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Entrevista com a banda crust feminista Räivä (AL)

Entrevista com a banda crust feminista Räivä (AL), conheçam o excelente trampo das minas mas também suas ideias e reflexões

Nesse mês de março, onde acontece a comemoração do Dia Internacional da Mulher (08 de Março), instituído pela ONU na década de 70’, iremos revisitar uma entrevista com o pessoal da banda alagoana Räivä.

Destaca-se que o 08 de Março, para além de uma mera comemoração, simboliza a luta. Quer seja a luta pelo sufrágio, a luta por melhores condições de trabalho no chão de fábrica ou ainda a luta contra todos os tipos de opressão que, notadamente, são interseccionalizadas, como bem lecionou a advogada e professora Kimberle Crenshaw. Crítica da tradicional prática dos Direitos Humanos, Crenshaw pontuou: “quando mulheres negras sofrem discriminação de gênero, iguais às sofridas pelas mulheres dominantes, devem ser protegidas, assim quando experimenta discriminações raciais que as brancas freqüentemente não experimentam”.

A luta contra a opressão de gênero jamais pode se dissociar da luta contra todo o sistema de opressão, que perpassa por discriminações étnicas, geracionais, classes sociais, dentre outras.

Assim, essa entrevista busca a opinião dessas mulheres de fibra, representantes da cena hardcore alagoana, sobre diversos assuntos. Uma entrevista das melhores que já fiz, a qual já foi utilizada em outras oportunidades, primeiro no blog da Saco de Vacilo e posteriormente na produção de um Fanzine para minha Especialização. Agora trago essa conversa potente aqui pro Oganpazan para integrar-se aos esforços da nossa campanha/hashtag #Marconaobasta.

Vamos a entrevista!

1. Olá meninas, tudo bem? Apesar de Maceió ficar a pouco menos de 08 horas de Salvador, sempre é bem “complicado” rolar um intercâmbio entre SSA x MCZ. Não sei os motivos e sempre tentamos estreitar laços, um exemplo disso foi que trouxemos para o primeiro Festival da Saco de Vacilo a Ximbra.

Mas então, vocês ainda são pouco conhecidas aqui em terras soteropolitanas, poderiam se apresentar e falar um pouco da visão de vocês sobre essa ausência de intercâmbio de bandas, não apenas com Salvador, mas em todo o Nordeste de uma forma geral.

Hew – Eai dudu, tudo tranquilo. A RÄIVÄ é uma banda crust feminista composta por mulheres ( Hew-vocal, Julie-guitarra, Fralda- baixo, Gabi -bateria). Atualmente contamos com um reforço do nosso broder Buzugo (Ximbra) na bateria, nos períodos que a Gabi tá em Piracicaba/SP. 

Então, não saberia te falar um motivo, mas o que a gente sente, aqui pelo menos é falta de instiga de uns e cansaço de outros, em uma “cena” que muitos preferem pagar pra ver cover ou até mesmo ficar em casa a ver uma banda massa autoral local ou de outro estado.  Apesar de ter uma galera buscando essa aproximação, é frustrante fazer um evento que necessita de público para viabilizar a vinda das bandas, e você só poder contar com algumas pessoas que sempre vão, sabe? Mesmo esse público querendo que os eventos aconteçam, não tem muita gente disposta/ não podem, pôr a mão na massa.

2. Sei que a Hew era vocal da, excelente banda, Importa?. As outras garotas já tocaram em outras bandas? Vocês têm outros projetos paralelos?

Hew– A Julie toca baixo e a Gabi bateria na Oldscratch. Já a Fralda tocou percussão e fazia uns vocais na Mangue Negro. A Gabi foi vocal por um período da Shit Heroes,  de Piracicaba/SP.

3. E extra música, o que fazem? Tanto profissionalmente como na militância?

Hew – Então, tô me formando agora em Biologia e trabalho com rango vegano. Já participei do Mulheres Resistem, grupo ligado à Resistência Popular, e tento estar presente nas discussões sempre que posso.

Gabi – Atualmente estou fazendo doutorado em Fisiologia e Bioquímica de Plantas em SP, por esse motivo estou longe da banda, mas perto sempre que posso. Também sempre que possível participo como voluntária no Girl’s Rock Camp Brasil e do Ladies Rock Camp. A Julie faz Letras – Inglês na Federal de Alagoas e a Fralda está cursando Design na mesma universidade.

4. Qual a relação de vocês com a Oldscratch? É tipo uma crew? Porque tudo que fazem está sempre bem interligado, desde merch a tours.

Hew – Somos irmãs gêmeas (hehe). Vei tamo junto e misturadas, além de amigas, curtimos o som umas das outras, também dividimos integrantes, Julie e Gabi. Onde vai a Räivä, com mais uma pessoa (Mel) já tem a Old. Isso tudo começou a ficar mais forte quando Gabi foi morar em SP. Ela só vem uma vez no ano e começamos a organizar os shows juntas, daí sempre rola um combo com as duas bandas. O Buzugo também toca bateria na Old pelos mesmo motivos que os nossos, o que facilita as tocadas juntas. Essa parceria tem sido muito importante pra nos fortalecer, temos uma ligação muito forte nas ideias e isso tá sendo massa.

5. Então, a gente sabe da produção de alguns documentários sobre a Cena Punk Feminina / Feminista nacional. Contudo, observamos que quando se referem a cena nacional acabam ficando focadas no que rola no sudeste / sul, excluindo assim muita coisa boa fora desse eixo.

Vocês se sentem, mesmo assim, representadas? Acham que de fato há esse corte ao se falar em cena nacional? Conhecem algum material que mostre a cena punk feminina / feminista no Norte / Nordeste?

Hew – Acho super importante o registro e estamos representadas por serem mulheres, estarem no corre e movimentando-se, o que é muito foda! Não contemplar o Norte e Nordeste não significa que não existimos, apesar de poucas, estamos nos fortalecendo e produzindo, no final é isso que importa. Entendo também a limitação que é a produção desse tipo de material, que em sua maioria é feito de forma independente e acaba se concentrando nessa região, mas não ficamos sem representatividade, até porque, ao menos pra mim, tive muito mais influência da Triste Fim de Rosilene (SE) do que da Dominatrix (SP), por exemplo.  Claro que quanto mais abrangente o material melhor.  Atualmente tem sido compilado muito material punk/feminista em SP, inclusive a RÄIVÄ foi convidada para participar de um tributo à Bulimia, que se chama “À beira do caos”, com previsão de lançamento pra 2018. Apesar de ser uma iniciativa das minas de SP, várias bandas de diferentes regiões do Brasil estão participando, inclusive a Klitores Kaos de Belém/PA.

6. Falando ainda dessa questão de representatividade, não acham que a cena de garotas acaba sendo passada como algo muito “branco”? No sentido de que, talvez, as mulheres negras ainda não têm essa representatividade?

Gabi – Eu, como mulher preta, apesar de concordar com que a representatividade negra ainda é pequena no meio punk/hardcore, a ideia de que a cena é passada ainda como algo muito “branco” é uma concentração das referências no mainstream. Existem várias e várias bandas com mulheres negras e sempre existiram, entretanto não acabam sendo “difundidas” da mesma maneira, porque mesmo nos meios libertários o racismo ainda se faz presente. Quantas bandas com mulheres negras vocês que estão lendo conhecem? E quantas vezes já refletiram sobre isso? Uma forte referência é a Bertha Lutz/MG, banda em que a Bárbara (mulher preta e lésbica), não só é vocalista como sempre levanta os debates tão importantes nesse meio que chamamos de “libertário”. Um compilado feito por ela, das referências negras no meio musical, está disponível na página “Preta&Riot” no Facebook. Nós existimos, mas você nos conhece?

7. Analisando o Mapa do Feminicídio no Brasil, verifica-se que de 2015 a 2017 foram registrados 76 casos de feminicídos em todo o estado de Alagoas, onde vocês residem. Diante a visão de vocês, esquecendo os dados oficiais ou qualquer outra pesquisa feita, acham que esses números condizem com a realidade?

Hew e Gabi – Com certeza. O estado não possui assistência efetiva nem para mulheres e nem para a população pobre e negra. Além disso contamos com uma falta de estima, empoderamento e com isso reflexão. O que reflete em como as mulheres se enxergam. Obviamente é uma questão muito mais complexa. Alagoas é um dos estados mais violentos do Brasil, tudo de ruim se concentra aqui, o feminicídio infelizmente é uma delas. Ser mulher em Alagoas é difícil todos os dias.

8. Com relação aos casos não notificados ou não denunciados nas instituições estatais (DEAMs / MP), qual a opinião de vocês sobre a ausência de notificação das mulheres em situação de violência? Claro que falando de forma geral, pois podem ser diversos motivos.

Hew – Velho, eu acho que o principal motivo é ter certeza que estão desamparadas, que ninguém garante a seguridade dessas mulheres. Aqui em especial tudo é muito complicado, não há estima, e consequentemente sem perspectiva. Quando não há perspectiva, nós sobrevivemos e só! Por isso muitas mulheres ainda sofrem caladas.

9. Qual a importância de se ter uma banda feminista no punk /  hardcore?

Gabi –  O meio punk/hardcore, não é novidade pra ninguém, é um meio machista e opressor. Existem vários casos de agressão física e psicológica contra mulheres que foram feitas por homens que estão em bandas punks/hardcore. O que nós procuramos fazer é ocupar todos os espaços possíveis com os nossos corpos e ideais. Existe uma falta de mais mulheres nordestinas que se motivem a ir pra frente e colocar pra fora o que elas pensam, então nós estamos fazendo isso porque somos uma banda de denúncia e vemos a necessidade de estar neste meio.

Hew– E ser todo dia um dedo na ferida, não somos donas da verdade nem nada… mas é tipo uma ferida aberta sabe, não te mata mas incomoda pacas. Queremos mesmo que role uma identificação com as minas, que elas se vejam nas letras, afinal é um cotidiano que todas passamos, a gente só musicou. É importante que role isso, pois é daí que vem a inquietude e a reflexão. Estamos só tentando dizer “cês acham que tá mamão, mas não tá!’’. O espaço é libertário, mas tão passando a mão, humilhando, calando a coleguinha, e não vamos mais aturar isso! A didática já acabou a muito tempo.

10. A Räivä tem quantos materiais lançados? Quais são eles?

Gabi – Temos um EP que foi lançado em 2016 chamado “Não precisamos da sua aprovação” e algumas músicas novas que estão em stand by. Em breve será lançada uma coletânea em tributo a Bulimia na qual participaremos tocando a faixa “Bumerangue”.

11. E pro futuro, quais os planos da banda?

Gabi – Isso realmente ainda não sabemos. Acho que não sou a melhor pessoa pra falar sobre isso porque não moro mais em Maceió, mas o que nós queremos é continuar e produzir material novo. Sempre que podemos estamos nos encontrando. A última vez foi em Fortaleza/CE, numa trip por partes em que eu fui de SP e as outras 4 (Oldscratch também) foram de Maceió. Quem sabe não rola em Salvador?!

Hew– Vamos seguir produzindo da forma que for melhor pra todas, por enquanto vem funcionando bem. Às vezes mais ativas outras nem tanto, mas ainda assim persistindo.

12. E Salvador, quando?

Räivä – Quando? Chama nóis!

13. Por fim, aquele recado pro leitores e leitoras.

Räivä – Pra quem quiser acompanhar nosso material está disponível no Bandcamp, no Instagram e Facebook.

 

 

 

Sobre o autor:

Dudu é Straight Edge, Membro do coletivo Saco de Vacilo , vocalista da banda Antiporcos, Rubro Negro e viciado em música

 

 

 

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