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Erika Wennerstrom Sweet Unknown (2018) Um mulher em movimento

Erika Wennerstrom lança seu primeiro disco solo, Sweet Unknown, uma obra onde ela reflete sobre seu processo de cura e auto descobrimento!!!

Em seu primeiro disco solo, Erika Wennerstrom, a principal força criativa a frente dos excelentes Heartless Bastards, transforma em bonitas e intensas canções sua recente jornada em busca de cura e auto descobrimento visando a força do amor próprio. Na batalha com sua banda desde o inicio da atual década, ela veio ao longo de cinco excelentes discos construindo um estilo único e sempre atribuindo uma intensidade, que é a marca maior de sua arte.

Se você está se perguntando então porque nunca tinha ouvido falar dela até então, a resposta é para nós também difícil. Erika e seus Heartless vislumbraram um sucesso que talvez os trouxessem para os seus ouvidos, mas digamos mainstream, com seu disco The Mountain (2009), mas ficou nisso. O fato é que por terras americanas a sua mistura de blues rock, country, paredes de guitarra de referência grunge, alternative rock, agradam constantemente público e critica. Uma olhada em suas páginas lhes mostrará que eles permanecem sempre em turnês pelo sul e meio oeste americano, assim como possuem trânsito livre no vizinho Canadá.

E foi exatamente esse constante movimento dentro de vans, ônibus, chegadas e partidas de cidades, subidas e descidas de palcos, que levou a cantora e sua banda a decidirem a dar uma pausa na banda e respirarem novos ares. O cansaço físico e desgaste emocional que todas essas gigs constantes acarretam, se somou a uma crise existencial e foi daí do combate ativo a essas questões que Erika Wennerstrom pariu Sweet Unknown (2018).

Alguns meses antes do lançamento do último disco da banda em 2015, o intenso e delicioso Restless Ones (2015) que tivemos o prazer de resenhar aqui, a cantora embarcou numa viagem para a Amazônia. Ela desembarcou na maior floresta do mundo, a fim de experimentar a não menos famosa Ayahuasca e buscar os efeitos terapêuticos que muitos acreditam que a planta de uso milenar, proporciona. Sobre a viagem e suas intenções a cantora diz: 

Eu fui para a floresta amazônica em 2015, eu estava em um ponto onde eu estava profundamente infeliz, e por um capricho, decidi fazer um retiro de Ayahuasca. Apesar da ideia me assustar, senti que precisava mudar algo em mim que estava tão mal que não tinha nada a perder. Isso realmente abriu a porta e me iniciou em um caminho para muitas auto-realizações

Um ano depois do lançamento do disco, a banda decidiu dar um pausa nos trabalhos, e Erika dessa vez embarca para uma viagem em terras americanas, caminhando longamente e refletindo nas montanhas no oeste do Texas dentro do Big Bend National Park. Foi nesse binômio de expurgo e limpeza, reflexão e criação que nossa compositora teve as ideias presentes em seu lindo disco de estreia. Sobre essa última viagem ela nos conta: 

É aí que muitas ideias para o álbum chegaram até mim e passei o ano seguinte trabalhando nisso. A música “Extraordinary Love” é a realização de tudo na minha vida por amor. Todos nós queremos ser amados e dar e receber amor. Se eu não posso ser gentil e amoroso comigo mesmo, como posso esperar que outra pessoa o faça? Começa comigo. Acho que a coisa mais extraordinária é ser verdadeiramente compassivo consigo mesmo.” 

Nossa cantora, compositora e guitarrista Wennerstrom conseguiu alcançar essa plenitude em seu disco de estreia, Sweet Unknown nos apresenta em 9 faixas uma intensidade absurda, resultado dessa imersão dentro de si mesma e da sua busca por amor próprio. A compositora que sempre apresentou visceralidade em suas canções, apresenta-nos agora um toque pessoal nas composições que não diminui em nada sua qualidade poética/musical e não recai em clichês de auto ajuda.

A doce desconhecida (Sweet Unknown), ela própria? todos nós? que emerge ao longo do disco é uma verdadeira estrada aberta em termos musicais, pela qual o ouvinte é convidado a embarcar. Uma verdadeira jornada de reconstrução, auto reconhecimento e reformulação dos afetos, é o que a cantora nos propõem no disco e tudo isso construído em termos musicais.

A performatividade alcançada pela artista é realmente de tirar o chapéu, em tempos onde cada vez mais a mulher conquista espaço dentro das diferentes sociedades e com diferentes demandas, Erika consegue alcançar uma universalidade que ultrapassa o seu lugar de fala. Movimento esse que todas as grandes artistas da história sempre conseguiram. Suas composições sobre liberdade, transformação pessoal, cura, a necessidade de introspecção, a busca por amor verdadeiro e amor próprio, são passíveis de ser apreendidos por todos e todas. E talvez a própria capa do disco nos leve a esse entendimento, excelente trabalho da artista Briana Auel, onde podemos ver como mensagem principal flores arrando um campo desértico. É talvez a síntese principal que poderíamos ter depois da audição do disco.

Esse esforço de conquistar uma força e plenitude interior é traduzida no disco em sonoridades já conhecidas e também em outras menos experimentadas pela Erika com seu trabalho junto aos Heartless Bastards. Sua voz de trovão, com toques de melancolia e doçura encontra em algumas canções da presente obra outras dicções, mais lentas e calmas como nas duas primeiras faixas. “Extraordinary Love” e “Twisted Highway“, as duas canções escolhidas como singles do trabalho lançado no último dia 23 de março. 

Nesses dois primeiros singles temos dois temas complementares, na primeira faixa “Twisted Highway”, ela reflete sobre o cansaço e a necessidade de parar o movimento da vida, do trabalho artístico. Tudo que a afastava dela mesma e como a força que imprimirmos para nos segurar numa situação tóxica nos faz sofre. O que ela traduz numa linda imagem poética: 

“Oh my fingers how they bled
From gripping on so tight for so long
My calloused hands had cracked so deep
Cracks when right on down to the bone
Then I gazed and I was so amazed” 

Já em “Extraodinary Love”, a artista reflete sobre a necessidade de abandonar esse exterior dominado pelo Ego e partir em busca de outras forças capazes de frutificar de verdade sua vida. E narra suas jornadas na Amazônia e no Texas, a bebida que lhe mostrou um verdadeiro movimento de vida. Buscando na natureza o fora, capaz de dobrar e transformar em amor, um amor tão extraordinário, como uma força da natureza. A faixa é de um apelo radiofônico irresistível, de andamento mais calmo, com excelente trabalho de guitarras do trio Sam Kearney, David Pulkingham e Lucas Oswald. A faixa traz ainda a cantora quase que declamando didaticamente algumas das impactantes frases, que compõe a canção.

Não sabemos porque mas a faixa “Time“, nos parece uma filha distante de “Imagine” do John Lennon, algo nos lembra suas feições, mas ao contrário da grandiosidade utópica do pai, aqui o que temos é uma atenção aos aspectos mais particulares de uma existência. O reconhecimento de que nosso pior inimigo somos nós mesmos, ao nos intoxicarmos com os vícios e comportamentos destrutivos incentivados socialmente e assimilados sem reflexão.

Erika se cercou de doze músicos para executar as faixas do seu disco, em “Time” temos um delicioso country rock, com belíssima viola e violino de Kyleen King. Trazendo uma diversidade musical coesa e complementar aos afetos e ideias que pretende passar com o conjunto das canções, a artista encontra músicos a produzir muito bem em seus instrumentos. Como é o caso do trabalho de Lucas Oswald no orgão, durante a climática e reconfortante “Be Good Yourself“.

Um dos grandes destaques do disco e certamente uma das canções que entram como uma das melhores já feitas por Erika Wennerstrom ao longo de sua carreira, é a impactante “Good To Be Alone”. Um verdadeiro tour de force executado à perfeição por uma equipe competentíssima, com Patrick Hallahan nas baquetas, percussão de Danny Reisch, o baixo potente e seguro de Jesse Ebaugh (que segura a maioria das faixas), e o trabalho sublime da guitarrista Lauren Gurgiolo.

Toda a banda está num clima que beira a perfeição nessa canção, mas o trabalho de guitarra de Lauren Gurgiolo é algo que merece destaque, pois essa senhorita passeia em diversas técnicas do seu instrumento, acrescentando cores, tonalidades, sensações, força e intensidade, durante os 10 minutos e 16 segundos dessa epopeia emocional. Dedilha, riffa, sola, mudando constantemente a forma de execução de modo genial ao longo de toda a canção. 

Tudo nisso numa construção poética executada por uma Erika Wennerstrom, que compõe e toca guitarra nessa faixa que é um exemplo “transcendental” de toda sua obra. Aqui ela demonstra toda a força e extensão de sua voz, passeando da força impositiva até a doçura melancólica que seu estilo vocal permite, com uma tranquilidade que somente grandes artistas como ela são capazes. Nos exaspera, nos acalma, nos impulsiona e nos conforta, numa letra que  fala basicamente de mudança, do devir assumido por quem pretende continuar vivendo a vida como movimento constante de mudança e expansão.

O disco possui em suas nove canções a exploração ativa das diferentes tonalidades da alma da artista ao longo de sua recente jornada em busca de cura e amor próprio. Talvez seja necessário que Sweet Unknown (2018) seja ouvido com a abertura de quem entende o artista como uma persona em busca de sua arte e consequentemente de si mesmo. Sempre num exercício de reflexão e criação constante, seguindo devires e se ligando a forças que impulsionem a produção de sentido e a construção de micro politicas minoritárias.

Contra efetivando sempre os poderes empobrecedores da vida e consequentemente da arte, Erika Wennerstrom nos apresenta uma aula de aceitação de suas próprias dores e fraquezas e consequentemente de libertação das exigências sociais que a afligiam. Palavra gasta hoje, é a desconstrução de si mesma, que a compositora nos oferece, produzindo um outro corpo e outra subjetividade capaz de fazer emergir uma outra potência desejante, uma outra mulher. Uma mulher mais plena consigo mesma, e por isso mesma, mais exuberante para todos nós.

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