Entrevista: o trombone é a arma de Joabe Reis

Premiere e entrevista com o trombonista Joabe Reis. Do Jazz ao Hip-Hop, o instrumentista nos faz pensar com o poder de reflexão do Rap.

Depois de chegar aos ouvidos do público com um dos discos mais quentes de 2020 – do lado Jazz-Funk/Soul da força – Joabe Reis prepara os próximos passos do debutante que o colocou no radar do groove.

Crew In Church” foi o mea culpa de Joabe Reis. O disco responsável por resumir todo o corre que o trombonista capixaba teve que fazer pra chegar até aqui. Gravado ao lado de amigos e célebres instrumentistas, como Josué Lopez (saxofone), Sidmar Vieira (trompete) e Cleverson Silva (bateria), por exemplo, o primeiro lançamento solo do Joabe serve como um excelente plano de fundo do cenário instrumental/jazz de São Paulo.

joabe e neto
Foto: Carlos Franco

Apesar da letargia do isolamento em quarentena, o músico segue extremamente ativo, tanto em sua carreira solo, quanto como sideman em projetos paralelos, seja como arranjador, produtor ou músico convidado.

E pra não deixar o groove dançar fora do compasso, o meliante já está com um novo EP pra improvisar no gogó. O som continua com o legado que o “Crew In Church” deixou, dessa vez porém, borrando as fronteiras do Rap/Jazz.

Com “I Just Wanna Breathe“, o trombonista pega suas referências de Big Band e mistura com o alto teor reflexivo do Hip-Hop, a Black Music contemporânea. Pra não deixar a galera muito ansiosa, Joabe liberou o novo projeto – que conta com o single de mesmo nome – colaboração fruto de sessões ao lado do Rapper Neto (Síntese) – enquanto aponta o caminho com seu trombone. Basta apertar play.

Como resultado, esse novo capítulo de sua carreira aparece com duas faixas e uma arte categórica, criada em parceria com o pintor e desenhista Nathan Reis. Além do EP, Joabe prepara também um curta metragem dirigido por Carlos Franco, com estreia marcada para o dia 15 de junho e um luxuoso show de lançamento no Bourbon Street, no dia 03 de junho.

just wanna breathe
Arte: Nathan Reis

Com premiere exclusivo no Oganpazan, bata o pezinho e confira a nova sonoridade dessa suíte, junto com uma entrevista que o Joabe concedeu dias antes do lançamento.

Na conversa, o maestro sola fala sobre suas ideias, reflete sobre o atual momento da pandemia e, de forma pragmática, se posiciona com a mesma força de sua arte: contestadora, inquieta, criativa e absolutamente musical. É pra dançar, mas também é pra mexer o quadril com consciência.

1) Joabe, queria que você falasse um pouco sobre a sua carreira. Como você começou? Como foi a caminhada pra chegar até esse EP?

Eu comecei a estudar bem novo, por influência do meu tio e meu irmão que começaram a tocar antes de mim. Minha relação com a música começou aos 10 anos de idade, estudando teoria musical na escola de música da igreja.

O meu primeiro instrumento não foi o trombone. Comecei com o sax horn, um instrumento bastante típico de bandas, mais conhecido como “chiquinha” dentro das bandas marciais. Eu fiquei uns 6 meses tocando esse instrumento. A afinação era em mi bemol, que tem uma afinação diferente do trombone.

Nessa época, o maestro disse que precisava de bombardinistas na banda e me passou para o bombardino. É importante falar que esse é um instrumento parecido com o trombone, porém um pouco mais grave, com outra afinação, já em si bemol. Pouco tempo depois ele chegou falando que precisava de trombonistas em Cachoeira do Itapemirim (Espírito Santo), me deu um trombone e eu voltei pra casa.

Ele disse: “agora você vai tocar trombone”. Eu não fazia ideia de como tocar o instrumento, mas como o meu irmão estava tocando, ele já sabia onde ficavam as posição, então acabou me ensinando bastante coisa e já dentro de casa. O próprio maestro – que era trompetista – mas tinha conhecimento de onde ficavam as notas, também contribuiu bastante no meu aprendizado, e foi assim o meu início.

Foi meio que na correria do dia a dia, estudando pra entender sobre o instrumento. Foi só dos 11 para os 12 anos que conheci o trombone. Desde então não larguei mais! Já com uns 13 o meu primo trompetista, Marcos Eduardo, começou a me chamar pra algumas gravações.

Ele era bem mais velho e já trabalhava com as bandas e artistas da cidade em alguns estúdios, por isso começou a me levar junto.

Ele tinha que falar com a minha mãe por que eu tinha 13 anos na época! Foi muito bom começar essa relação com a música, conhecendo os produtores – que por sinal, acho que depois do Roberto Carlos, o maior artista de Cachoeira é o Anderson Freire, cantor Gospel – mas na época ele era produtor, já compunha, mas ainda não estava gravando. Ele ganhou o Grammy de 2018 e é outro grande amigo meu. Um das peças chaves na minha carreira.

Ele abriu muitas portas pra mim e eu gravei com ele dos 13 até os 18 anos, antes de mudar para a capital do Espírito Santo, Vitória. Isso aconteceu por que aos 14 anos eu comecei a fazer um intercâmbio de estudos na capital, por conta dessa ponte – que fazia ainda menor de idade – meus pais decidiram se mudar.

Lembro que toda semana a minha mãe me levava de manhã bem cedo pra rodoviária e eu viajava pra fazer aula. Algumas vezes até dormi na casa do professor no final de semana por que era bem cansativo e eu tinha aula segunda-feira, né? Tinha que ir pra escola.

Fiquei fazendo isso durante 1 ano e aí meus pais mudaram, até pra incentivar os meus estudos, junto com o meu irmão. Em Vitória, conheci 2 maestros que foram muito importantes na minha vida também. O Antônio Paulo Filho e o Célio Paula. Lembro que em 2006 eu tinha 14 pra 15 anos e logo que a gente mudou, fui apresentado para o Célio e ingressei na Orquestra Pop & Jazz.

A Pop & Jazz é uma orquestra da IFES (Instituto Federal do Espírito Santo) e dentro do instituto tem uma orquestra liderada pelo Célio há mais de 20 anos. Essa orquestra formou muitos músicos de Vitória e eu fiquei de 2006 até 2010 tocando lá. Aprendi tudo sobre Jazz, música brasileira, repertório e linguagem nesse período.

E muito jovem. É impressionante a experiência que você tinha com menos de 15 anos.

Em paralelo a isso eu estava na Big Band da Fames, que é a Faculdade de Música do Espírito Santo. Quando cheguei lá conheci o Antônio e ele me convidou, junto com meu irmão (Wilson) pra tocar. Nessa época toquei com todos os grandes artistas capixabas e de todos os gêneros. Toquei Reggae, Pagode, Gospel, até Axé.

Massa essa questão da versatilidade.

Então, e em 2009 eu fui num show do Lenine no festival de música da cidade… Queria ver um naipe que eu gostava muito, que era o Aldivas Ayres (trombone), Altair Martins (trompete) e Zé Canuto no saxofone. Eu tinha 18 anos, disse que queria estudar com o Aldivas e ele falou pra ligar quando fosse para o Rio de Janeiro.

Na semana seguinte já fui para o Rio de Janeiro e fiquei nessa 1 ano, indo uma vez por mês pra fazer aula. Ele era músico militar da aeronáutica, da força aérea brasileira, então a primeira aula que fiz foi no quartel – no Galeão – e depois as próximas foram todas na casa dele. A gente ficava o final de semana inteiro estudando, tocando e ouvindo os discos.

Foi outro grande amigo na música e essa ponte me ajudou bastante a fazer projetos no Rio de Janeiro.

Você é muito bem conectado entre os estados. Entrevistei o Antônio Neves (trombonista carioca) e ele mencionou você na entrevista.

Sim, eu tenho essa conexão no Rio desde 2009. Faz mais de 10 anos que vou anualmente pra lá. Também trabalho na banda do Pop Star, na Globo, além dos meus amigos que fazem um som lá também e eu sempre acabo colaborando.

É uma caminhada né cara, já tocou com Hamilton de Holanda, Paula Lima, Nelso Ayres…

São Paulo me projetou no cenário nacional. Em Vitória eu fazia coisas pontuais.

Você acaba ficando preso pela falta de projeção regional. O eixo Rio São Paulo consegue expor mais o som.

Exatamente. Em 2010 eu e alguns amigos resolvemos montar um grupo de estudo em Vitória. Esse grupo de estudo acabou virando o projeto Brasilidade Geral, que é um octeto com baixo, bateria e 6 sopros.

Nós estudamos standards de Jazz e coisas de música brasileira, montamos repertório, escrevemos os arranjos e gravamos um CD em 2011. Em 2012 gravamos um DVD com o saxofonista Bob Mintzer, um dos maiores nomes do Jazz mundial. Nós fomos bastante ousados em chamar o Bob, mas foi um projeto muito bonito e o resultado muito especial e importante.

Também nessa fase,  prestei um concurso, até por que a cena de trabalho em Vitória estava um pouco estranha. Hoje é até um pouco pior. Pensando nisso, prestei pra banda do exército e passei. Fiquei 1 ano 8 meses na banda e essa estabilidade foi importante pra seguir o meu próprio caminho.

Entrei com 19 anos e sai com 21 anos. Depois fui pra São Paulo. O professor Marcelo Coelho foi outro nome importante na minha trajetória. O Marcelo é um grande nome da área acadêmica da música, dá aula na Faculdade Souza Lima e foi ele quem me incentivou pra estudar aqui. Aí prestei o vestibular, passei pra fazer o Bacharelado e me mudei em 2013.

Desde então, tive a oportunidade de tocar com muita gente e já se passaram 8 anos! Conheci muitas pessoas, toquei com ídolos, tive grandes realizações e esse destaque abriu portas para chegar em outros estados.

Depois de ouvir o “Crew In Church” é seguro dizer que você curte arranjos mais cheios, com essa abordagem de Big Band. Qual é o desafio de fazer a gestão dessa galera, pensando não só no tamanho das bandas, mas em ensaio, composição e etc?

Eu sempre fui muito proativo pra armar coisas. Aqui em São Paulo não foi diferente. Eu tenho um projeto de 2015 que pouco gente conhece. É um sexteto, gravei 2 músicas, uma autoral e uma releitura do Marcus Miller, e eu sempre pensava em fazer o meu próprio som.

Mas o desafio deve ser dividir a agenda né?

Então, eu começava a fazer algo meu e tinha que parar pra dar prioridade aos trabalhos que pagavam as contas. Nesse projeto era eu, Tuto Ferraz (bateria), Felipe Pizzu (baixo), Gabriel Gaiardo (teclados) e Jota P., mas em função da correria, tive que dar um break e focar em outras coisas.

Aí, em 2018, fui convidado pela Luíza pra fazer o dia da Consciência Negra nos Jazz nos Fundos e no natal, quando estava em Vitória, pensei em ir atrás de shows solo pra começar o ano seguinte tocando o projeto autoral.

Quando voltei, fiz 10 datas e gostei dessa adrenalina, o som estava massa e o repertório muito bom. No mês seguinte, o Anderson me ligou falando que queria fazer uma Jam session no Piratininga, e durante 6 meses eu toquei lá toda semana, incansavelmente.

O projeto só acabou por que o bar fechou no fim de 2019 e o Tuto me chamou pra gravar por que tinha visto o repertório. Fiz questão de chamar todos os músicos que passaram por essa jam session, por isso a lista é grande, são 32 músicos se não estou enganado.

De fato, é bastante gente.

Isso fora outros que chamei também, que não participaram da Jam session, como o Nelson Ayres e o Toninho Horta, por exemplo.

Sempre gostei de fazer a gestão, mas hoje trabalhando com produtora tenho mais suporte nessa questão, além de assessoria de imprensa.

Está trabalhando com um pouco mais de estrutura.

Exato, eu ainda coloco muito a mão na massa, mas hoje de um jeito diferente.

Sim e você precisa tocar a parte do som.

É, essa parte já não posso deixar na mão de ninguém. Continuo escrevendo coisas novas, lançamos esse trabalho e eu já estou vislumbrando outras ideias.

Já aproveita e puxa um gancho com a sua ligação com o Hip-Hop.

No “Crew In Church” eu tive a alegria de fazer uma faixa com o Kivitz, a música é “AFGG“, que é uma composição minha e do Rafael Rocha. Fizemos em 2015 e nessa época estávamos num verdadeiro laboratório de pesquisa de Hip-Hop.

Eu gravei com instrumentação no disco solo, mas na época a ideia era fazer um loop com beat. Ali foi a minha primeira conexão com o estilo e eu sempre gostei dessa mistura.

Fiz questão de mostrar essa referência no meu primeiro álbum e agora eu venho com essa proposta do “I Just Wanna Breathe”, que é uma suíte que fiz em dezembro de 2020. Fiz uma parte B que é um desdobramento melódico da parte A, juntei as duas, montei uma transição e, para a segunda parte, chamei o Neto pra fazer as rimas.

O Síntese colou comigo e o resultado vocês vão ver. Essa faixa reúne uma galera do Rio de Janeiro, São Paulo, Vitória e Salvador.

Você sempre ali com o networking.

Sim, fazendo a conexão. Nessa faixa tem o André Vasconcellos, que tocou anos com o Djavan, Bruno Santos, trompetista da pesada. Ele tocou com o Djavan também e o João Bosco. Tem o Sidmar Vieira (trompete) que é parte do meu grupo… O Josué Lopez (sax), o Cleverson Silva (bateria) e o Angelo nos teclados.

Queria que você falasse um pouco da cena, com foco no trombone brasileiro.

Hoje no Brasil é até um alegria falar isso: nós temos muitos trombonistas se destacando em nível nacional. Vale a pena citar o Rafael Rocha, arranjador e compositor, também capixaba. Outros que também admiro, como o Jorginho Neto, junto a ele o Paulo Malheiros, Sidnei Borgani, Fabio Oliva… E eu fico feliz vendo isso, pois cresci ouvindo Raul de Souza e Vittor Santos.

É legal ver que vocês estão com espaço pra propor coisas

Sim e eu sempre falo que trombone é o último instrumento que o cara vai colocar na banda. Quando a pessoa pensa num sopro, chama um sax. Quando são 2, convida um trompete e só convoca um trombone se for um trio mesmo. E geralmente quando cai algum sopro, o primeiro é o trombone.

Nesse mercado brasileiro, a gente tem visto cada vez menos artistas carregando naipe de metais e colocar o trombone em evidência ajuda a mostrar a nossa força para novos ouvidos.

Essa questão dos arranjos é muito latente na música Pop. Cada vez menos você vê propostas com banda mais cheia nesse campo dos sopros e isso impacta o volume de arranjos, algo que justifica isso que você falou sobre cada vez menos pessoas optarem por esse caminho.

Sim, cada vez menos e é uma pena. Todo mundo quando ouve uma banda com naipe de metais percebe como eles se sobressaem. Eu tenho gravação com a Iza, Alcione, já toquei com a Anitta, toco com o Ivan Lins, gravei o CD do Silva… Enfim, acho que essa diversificação é importante e mostra como nós temos espaço em diversas propostas.

E você precisa ter penetração pra tocar.

Sim, e eu nunca tive preconceito musical.

Sim, até por que se você fica preso ao instrumental, não paga suas contas.

Exato, eu sempre fui aberto para novos experimentos e toda vez que me contratam pra algum arranjo, sempre tento impressionar os produtores/ouvintes, justamente para trazer atenção aos metais. E isso vai reverberar, ajuda a valorizar o nosso trabalho e a despertar essa percepção.

Massa essa visão, Joabe, obrigado pela entrevista.

Eu que agradeço pela oportunidade.

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