Com Essa Porra é Minha Vida Mobbiu segue no projeto de lançar um single por mês em vias de colocar seu primeiro disco solo nas ruas.
– “Essa porra é minha vida, irmão!” Muitos dizem que antiguidade é posto, e apesar de não concordar sempre com essa premissa preciso dizer que nesse caso sim, tenho que dar o meu braço a torcer. Mobbiu é um Mc antigo, mas o seu posto conquistado é mantido como um dos velhos lobos do rap nacional que tem que enfrentar os mais novos que desejam o posto, e com os quais obviamente tem que se confrontar constantemente.
Um enfrentamento que se dá no campo da arte e da existência, servindo de espelho para muitos dos jovens artistas e empreendedores que vem nascendo na cidade, em busca de profissionalizar suas artes. Caminhando na trilha do velho lobo em vias de conquistarem também sua vida no rap. Esse single é um delicioso exemplo desse exercício que o Mobbiu e outros antigos da cena com certeza praticam todos os dias.
Essa Porra é Minha Vida foi disponibilizado para download por um curto espaço de tempo, mas não houve propriamente um lançamento. Uma track clandestina. Mobbiu se cercou de dois nomes novos do rap: o manauara Victor Xamã e soteropolitano Suburbano. E é possível perceber neste encontro de gerações, o frescor das ideias e do flow em todos os participantes. Chegando ao ponto de entendermos a morte (neste cruzamento de regiões e de tempos) tal como a canta Suburbano, como um processo constante daqueles que se recriam permanentemente.
O que de certa maneira é talvez uma das maiores verdade da existência humana. Até onde sabemos o homem é um animal – o único – que tem consciência de sua própria finitude e como nos ensina Montaigne é preciso aprender a morrer. E essa consciência é na verdade, de acordo com o filosofo francês, o exercício (de pensar e aceitar essa sina) filosófico por natureza.
Em Essa Porra é Minha Vida o contato entre antiga e nova escola, entre o norte e o nordeste do nosso país, entre um Mc antigo e dois Mc’s jovens nos dar muito a pensar. A importância da retroalimentação na cultura e de toda a arte que só acontece nesse enfrentamento e nesta troca, onde a tradição entra em núpcias com a tentativa de inovação e superação, seja das fronteiras territoriais, seja das diversas formações e perspectivas ou ainda onde a experiência precisa negociar com o vigor para conseguir encontrar a justa medida.
Refazendo-se numa constante busca pelo conhecimento, filtrando para aqueles capazes de reconhecer referências diversas, seja na música, mas também em diversas outras artes, Mobbiu se mantém como peça fundamental do rap nacional e Essa Porra é Minha Vida é uma prova disso. Por outro lado, Victor Xamã é uma das novas forças que em 2015 despontou no cenário nacional impressionando a todos com seu disco Janela, enquanto Suburbano vem construindo sua reputação com bastante qualidade em participações, onde mostra toda sua excelência rimática – esperamos um disquinho pesado para logo menos.
Poderíamos perceber aí, como na verdade está expresso na construção das três rimas intercaladas na canção por estes três artistas dispares, uma linha temporal onde as existências dos três atores se encontra numa constante construção, para que continuem e façam disso suas vidas. A certeza de que o rap e a cultura hip-hop podem ser o caminho de construção de diversas e diferentes vidas.
Demonstrando às novas gerações a força da “velha guarda”, Mobbiu (que se adapta bem as novas linguagens surgidas no rap) demonstra para os mais jovens a importância de sua caminhada. Promovendo um encontro entre o novo e o antigo, fica a forte sensação de que tudo que é importante e novo em termos de arte, deve surgir da tradição, seja negando-a (caso das vanguardas) seja num diálogo que visa a superação da mesma. Nesse pique Mobbiu consegue produzir num só corte ético-temporal, uma ferida que conjuga a potência dos encontros e uma poesia que conjuga um conhecimento afinado e rouco do mundo e das formas de habitá-lo poeticamente. Muitos conhecem apenas o game e aceitam as suas regras sem questioná-las ou sem buscarem sua subversão, ficando assim aquém, cheios de informações clichês que não conseguem se produzir em novas práxis e modos de resistência.
Fazer do rap uma vida, o que pra nós se traduz em fazer da arte e do conhecimento a razão de sua existência, a essência produzida por ela. É tarefa de todos aprender a trançar (como as famosas fiadeiras) seu caminhar da forma mais harmoniosa, resistente e trágica possível. O trágico aqui como a aceitação da vida em toda sua finitude, aquilo que nos constitui. E desse jeito caminhar sem descanso se faz de fato uma missão que supera o mercado – sem perdê-lo de vista – mas que não se curva as suas exigências, encontrando-o como local de passagem da arte, que infelizmente é em nossa conjuntura política e econômica um ponto de chegada para todos que trabalham, mas que entre os mais verdadeiros não se torna uma jaula, mas o verdadeiro GAME.
Escuta essa pedrada com cara e corpo e todo jeitão de hino. Essa Porra é Minha Vida!
Essa Porra é Minha Vida:
Mobbiu
Victor Xamã
Suburbano
Beat: Victor Haggar
Produção: Álvaro Réu e Mobbiu