Conversamos com um dos arquitetos da música brasileira: Roberto Menescal que é um das atrações do Rio Montreux Jazz Festival.
A sabedoria vale ouro. A informação, a vivência. Mais do que ver e ouvir, está presente no momento faz toda a diferença. Vivenciar a história, eternizar e ajudar a formar um corpo de ideias. Foi isso que Roberto Menescal, um dos arquitetos da música brasileira, fez como poucos.
Contemporâneo da Bossa antes mesmo de ser Nova, Roberto produziu todos os maiores nomes da nossa música. Como Diretor Artístico da Polygram, cunhou parte da sonoridade do Brasil e mais do que isso, levou a nossa arte para outros países, novos ouvidos, sempre colaborando com os maiores, seja arranjando tocando ou produzindo as composições mais preciosas do nosso cancioneiro popular.
Mais um nome lendário no Line Up do Montreux Rio 2020 (pra assistir é só se entrar no canal do Montreux Rio no YouTube), o capixaba que se apresentou ao lado do Marcos Valle – num encontro belíssimo e que enalteceu o nosso próprio repertório de grooves – concedeu uma gentil entrevista ao Oganpazan, contando um pouco sobre a sua vida e obra.
Oganpazan – Roberto, quando você foi diretor artístico da Polygram você ficou 15 anos sem tocar guitarra. Como foi esse período? Por que ao mesmo tempo que você estava trabalhando com música, descobrindo e lançando novos talentos, você não estava lá com seu instrumento e eu achei isso muito peculiar.
Roberto Menescal – Eu quando estive como diretor artístico da Polygram, realmente, eu fiquei praticamente 15 anos sem tocar guitarra profissionalmente. Esse período foi muito importante pra mim por que eu conheci a vida de tantos artistas – eu cheguei a ter 80 artistas no caixa ao mesmo tempo – então não dava pra ficar tocando guitarra por aí né?
Eu tinha que produzir aqueles artistas todos e trabalhar com eles nos discos. Cada um tinha que lançar um disco por ano e aí a guitarra, sei lá, simplesmente sumiu da minha frente… Eu não sei como é que ela desapareceu.
Eu até desconfio que o meu filho que viu aquele instrumento jogado por tanto tempo e vendeu, por que ele apareceu com um baixo depois… Pode ser isso, vou até perguntar pra ele.
Mas foi uma experiência muito legal e eu não podia ficar tocando e tomando o lugar de outras pessoas, justamente por que eu estava numa posição muito especial.
Oganpazan – Roberto, você, com essa grande vivência no mercado fonográfico, tendo trabalhado com caras como o André Midani, por exemplo, como você analisa todas essas mudanças e esse dinamismo cada vez mais crescente no meio musical?
Roberto Menescal – Eu tive muita sorte de ser amigo do André Midani, até bem antes de trabalhar com ele na Polygram. Era uma ebulição tão grande da MPB né? Eu entrei em 1970 e todos os sábados à tarde a gente andava na praia e conversava sobre essas mudanças que estavam acontecendo e com isso foi possível ter uma visão mais ampla do cenário como um todo.
Naquele época eu fui muito ativo com o André e o time de produtores que nós montamos. Hoje existe um rompimento com o século passado. Rompimento que eu falo é a questão de onde colocar a música, como vender e ganhar dinheiro com música de fato.
Cada dia é uma mudança diferente. Eu ouço tal artista que eu nunca ouvi e vejo que ele teve 220 milhões de views, visitas, enfim. Pô, mas o país tem essa população mais ou menos! Como que foi isso? Todo mundo escutou? Não, mas tem um cara que ouviu 10 vezes por dia, então eu estou aprendendo nesse sentido.
Essa mudança é muito interessante e eu acho que vamos entender mais sobre isso à partir do ano que vem em diante.
Oganpazan – Você estudou harmonia com o Moacyr Santos e orquestração com o Guerra Peixe. Queria que você falasse da importância disso pra sua vida como músico profissional e da relevância desses mestres em particular, pensando na música brasileira.
Roberto Menescal – Eu tive muita sorte em poder estudar com o Moacyr Santos. Foi logo no começo da minha carreira, eu tinha 1 ano de violão e a cantora Sylvia Telles – que me levou para os primeiros trabalhos – a gente fez uma viagem de Manaus até o Rio de Janeiro, parando em todas as capitais.
Quando eu cheguei aqui eu falei: “Sylvia, já sou profissional” e ela disse: “Não é não, você vai ser profissional depois que estudar com o professor que eu vou arranjar pra você. Moacyr Santos, ele é um craque.”
Ele foi muito importante. Estudei com ele 1 ano seguido e ele me ensinou muito sobre música, mas também bastante sobre a vida. Não era apenas um professor de música, era professor de profissão e de vida.
Com o Guerra Peixe foi uma coisa mais didática, eu estava fazendo alguns arranjos/orquestrações e queria estudar instrumentação com ele. Estudamos 1 ano e à partir disso eu sai fazendo arranjo pra todo mundo. Foram 2 grandes professores que eu tive.
Oganpazan – Muita gente liga você à Bossa, mas esquece que o seu som saiu da canção e foi até a música improvisada. Como você enxerga esse caminho natural que você tomou? A versatilidade é o segredo pra trabalhar com um leque tão diverso de artistas, como Alcione, Marcos Valle e Emílio Santiago, por exemplo?
Roberto Menescal – Eu sempre digo que eu toco violão, mas não sou o Baden Powell. Eu faço arranjo, mas não sou o Quincy Jones. Eu faço show, mas não sou o Roberto Carlos. Eu sou um pouquinho de cada coisa e isso me ajudou muito, por que tem horas que eu vou fazer música – sou compositor também – mas não sou o Tom Jobim, então essa versatilidade que eu tenho, me ajudou muito na minha vida.
Toda vez que estava meio devagar de um lado, eu ia pra outro e é assim até hoje. Sou um pouquinho de cada coisa, mas faço tudo direitinho.
Oganpazan – Pra finalizar, Roberto, queria saber sobre o som da Bossa Nova, em especial dessa conexão com o Jazz. Como esses estilos encurtaram distâncias até virarem compadres e eternizarem clássicos como “Getz Gilberto” (1964), por exemplo?
Roberto Menescal – Nossa primeira turminha antes de ser chamado de Bossa Nova, bom, nós éramos um grupo que frequentava muito o apartamento da Nara Leão. Era um apartamento de frente a praia de Copacabana, com 15 metros de janela de vidro, então você tinha o mar ali pertinho, por isso que muitas das nossas músicas saíram do mar.
Mas ao mesmo tempo a gente não perdia um musical da Metro Goldwyn Mayer, né? Os filmes, então a gente via as coisas do Jazz mais suave até e se apaixonava. Ver um Tony Bennet cantando e tantos outros artistas da época que fizeram sucesso, isso definitivamente nos aproximou do Jazz.
A gente encontrou no Jazz uma música moderna e que tinha os acordes muito mais adiantados e ao mesmo tempo tinha atitude, sabe? O Jazz sempre teve atitude e a gente usou muito disso no começo. E por isso a nossa música cresceu tanto – com as harmonias de Jazz – e assim desenvolvemos a nossa estética. Quando fomos para os Estados Unidos em 1962 a gente influenciou muito o Jazz.
Foi muito interessante por que quando a gente foi, não sabíamos que eles já ouviam e tocavam nossas composições já há uns 3 anos. Quando chegou lá foi um belo encontro, a Bossa e o Jazz precisavam um do outro.
Várias músicas minhas foram gravadas e várias pessoas que foram no Carnegie Hall em 62 acabaram ficando. Outros ficaram em Nova York, Miami, outros foram para a Califórnia, México e França. Com isso a música ganhou o mundo e está ai até hoje.
Acho inclusive que ela está mais no mundo do que no próprio Brasil.
-Entrevista: Roberto Menescal, um dos arquitetos da música brasileira
Por Guilherme Espir