Oganpazan
Resenha, Shows

FESTIVAL BIGBANDS 2016 , Edição Dia dos Mortos.

14650044_769129723190162_3263998664277217638_nIvan Motosserra, Las Carrancas e Rawmones conduziram o público através da Noite dos Vivos em direção à Madrugada dos Mortos, na primeira etapa do Festival Bigbands 2016.

A noite de 01 de novembro no Irish Pub, um dos points da música independente baiana, em particular das mais variadas vertentes do rock, abrigou a etapa 1 do Festival Bigbands 2016, que chega à sua VII edição. Na programação 3 bandas, diferentes estilos, diferentes propostas, mas comungando do mesmo objetivo: tocar fogo na noite. As bandas fizeram sua parte, o palco foi incendiado, mas na platéia viam-se apenas alguns focos de incêndio. Mais adiante entenderemos o porque disso.

A chamada para a noitada morta-viva no facebook anunciava o trio Las Carrancas, que vem buscando se consolidar na cena do rock instrumental através da sua irreverente surf music. Ivan Motosserra, atração apropriada para o clima sombrio  sugerido pela temática do evento. Isso porque o power trio de surf trash envereda por timbres vocais e elétricos envenenados de peso e morbidez. Logo após subiram ao palco os Rawmones, projeto criado para homenagear os 40 anos de lançamento da obra prima The Ramones (1976), primeiro álbum dos pais do punk rock. Compuseram o time para a homenagem o guitarrista Rogério Gagliano da Ivan Motosserra, e os ex integrantes da extinta Rewinders, Freak e Maluketi. 

Terça feira véspera de feriado, as ruas do Rio Vermelho, bairro boêmio de Salvador, estavam cheias. Bares e casas de shows, largos, tomados de pessoas. No Irish Pub não era diferente, a frente do pub mais famoso de Salvador estava muito cheia. As pessoas conversavam e bebiam descontraidamente. Tudo indicava que nenhuma banda havia começado a tocar dentro da casa. Sentei no lado da orla tomando uma cerveja curtindo a paisagem e a brisa marítima, observando a frente do Irish, aguardando as pessoas começarem a entrar, indicação de que haviam começado as apresentações. 

Terminei dois latões e nada mudara do outro lado da rua. Resolvi entrar, eis que para minha surpresa Las Carrancas já iniciara sua apresentação. Meia dúzia de pessoas assistiam ao show. Os caras levavam seu show com seriedade, claramente imersos no som que estavam fazendo, pouco importando para o que acontecia fora do palco. Deram o melhor de si, fizeram um bom show, satisfizeram aqueles que foram para o Rio Vermelho pelo som, pelo rock. 

A Ivan Motosserra subiu ao palco logo em seguida. Esperava que a casa fosse ficar entupida de gente, pois a banda já possui um público, além de já teremo conseguido consolidar seu nome na cena musical baiana. Um número maior de pessoas compôs a audiência do show, porém, a meu ver, um número bem aquém se considerarmos a quantidade de pessoas que estava do lado de fora do pub. 

Esse foi o quarto show da Ivan Motosserra no qual marquei presença, sem dúvida foi o melhor dos quatro em termos de performance da banda. Os integrantes subiram ao palco com a face pintada simulando crânios, uma clara referência à icônica maquiagem usada pelos integrantes da The Misfits. No palco o clima era de terror e as músicas que fizeram parte do repertório contribuíram para tornar o clima o mais sombrio possível. Entre os covers tocados pela banda havia The Mummies (The Fly), Zumbis do Espaço (O Canto dos Demônios) e Ramones (Rock´n Roll Radio e Shenna is a punk rocker) . Bom, isso foi o que o nível de embriaguez me permitiu identificar.

Foi uma apresentação intensa, permeada de tiradas incisivas de humor sarcástico direcionadas ao público e a algumas pessoas em particular. Tais situações aconteciam entre uma música e outra feitas pelos membros da banda. Nesse quesito o destaque vai para o guitarrista Rogério Gagliano, sempre pronto a invocar o mal na figura de Satanás. A participação do guitarrista Morotó, representante maior da guitarra psico/rockabilly baiana, levou o show ao seu ápice, numa interpretação selvagem de Misirlou do Dick Dale.

Som pesado, distorções alucinantes, clima sombrio, músicos consumidos pelo próprio som que deles emanava, apogeu alucinatório através de sons vibrantes e envenenados, mas ainda assim a casa não veio a baixo, por quê?

Há 40 anos e alguns meses atrás o rock roll foi reformulado, ocorreu um rebbot que restaurou a energia e a vitalidade deste gênero musical. Inaugurou-se uma nova vertente. O punk rock veio ao mundo em 1976 quando o álbum Ramones foi lançado. Todos que ouviram esse álbum ao longo desses 40 anos tiveram sua percepção sobre o que é música alterada.

Quatro garotos completamente desorientados, buscando fazer algo que desse a eles um motivo para continuarem vivos, foram capazes de criar um estilo, um modo de fazer música completamente original, intenso e valioso, sem fazer ideia de como fazer aquilo. Lembram da cena antológica de 2001 – Uma Odisseia No Epaço quando nossos ancestrais hominídeos estão estupefatos, experimentando um misto de medo e admiração diante do monolito e de repente há um insight e eles usam os ossos como ferramentas? O mesmo ocorreu com os 4 garotos quando estiveram diante de um microfone, um baixo, uma guitarra e uma bateria. Tal qual nossos ancestrais, foram levados pelo impulso instintivo e vital, empunharam os instrumentos e começaram a batê-los, socá-los buscando intuitivamente dar um sentido àqueles objetos. Tiveram sucesso e deram uma nova via evolutiva para o rock´n roll.

Foram mais longe, colocaram gerações inteiras de jovens num estado de espanto profundo, obrigaram-nos a lidar com o estranhamento de estar diante de algo inefável, completamente fora da nossa compreensão do real. Os Ramones foram capazes e ainda o são de dar vitalidade a algo que muitas vezes é vazio e sem vida, que nós chamamos de existência. Por todos esses motivos, pelo legado que nos deixaram, esses quatro garotos merecem ser admirados e cultuados por todas as gerações e por todos os anos que ainda estão por vir.

Cientes da importância de celebrar os 40 anos de lançamentos do primeiro álbum dos Ramones, Rogério Gagliano, Freak e Maluketi formaram os Rawmones. Desde o momento em que cheguei ao Irish Pub percebi o grande número de pessoas vestidas com camisetas dos Ramones, inclusive eu. Esses mantiveram-se diante do palco durante todas as apresentações das 3 bandas que tocaram naquela noite. O número de pessoas aumentou quando os Rawmones subiram ao palco, houve mais agitação no público, mas ainda assim a casa não veio abaixo, por quê será? 

Os Rawmones tocaram todas as músicas do primeiro álbum de forma ininterrupta como se os próprios Ramones tivessem se materializado no palco. As pessoas cantaram as músicas junto com a banda, chacoalharam seus corpos, muitos não se controlaram e subiram ao palco para cantar uma ou outra música. Alisson, guitarrista e vocalista, membro fundador da Pastel de Miolos, estava entre os mais sintonizados no show. Subiu ao palco, tomou posse do microfone e tornou-se o front man da banda em algumas músicas. Toque de energia fundamental para aquela celebração do marco zero do punk rock.

Que noite! Aliás, nesse momento a madrugava já estava pela metade. Sai do Irish Pub por volta das 3 da manhã. Ao chegar do lado de fora me deparei com uma situação que me pôs em contato com a realidade. Entendi porque não houve lotação no Irish Pub naquela noite, entendi porque a casa não veio abaixo mesmo com shows incendiários como os que rolaram naquela noite. As pessoas vão ao Rio Vermelho para beber, bater papo e paquerar, não vão pela música. A frente do Irish Pub ainda estava tomada por um número muito muito grande de pessoas. 

Estas preferem ficar pela rua, encostadas em carros ou acumuladas em pequenos montes bebendo e conversando ao invés de curtir um show. Esse é o fato que acabei constatando naquela noite. O que me levou ao Rio Vermelho  foi a vontade de curtir os shows, ouvir música durante toda a noite. Foi então que percebi possuirmos a tendência de projetar nos nos outros as expectativas, anseios e desejos que são apenas nossos. Imaginei que por ser uma noite com bandas tão importantes para a cena soteropolitana, por ser uma casa de shows e tratar-se de um festival que sempre movimentam a cena musical da cidade, iria me deparar com toda insanidade que um público de rock´n roll aglutina sobre si quando são atiçados por sons envenenados e que inflamam nossos instintos mais primais. 

Aqueles que se dirigiram ao Irish Pub tiveram uma noite de música, de performances dignas de tudo que torna o rock grandioso. Contudo sempre esperamos mais, há sempre algo que nos impele a crer que é possível ir mais longe, que a música será o elemento mais importante na noite e madrugada das pessoas. Essa doce ilusão é importante, como é importante que deixemos que ela nos seduza. Para que casas de shows como o Irish Pub tenham razão de existir, para que festivais como o Big Bands tenha razão de ser, para que bandas tenham motivo para continuar fazendo rock, para que pessoas possam continuar buscando nos shows de rock o ritual para realizar sua catarse. 

 

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