, onde o mercado e a rapidez inexorável das redes sociais conduz a subjetividade das pessoas, se faz importante reflexões mais demoradas. 

As apressadas considerações e as oposições fáceis que longe de pensar, apenas contrapõe questões no rap nacional, sem levar em consideração a imensa paleta existente entre o preto e o branco, produz sempre ruído, nunca pensamento. O rap não é uma “Forma Pura”, assim como a cultura Hip-Hop nos seus outros elementos artísticos. Aliás, sempre e todas as vezes que se defendeu pureza em formas artísticas e na cultura, chegou-se a alguma forma de fascismo e certamente não é isso que o Elo da Corrente pretende. 

Ora, então o que o termo “Forma Pura” como título de um EP de rap quer comunicar? Em um dos versos presentes em “Cartas”, podemos ouvir: “Esse é o retorno da era dos clássicos, sem enredos trágicos, deixando rastros mágicos”. Em um dos muitos depoimentos famosos do KRS-One, o mestre nos diz que o Rap já estava presente nas diversas formas musicais – blues, jazz, soul, disco – ao longo da história da música negra norte-americana e que a Cultura Hip-Hop tem na política o seu fundamento, a sua base. 

O que a linha acima mencionada sintetiza com brilhantismo é este “devir” do Rap do qual KRS One nos fala que em nosso país já foi samba, já foi embolada, coco e repente e ao mesmo tempo como essas expressões artísticas e culturais sempre foram luta política por paz, amor, união e diversão. Neste sentido, as “Cartas” que o Elo da Corrente e o mergulho que apresentam em cada um dessas “faixas” presentes no EP “Forma Pura” seguem à risca, é esta visão do que seja a Cultura Hip-Hop e o Rap. 

Não uma Forma Pura no sentido de só existir um modo de se fazer, mas sobretudo uma expressão da cultura Hip-Hop, feito por MC’s que se recusam a diluir a cultura a favor do mercado. Apesar de um curto EP, o que temos em mãos, batendo em nossos ouvidos, são pequenas pílulas que colocam em “jogo” a mediocridade de uma forma de fazer que perde a pureza por ser a expressão dos ditames que vem de fora, seguindo fórmulas repetidas à exaustão.

“O que fazemos na vida, ecoa na eternidade!”

Já na abertura do EP com a música “Alquimia” que traz a participação do mestrão Jamés Ventura, a artesania e as referências a Jorge Ben explodem das rimas direto para o ouvido com bastante força. O BEATDOMK nos conduz a essa sensação de densidade que os caras expressam nas linhas, com um rigor “Zappiano” mas muito longe do elitismo que este termo pode querer evocar. Longe da brincadeira dos meninos no playground do mainstream, Caio e Pitzan seguem rimando pesado ao longo de mais de duas décadas. 

-Leia aqui no site a resenha do último EP do Jamés Ventura junto com Jota Ghetto

E de certo modo, Jamés Ventura consegue em seus versos a partilha de uma visão comum com os caras, ao rimar com bastante veemência, e ao se referir a forma de produção artística do Rap com base na cultura Hip-Hop, sendo sempre um furto. O que com absoluta certeza é de fato a base criativa do rap como cultura do Sample. E que não está restrita a música, mas que segue sempre reimaginando visualmente e também poeticamente. 

Prova disso é a beleza e a força da citação de um Paulinho da Viola muito bem furtado, na faixa seguinte “Recomeçar”, onde Caio e Pitzan rimam sobre a força da poesia em mudo cada vez mais utilitarista. Em um mercado onde tudo gira em torno da imagem, a capa do disco “Forma Pura” é uma provocação muito potente, ao apresentar um fogão improvisado em uma lata de tinta. A música do Elo da Corrente é sob essa perspectiva sempre esse cozimento “artesanal” e a lírica presente em Forma Pura segue essa linha de pensamento, que está longe de romantizar a pobreza, mas que retira da frase de Kerouac um impulso originário e originador: “Sou pobre, todas as coisas do mundo me pertencem”. 

E isso pode ser comprovado em “Sem Acordo”, terceira música do EP, que denuncia a pobreza poética dos “bonecos articulados pela Indústria musical”, comprando streaming e publicidade, lançando projetos “pomposos” de marketing mal disfarçados de conceito. E na luta de classes dentro da indústria cultural, sim isso existe, a exploração da base trabalhadora do Hip-Hop, produzindo a mais valia no Mainstream. 

Esta resenha se encerra com a penúltima faixa do EP, “Nada Mais”, uma love song que aqui transmutamos em amor à Cultura. É muito bonito a forma como o Caio e o Pitzan conseguem com leveza e muito apuro, citarem nomes como Cortázar e Quintana, nas suas faixas. Sem transformar as citações em mero capital cultural, mas como inspirações de onde eles furtam a força para a construção de suas rimas, obviamente junto às vivências que possuem. 

Ora, certamente ao entrarmos em contato com artistas, músicos, escritores como o Elo da Corrente por exemplo, somos também furtados, violentados por expressões artísticas que nos desencaminham da ordem natural das coisas, do status quo. O relógio do mundo suspende a contagem como quando estamos com quem amamos, as horas perdem a batida monótona e somos encaminhados ao tempo da duração. 

Nos levando a ver não no objeto de desejo mas sobretudo no campo onde ele está inserido, a nossa razão de ser, um local onde a paz se faz possível. Onde nos desindividualizamos, encontrando nosso próprio jeito de viver, nossa singularidade e nossa forma de nos expressar. A cultura não é algo duro, e certamente não existe uma única forma de se fazer arte dentro do rap e do Hip-Hop. 

A “Forma Pura” que o Elo da Corrente nos comunica é o da busca por elevação, por domínio da nossa própria consciência, da luta por liberdade e com certeza do amor pela Cultura. Escute!

-“Forma Pura”, novo EP do Elo da Corrente reafirma o compromisso com a Cultura!

Por Danilo Cruz 

 

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