FBC e VHOOR lançaram “Baile”, disco que explodiu no Brasil e fora dele. O oganpazan entrevistou a dupla pra sacar as nuances do Miami Bass.
Atualmente é difícil de encontrar quem nunca tenha ouvido falar do FBC e VHOOR, tamanho o impacto que o projeto de estúdio mais recente da dupla causou na música Pop brasileira.
“Baile“, lançado no dia 12 de novembro de 2021 se transformou num viral instantâneo. O disco que explodiu no Tik Tok em função dos singles “De Kenner” e “Se tá Solteira“, se transformou nuns dos trabalhos mais tocados no Brasil e catapultou a dupla para outro patamar.
Com agenda cheia desde o lançamento e durante todo o ano de 2022, o projeto – que saiu até em vinil, inclusive o FBC mandou uma cópia pra gente! – conquistou um público gigante, levando a música eletrônica de favela para os maiores palcos do mainstream.
Apesar da correria, o Oganpazan conseguiu conversar com a dupla FBC e VHOOR e o resultado foi uma entrevista que é praticamente uma aula sobre a força dos movimentos periféricos e todo o potencial que eles possuem, vide que a dupla saiu de Minas Gerais e fez o Miami Bass chegar em todo território nacional. Fabricio e VHOOR formaram uma dupla e tanto, com mão de midas para produzir hits.
Um trabalho que que prima por criar um enredo que se transforma no Baile do Vilarinho – baile de Miami Bass que acontecia em BH – a dupla aborda temas do cotidiano da quebrada, como a violência policial, sexualidade, drogas e a relação da periferia com as marcas, apresentando uma roupagem inédita para o público, com um resgate estético bastante interessante.
Escutando o disco, dá para perceber certas nuances, como a questão do BPM, por exemplo. É um groove mais lento, se comparado com o BPM do Funk em outros estados do Brasil. As bases possuem diversas dobras de vocal e batidas, construindo tracks que funcionam em camadas, com destaque para a dinâmica do drum & bass.
É notável como a dupla vai da trilha sonora do Tetris até o Planet Rock do Afrikaa Bambataa em questão de segundos. É quase impossível ouvir o disco e não pensar num espetáculo com banda. Escute de fones para não perder os graves e confira a entrevista completa.
Entrevista FBC e VHOOR:
O Funk e o Dub, por exemplo, são exemplos de músicas com uma abordagem bastante calcada no faça você mesmo. Como que vocês analisam o “Baile” como forma de expressão e a importância desses movimentos que hoje estão conseguindo sair da quebrada?
VHOOR: Então, mano, eu acho que com o advento da internet e principalmente dos produtos piratas, aconteceu uma democratização muito grande da música eletrônica. Tanto o Dub quanto o Funk, são estilos que ainda são produtos da música eletrônica de favela.
Hoje ficou muito mais barato você ter um computador mais velho e umas caixas JBL – e mesmo assim conseguir produzir – do que muitas vezes comprar uma guitarra ou um amplificador. São estilos que – por serem mais democráticos – acabam atingindo pessoas que não tem tanta condição assim, mas que também querem muito fazer música.
Quais que são os desafios de imprimir essa estética no som e conseguir a reverberação que vocês conseguiram, sempre ressaltando que isso está sendo construído há muitos anos, com os trabalhos que antecederam o “Baile”?
VHOOR: Com o Miami Bass, o desafio era que se tratava de um gênero antigo. Foi importante contar um pouco do contexto histórico, justamente pra situar a galera com relação ao que nós estávamos fazendo, até por que eu e o FBC fomos bastante influenciados por esse gênero.
O desafio é esse, é um som novo, é uma coisa que não estava acontecendo muito na cena e muitas vezes a gente não sabia se era possível chegar em novos caminhos com esse som, por que não existia parâmetro. As coisas que deram certo nessa estética, e que a gente tinha um pouco de informação sobre, eram de 5, 10 anos atrás.
A gente não sabia se ia dar certo, foi uma parada que levamos pra frente e fizemos de fato por que realmente gostamos muito dessa linguagem.
Tem uma questão que muitos Rappers e DJ’s vieram do Funk e como consequência chegam no Hip-Hop. Gostaria de saber o que esse disco acaba influenciando no Rap que vocês produzem. Hoje esse caminho é bastante comum, tem muitos MC’s de batalha saindo do Funk e tal, como vocês enxergam esse movimento?
FBC: Guilherme, o Miami Bass pra nós, esse disco no caso (“Baile”) é um retrato de uma época no Hip-Hop onde a galera produzia esse tipo de batida. Pô, a gente chama de Miami Bass, mas você vê o Planet Rock do Afrika Bambaataa e outros lugares que também tinham uma batida similar, mas isso aconteceu numa época específica do Hip-Hop. A nossa ideia era trazer esse estilo e fazer esse retrato de um período, considerando essa música que veio pra cá e se transformou em tantas outras coisas, tá ligado?
Um lado ficou mais conservador e manteve um pouco das características originais do movimento, que é o Miami que veio pra cá. A gente pode citar também o Freestyle que foi para o norte, nordeste … Tem lugares lá que o pessoal escuta Miami até hoje, então é esse Miami que veio pra cá e culminou no Funk, por exemplo. E o Miami que veio pra cá foi evoluindo junto com o que era produzido de Rap.
É Hip-Hop, saca? A nossa ideia foi trazer a estética dessa época. Não existia o Funk ainda. Se você colocar essas músicas do “Baile” pra alguém que escutou essas batidas nos anos 80, por exemplo, essas pessoas não não falar pra você que é Funk. Isso é Miami Bass, Hip-Hop. Isso é um embrião de uma parada que veio para o Brasil e se transformou no Funk carioca. Era o Rap da antiga e essa que é a batida e é isso que a gente tá trazendo.
Tem um lance que eu acho foda do trampo de vocês, FBC que é o seguinte: a estética não é fixa, você surge com diversas abordagens a cada disco, gravando também de forma muito prolífica, praticamente anualmente. Com isso em mente, queria que vocês falassem da cena de Minas Gerais pra gente entender a importância da produção local para o som que vocês criam.
FBC: A cena aqui é bastante movimentada por festas que direcionam muito sobre o caminho das produções da galera, tá ligado? Mostra o que e como esses artistas estão pensando em fazer som, desde o pessoal do House até a música experimental.
Tem muito MC também aqui em BH, mas a grande sacada dessa efervescência cultural daqui são os DJ’s, produtores de Rap e também os produtores de Funk. São vários DJ’s produtores, DJ’s que tocam na noite e eu particularmente, sempre faço minha música com base nessa cena local de BH. Acredito que se funciona bem aqui, funciona em qualquer lugar do Brasil.
Acho que vocês conseguiram criar uma identidade musical muito foda, mesmo mudando a cada disco. Cada disco surge com uma assinatura sonora e o “Baile” fez isso novamente. Vocês transformaram a periferia em cultura Pop com esse lançamento, o que vocês podem falar sobre isso?
VHOOR: Eu acho que com o trampo que a gente fez, o sentimento e a falta desse tipo música, nós conseguimos atingir bolhas que fugissem um pouco do que estávamos acostumado antes de toda essa exposição. Isso foi importante, justamente pra gente chegar em lugares que o nosso trampo não acontecia.
Essa oportunidade que a gente tem de levar o nosso som – que é um parada diferente – ocupando espaços inéditos e importantes, tem sido muito especial, até por que é um lance underground que a gente não botava fé.
Fez sucesso até no Tik Tok
Sim e isso nos possibilitou levar isso para lugares diversos, hiper Pop’s e outros que a gente nunca pensou que fosse dar certo, botá fé? Foi um acerto nosso lançar um disco experimental, mas também não só isso, foi importante elaborar um projeto que conseguisse alcançar o mainstream também.
E como que está sendo levar essa experiência para o Brasil inteiro? No estúdio você está num ambiente controlado, ao vivo entra o fator da performance e o desafio de tangibilizar isso pra plateia. O que vocês sentiram dessa transição?
FBC: Eu canto né, o Vhoor toca as músicas e assim, muita coisa se perde do estúdio até o show, por que tem muitas vozes ali. Eu canto sem dobras e junto da Iza Sabino ao vivo, mas a sensação que eu tenho é que o “Baile” tem muitas oportunidades de crescimento, pensando em termos de show.
O Miami possibilita fazer arranjos muito bons com outros instrumentos, com banda e etc e a sensação que eu tenho é que se a gente conseguir fazer algo relacionado a isso novamente, como se fosse um volume 2, vai ser necessário fazer uma parada grande, por que que a galera com certeza vai querer shows desses trabalhos que estão por vir.
A ideia era assim, o Vhoor é o beatmaker, tá ligado? Muita gente acha que ele é meu DJ por que no “Baile” eu deixo a ideia que o Vhoor é o DJ que toca as mais brabas, sacou? Mas agora nós estamos vendo uma forma de trabalhar junto, fazendo o nosso show crescer e levar a experiência do disco com um show mais completo e que dialogue com os festivais e shows que acontecem no Brasil e fora daqui.
Para encerrar, queria voltar num negócio que vocês falaram antes, que é o lance de que essa música foi criada numa época que não existia Funk, mas sempre com essa identidade, com forte influência percussiva. Como vocês fizeram essa mistura de brasilidades e trouxeram isso com influência da cena de festas e do movimento de música eletrônica que é muito forte em Minas?
Vhoor: Eu acho que a produção de música eletrônica no Brasil é mais percussiva. Na internet você encontra muito loop, muito material já criado com bastante percussão, então isso vem de muito tempo de pesquisa minha e do Spider, o produtor que cedeu o estudo pra gravar e masterizar o “Baile”.
Qual é o nome do estúdio?
Vhoor: Pro beats, do DJ Spider. Ele passou muito conteúdo pra gente até por que ele também era um DJ antigo da cidade e tinha muito conteúdo dos bailes da época. Era um acervo bem grande que foi muito aproveitado para o desenvolvimento do “Baile”.
Então, além das coisas que a gente já tinha da nossa pesquisa própria de ritmos afro-latinos e brasileiros, foi uma influência que nós conseguimos encaixar na estética do disco e combina bem com as ideias que a gente teve.
Demais, aqui em casa rola direto. Obrigado pelo tempo, sei que está uma grande correria pra vocês.
Valeu meu mano, a gente ficou bem feliz com a entrevista.
Satisfação toda minha, mano. Até a próxima.