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Existo porque escrevo! Reflexões sobre o ser mulher blogueira no Hip Hop. 

Existência, pensamento e a luta das mulheres no Hip-Hop é o tema deste artigo da colunista e editora Ana Rosa, do Noticiário Periférico

Uma das lendas vivas do Hip Hop nacional Rúbia RPW, no belíssimo grafite da Bruyeah

O Hip Hop é um movimento cultural, social e político que tem ideais pautados na luta por direitos, a denúncia e a busca pela visibilidade de uma juventude à margem da sociedade. O rap por sua vez sempre foi estruturalmente entendido como algo pertencente aos “manos”, e historicamente é um ambiente hostil para as mulheres que buscam o protagonismo. Questões como machismo ou outras questões de manutenção de privilégios sociais e de gênero, NÃO são intrínsecas ao Hip Hop, mas por ser um espaço cultural formado por diversas pessoas, é também um espaço de reprodução e legitimação dessas questões.

Ainda que se tenha certo respeito por parte do público, o protagonismo de mulheres sempre foi sendo alcançado na base da organização para o enfrentamento, vejam se pensarmos lá na gênese do Hip Hop, em 1970 no Bronx, já tínhamos mulheres aos montes construindo e movimentando a cultura, mas se buscarmos na bibliografia as menções às mulheres se limitam a espaços pontuais, e só vamos encontrar verdadeiramente conteúdos mais sólidos quando temos a produção de conteúdo a partir das próprias mulheres do Hip Hop. 

Fui convidada para discorrer um pouco sobre o que é ser uma mulher escrevendo sobre Hip Hop. Estendi essas ideias pra falar também sobre o que eu acredito que os meus registros escritos representam dentro da cultura. Não eu, Ana Rosa, mas eu, blogueira, mulher, negra, periférica e ouvinte de rap. Primeiramente, pra firmar uma ideia, eu gostaria de definir que sou uma blogueira, que não é imparcial, e que têm a liberdade de pesquisar, preparar e veicular informações de acordo com a minha demanda pessoal enquanto ouvinte, e que principalmente não utiliza o rap como uma expedição pontual pela cultura Hip Hop, mas que o vivencia diariamente. 

Diferente do “hype” das mídias de rap, que tem sua produção de conteúdo no modo EAD da cultura, e que fazem seus conteúdos superficiais bombarem, o conteúdo produzido por blogueiras e blogueiros comprometidos são um contraponto tanto em arte, como educação e produção de conhecimento histórico. 

Se hierarquizamos socialmente as estruturas de espaços de opinião, temos também uma linha muito interessante sobre como a figura masculina privilegiada socialmente está em uma macro zona de conforto que isenta esses homens de ter que produzir conhecimento de embate, e os libera para falar, escrever e cantar tanta bosta. As mulheres perceberam na história que com tantos problemas, é possível produzir informação e conhecimento que reverbere tanto nas carreiras artísticas como no crescimento pessoal. 

Definitivamente não existe Hip Hop movimento cultural-social-político, sem a produção de conhecimento escrito ou audiovisual, sem as mulheres, e especialmente sem as mulheres negras. E ter essa representação documentando, escrevendo e performando o Hip Hop, é de extrema importância. A produção de conhecimento das mulheres do Hip Hop amplia os registros históricos e bases de conhecimento dentro da cultura. Quando falamos da organização de mulheres no Hip Hop, nós não estamos falando de uma mulher rimando em cima do palco apenas.

Estamos falando de uma grande rede que tem como propósito se fortalecer, trocar experiências e ideias, dialogar e articular atividades que coloquem a mulher no cenário e gerem visibilidade. Temos na nossa história a formação de coletivos formados por mulheres de todos os lugares do Brasil, que se organizaram, se encontraram e trocaram experiências sobre suas questões particulares comuns e principalmente, produziram algo concreto com essas discussões.

Os fóruns da Frente Nacional das Mulheres no Hip Hop (FNMH2) geraram a formulação de políticas públicas, a produção de livros como o Perifeminas e outras ações; outros corres como o Minas da Rima, resultaram em Cds e coletâneas, e outros inúmeros os frutos da organização coletiva, que só são percebidos com o passar do tempo e os relatos de quem vivenciou esses espaços. 

Meus incômodos com as questões de gênero que atingem o Hip Hop e meu contato com a questão de construir a cultura através de um “quinto elemento”, foram estimulados principalmente em um encontro da FNMH2 que participei. Logo, meu status de blogueira, vem como a minha busca pessoal pelo meu protagonismo no rap, compondo o elemento conhecimento, e também na oportunidade de construir uma mídia de rap que abordasse temas com a minha ótica enquanto mulher, negra e periférica, e não mais com a visão distante de quem tinha os espaços de opinião nas mãos. 

Mídias de rap independentes e o papel no coletivo Hip Hop 

As produções de conhecimento acerca do rap nunca podem ser produzidas num oco, como se o mesmo não fizesse parte de um movimento cultural com uma força extremamente potente, que deu continuidade a importantes movimentos de busca por direitos e representatividade de comunidades marginalizadas. É um trabalho extremamente complexo, que demanda bem mais que ouvidos capazes de entender uma letra ou um beat. O trabalho das mídias independentes de Hip Hop é de extrema importância para a efetiva construção dos famosos “lugares de fala” dentro da cultura, mas é importante que as mulheres ocupem esses espaços atentas ao fato de que podemos ser vítimas de um “machismo cordial”, que nos apoia escrever, rimar, dançar, grafitar e discotecar mas não divulga e nem consome nosso conteúdo.

E isso se estende ao público geral. Numa história não muito longe, o público do rap se informava através de revistas especializadas em Hip Hop, como a The Source, Rap Nacional e afins, e artistas se empenharam em disputar um rodapé para promover seus trabalhos, atualmente percebo que grande parte tanto de artistas quanto público, priorizam espaços superficiais monetizados. Aquele lugar de conforto citado que permite que homens brancos privilegiados tenham a liberdade de produzir conteúdo sem qualquer relevância e ainda receber pra isso.

Totalmente destoante do sentimento de receio de que um equívoco deslegitime todo um texto ou caminhada. 

Contudo, vejo nas mídias independentes o poder de não atuar como amplificadoras de grandes magnatas da música, sem se questionar sobre os rumos da cultura ou mensagens dos artistas que nós contribuímos para a publicização. Tendo em vista como os apelos e problematizações fizeram por exemplo grupos renomados como Racionais, repensarem letras de músicas concebidas em outros contextos. 

Por essas e outras eu acredito que meu papel escrevendo e produzindo registros não podem contribuir para que a música, fruto de espaços marginalizados, sirva pra continuar impactando esses espaços de maneira ruim. É mais do que necessário que minha escrita colabore com críticas e análises que despertem reflexões que desencorajem a manuntenção de discursos de violências autodestrutivos, discursos que objetificam e violentam corpos negros, de mulheres, de LGBTQIA+, que iludem nossos jovens com o materialismo e afins.

A minha voz não é única no Rap, no Hip Hop. E eu acho sim que ela ecoa menos do que deveria. Meus textos não batem tanto nos olhos dos “amantes de rap” como o conteúdo audiovisual cansado de muitas pessoas, mas minhas pautas perpassam o cuidado, amor e responsabilidade com a cultura que me forma e me mantém viva diariamente. E mesmo com tantas questões adversas, eu persisto. Posso dizer que eu, enquanto mina no Hip Hop, escrevo pra existir. 

“O ofício no ativismo político envolve inevitavelmente certa tensão entre a exigência de que sejam tomadas posições em relação aos problemas atuais à medida que eles surgem e o desejo de que sua contribuição, de alguma forma sobreviva à ação do tempo. Nesse sentido, o principal desafio a ser enfrentado no ativismo é responder plenamente às necessidades do momento e fazer isso de modo que a luz que se pretende lançar sobre o presente possa ao mesmo tempo iluminar o futuro” – introdução do livro Mulheres, Cultura e Política de Angela Davis.

-Existo porque escrevo! Reflexões sobre o ser mulher blogueira no Hip Hop. 

Por Ana Rosa (Noticiário Periférico)

 

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