O Oganpazan teve a oportunidade de entrevistar Dave Liebman, saxofonista norte americano que tocou ao lado de grandes mestres do Jazz, como Miles Davis e Elvin Jones!
Não lembro exatamente quando foi a primeira vez que ouvi um saxofone numa música. Lembro do dia que meu pai me disse pra escutar o Charlie Parker. Depois do play, parecia que tinha colocado a lingua na tomada. Na época eu tinha uns 14 ou 15 anos.
A velocidade das frases, os temas que explodiam em vertiginosos solos, a articulação do Blues… Fiquei meses ouvindo e conforme o tempo passava, fui progressivamente “compreendendo” melhor a dinâmica do som. Coloquei entre parenteses por que é impossível afirmar que um moleque dessa idade entenda de fato o que o Charlie Parker fez, mas conforme você escuta e cria o chamado “estofo musical”, sonoridades complexas vão perdendo a densidade.
Descobrir que os metais poderiam liderar uma sessão, mudou minha percepção musical. Conclui que eles eram muito mais do que instrumentos com função passiva de acompanhamento. Com o passar dos meses, reparei que conseguia distinguir o som do saxofone, entre o tenor, alto e soprano. Não só o sax, mas o trompete e o trombone também ganharam novo significado em meus fones de ouvido.
Depois de alguns anos ouvindo as figuras clássicas que meu pai recomendou, comecei a mergulhar mais fundo no Jazz. Perdi a cabeça no groove do Jazz-Funk e pulei de peito na fase elétrica do Miles Davis. Foi graças ao temperamental trompetista que conheci um dos saxofonistas mais importantes no que diz respeito à minha compreensão do som que saia a torto e a direito dos fones.
Dark Magus, o período elétrico do Miles Davis e o saxofone de Dave Liebman
Foi graças ao “Dark Magus” que conheci o Dave Liebman e de lá pra cá uma das missões de minha vida é escutar toda a discograia do também flautista norte americano. Atualmente com 76 anos de idade, Dave segue trabalhando arduamente, gravando, tocando e ensinando a nova geração. Ele já faz isso há mais de 60 anos, mas quem acompanha sua discografia acordado percebe que sua paixão pelo som está longe de esfriar.
ECM Records
Em 2021 eu comecei uma pós graduação em Som e Imagem e na hora de fazer o TCC, escolhi o selo ECM Records como objeto de estudo. Listei diversas lendas que já gravaram pelo selo alemão de Manfred Eicher e Dave Liebman foi uma delas. Revirei a internet em busca de algum contato que pudesse me levar ao saxofonista que tirou meu sono depois que ouvi o “Dark Magus” e, para minha surpresa, consegui não só achar um e-mail, como também tive a honra máxima de marcar uma entrevista com o próprio.
Como eu tinha um artigo pra entregar e o problema de pesquisa precisava ser muito bem delimitado para a academia, construi um enredo que me ajudasse a responder minhas perguntas sobre a ECM, sem me esquecer de aproveitar a oportunidade de uma vida que é ter a oportunidade de discutir os caminhos do som com Dave Liebman.
Não foi um sonho, aconteceu de fato. Conversamos por aproximadamente 30 minuto e ele já me desarmou antes mesmo de responder a primeira pergunta. Dave entrou na ligação do Zoom já querendo saber onde eu morava. Quando disse que residia em São Paulo ele falou: Do you Guinga, Guilherme? Você conhece o Guinga, Guilherme?
Nessa hora meu cérebro fundiu. Apesar de saber sobre sua paixão pela música brasileira, não tinha conhecimento que ele já havia feito uma turnê com o Guinga. Foi muito bonito escutar sua descrição sobre o talentosíssimo violonista brasileiro. A forma como ele descreveu os movimentos do carioca no violão foi de uma sensibilidade grandiosa e só quem já viu o Guinga ao vivo sabe do que estou falando.
Sua mãos parecem encontrar novos acordes e caminhos inéditos entre as cordas e trastes. Na primeira vez que o assisti ao vivo, lembro de pensar que muito provavelmente nunca tinha visto alguém passear pelo braço de um instrumento com tanta elegância e sensibilidade. Senti orgulho do Brasil e me conectei com o multi instrumentista instantâneamente, afinal de contas, quem gosta do Guinga, mal sujeito não é e possui grandes chances de virar meu amigo.
Antes de chegar na transcrição da conversa, confesso que penso nesse diálogo quase diariamente e não parei de refletir sobre ele nem mesmo depois da entrega do artigo. A conversa com Dave foi primordial para conseguir escrever o material final, mas o que ficou na minha cabeça durante todo esse tempo foi a maneira como ele contou suas histórias. Ele foi além das perguntas. Respondeu questões sem que eu precisasse perguntar e me deu uma verdadeira aula não só sobre sua própria carreira, mas também sobre a história do Jazz, além de mostrar uma humildade que apenas os maiores possuem.
Desde então, não só o “Dark Magus”, mas diversos outros discos que ele tocou ou liderou a sessão ganharam novo significado para mim. É claro que a entrevista contribuiu para isso, pois falar com os artistas possibilita novos referenciais e essas trocas são essenciais para poder abordar a música sem chover no molhado ou simplesmente falar besteira.
As entrevistas representam uma rara possibilidade de sair da minha própria cabeça e conseguir entender um pouco mais a mente do compositor. O desafio é estar preparado quando a oportunidade chega, assim como Dave estava preparado quando foi convidado para gravar com o Miles Davis e o Elvin Jones, por exemplo.
A música de Dark Magus
Sobre o Dark Magus, é claro que precisarei fazer um parenteses. Esse disco deu um nó no meu cérebro e depois virou ele do avesso. O período elétrico do senhor Miles me apresentou a dezenas de músicos fabulosos e que infelizmente acabaram ficando a margem do grande público.
Nomes como o dos guitarristas americanos Pete Cosey, Reggie Lucas e o francês Dominique Gaumont (morto prematuramente aos 30 anos de idade, vítima de uma overdose), o saxofonista Azar Lawrence, o baterista Al Foster, o percussionista James Mtume e o baixista Michael Henderson.
Estou apenas citando os músicos que conheci nesse disco em específico. O período elétrico do Miles como um todo me apresentou a literalmente dezenas de instrumentistas que foram e ainda são muito importantes para o meu trabalho de pesquisa.
Mas a razão pela qual destaco essa gravação é que ela conseguiu enfim tangibilizar a abordagem de Miles Davis nesse período de maneira mais clara, pelo menos pra mim. Primeiro, vale ressaltar que o “Dark Magus” é um disco ao vivo, gravado em Nova York, no Carnegie Hall (em 1974), e lançado apenas em 1977.
Outro ponto extremamente importante é que o Miles Davis usou esse show para testar novas peças em seu grupo – que estava em turnê há 1 ano. Para esse show ele acrescentou o feeling ritmico de Dominique Gaumont pra fechar um trio de guitarras viscerais ao lado de Pete Cosey e Reggie Lucas, além do saxofonista Azar Lawrence, que fez uma dupla e tanto ao lado de Dave Liebman.
Esse detalhe diz muito sobre a liberdade criativa que as bandas de Miles tiveram durante seu período elétrico. As músicas passavam da barreira dos 20 minutos com muita facilidade e enquanto os críticos estava preocupados em falar mal das gravações, evidenciando a ruptura musical que essa abordagem representava – em comparação com a abordagem de seu Jazz acústico – Miles não estava nem aí e foi progressivamente dando cada vez mais liberdade para sua banda ocupar os holofotes, com interações pontuais de seu trompete com wah-wah.
Nesse LP, por exemplo, a banda de Miles toca 4 faixas que na verdade são grandes suítes, cada uma delas divididas em parte I e II. Cada música tem em média 25 minutos, mas a duração acaba sendo apenas um detalhe, afina de contas, quem escuta música com um cronômetro?
Gravado sem ensaio prévio, a música que surge como resultado dessa união de instrumentistas brilhantes orbita uma série de grooves que acabam servindo de gancho para vertiginosas improvisações. Se você gosta de guitarra esse disco é um prato cheio. A participação de Dominique Gaumont expande ainda mais a paleta rítmica, dando plena autonomia para os solistas.
O resultado é um bloco maciço de música que enxerga na densidade dos grooves, uma grande oportunidade para encontrar novos caminhos para o improviso. Isso é importante principalmente quando consideramos o papel da melodia no Jazz. Aqui ela foi trocada pelo Funk e as possibilidades dos instrumentos elétricos.
Nesse cenário Dave Liebman faz miséria. Ao lado de Azar, os metais rivalizam até com as guitarras. Acho que esse comentário já explicita o peso dessa gravação.
Numa carreira de mais de 60 anos, Dave tocou, criou e gravou ao lado dos maiores gigantes da música. Já lançou trabalhos marcantes por selos como A&M, Timeless, Phillips, Candid, ECM e tantos outros. Ouví-lo tocar é uma dádiva e poder trocar ideia com sua pessoa foi um dos grandes momentos da minha própria existência.
Entrevista com Dave Liebman:
Bom dia, Dave.
Olá, bom dia. Você me escuta bem?
Sim, o áudio está bom. É um grande prazer conversar com você, Dave.
Muito obrigado, Guilherme. Então, você mora no Brasil?
Sim, moro em São Paulo.
Você conhece o Guinga?
Mas é claro que eu conheço o Guinga!
Ele é um dos maiores músicos que já conheci.
Você já conseguiu ver ele ao vivo?
Na verdade nós tocamos juntos. Fizemos alguns shows. Tocamos em Manaus e São Paulo.
Nossa, realmente não sabia disso!
Sim, nós realmente tocamos juntos e foi absolutamente fantástico. Foi um dos maiores momentos da minha carreira. Ele é um músico maravilhoso, uma pessoa muito gentil e as músicas dele são profundas.
O Guinga é maravilhoso, a forma como as mãos dele caminham no violão é pura poesia em movimento.
De alguma forma ele sempre encontra caminhos maravilhosos, mas enfim, estou pronto para começar quando você quiser.
Só se for agora.
1) Como você analisa a importância da ECM quando o assunto é Free Jazz? Sei que você não está associado apenas a este círculo, mas gostaria que você construísse um contraponto com o que o Coltrane estava fazendo, versus a abordagem imersiva da ECM, com sua tradicional metodologia de gravação que privegia a relação da música com o espaço.
A ECM não fez o Free Jazz que normalmente é associado com discos do Coltrane, como o “Ascention”, por exemplo. Eles possuem sua própria linha de pensamento. A ECM Records é a epítome do som europeu, bastante influenciada pela tradição da música clássica. Da mesma forma que a europe tem a música erudita, os Estados Unidos tem o Blues.
Consigo ver essa influência erudita de forma basta claro, mas quando você diz Free Jazz, bom, esse é apenas um dos componentes, pois a ECM cobre diversas outras arestas musicais.
2) Uma das coisas que o fez conhecido, foi sua habilidade para improvisar. Eu entrevistei o Gary Bartz em 2019 e ele disse que não improvisava, isso acontecia apenas quando ele errava. No mesmo ano, entrevistei o Roscoe Mitchell e quando abordei o pilar de improvisação, ele disse – que no seu estudo – composição e improvisação se cruzavam, mesmo em paralelo. O que você pode dizer sobre essas falas?
Jazz é a uma palavra muito grande que é usada da mesma forma que a palavra comida e você precisa saber que tipo de comida você quer antes de pedir.
O Jazz é um grande guarda chuva de diferentes estilos e que continua a se desenvolver desde que a minha geração – que surgiu basicamente nos anos 60 – começou a tocar de maneira eclética, absorvendo referências que vão desde o Free Jazz, até o Fusion, passando pela sonoridade da ECM e até mesmo pela música nórdica.
Isso aconteceu basicamente por que a gente podia tocar essas coisas. Nos Estados Unidos dos anos 60 a música era mais acessível, se comparada com as décadas anteriores. Se você quisesse falar com o Charlie Parker na época, não tinha outro jeito, você precisava ir até os clubes e ficar lá esperando por uma oportunidade de conversar com os músicos.
Hoje em dia a coisa é muito diferente, agora você aperta um botão e já consegue acesso a tudo que o Charlie Parker já tocou, tudo num só lugar. Por isso, de uns anos pra cá, você precisa ser mais específico quando fala sobre Jazz. Nós músicos precisamos de um pouco mais de direcionamento para abordar esse tema tão profundo e cheio de ramificações.
3) Depois de algumas gravações, todo o catálogo da ECM começou a sair com 5 segundos de silêncio, antes do disco começar de fato. O que você pode falar sobre o papel do silêncio no Jazz?
O Miles Davis era renomado e famoso pela forma como utilizava o espaço em seu fraseado. É claro que isso começa nos anos 40 e isso sempre fez dele um músico único entre os instrumentistas do mesmo período. Ele desenvolveu um estilo onde o espaço se tornou bastante importante.
Esse tipo de foco nesse aspecto da música foi algo que ele mostrou para todos nós de sua banda. Você pode ver isso ou não, depende do artista. Tudo funciona como o Ying-Yang, preto e branco. Se eu deixar espaço, depois vou preenchê-lo ou alguém irá fazê-lo. Se eu não deixar espaço, ninguém virá, pois eu já cheguei lá primeiro.
Quando abordamos a questão do espaço, estamos falando sobre extremos. Deixe a banda tocar algo ao invés de você sempre precisar dar um passo a frente. Eu toco saxofone, então dependo bastante do que a sessão rítmica faz. Se eu criar espaço para eles, a música ganha em…
Fluidez.
Exato, ela ganha fluidez e surge de maneira mais limpa, mais próxima do resultado final.
É um exercício de coexistir no mesmo ambiente.
Exatamente, Guilherme, coexistir, é exatamente essa a palavra.
4) Dave, a primeira vez que pude lhe escutar foi graças a sua contribuição no “Dark Magus”, na época que você tocou com o Miles. Esses discos da fase elétrica mostram a habilidade do Miles, principalmente para envolver o ouvinte, criando ambientes imersivos. O que você pode falar sobre essa habilidade que ele possuía?
O Miles era uma pessoa inteligentíssima e ele percebeu que no seu entorno, ninguém estava utilizando o espaço. Ele percebeu que o Bebop era uma música com muito preenchimento. Na hora de tocar Bebop, você não deixa muito espaço.
Nunca cheguei a conversar com ele sobre isso, mas acredito que ele deve ter pensado algo como: se não ninguém está usando essa ferramenta, por que eu não posso tentar? Ele pode ter percebido o cenário e concluído: o Sonny Rollins não deixa muito espaço, o Bud Powell também e assim sucessivamente.
Se eu conseguir explorar essa espaço, conseguirei me diferenciar dos outros instrumentistas e, consequentemente, terei um som único. Claro que estou apenas conjecturando e supondo que essa seja a razão para ele ter incorporado o espaço como parte de seu estilo próprio. Ele nunca falava sobre isso, então é difícil ter certeza.
5) Dave, outro disco marcante na minha vida – e que você também toca – é o “Genesis” (1971) do Elvin Jones. Como você acabou tocando no grupo dele e como foi a experiência de tocar com um músico tão explosivo quanto ele?
O baixista desse grupo era o Gene Perla. Ele era amigo meu e do Steve Grossman, outro saxofonista. Eventualmente ele (Gene Perla) comentou: Quando o Joe Farrell (outro saxofonista/multi instrumentista) sair do grupo, vai ter lugar pra você, Dave e quando o segundo saxofonista sair, terá lugar para o Steve também.
Demorou mais ou menos 1 ano pra isso acontecer. “Genesis” é basicamente minha primeira gravação e já com um tema original. As coisas aconteceram de forma natural, eu estava num club do lower east side de Manhattan. Lembro que o Gene me ligou 00:30 e disse: O Elvin quer ouvir você agora, então venha rápido. Então eu fui para o outro lado da cidade, peguei um táxi e fui até o local. Havia pouca gente, já era tarde e Elvin estava no bar com o Joe Farrell. Ele olhou para mim e disse: você está pronto?
Consegui responder que sim, pelo menos eu achava que sim. Depois disso ele falou – bem na sua maneira característica: pegue seu saxofone, quero ouvir você tocando. Gene não tocou, ficou no bar e nós subimos. Consegui a gig depois de tocar 3 músicas. Depois que terminamos, Elvin disse: semana que vem vou fazer uma gravação e quero que você venha para a sessão e traga uma de suas composições. Foi assim que o “Genesis” aconteceu.
6) Dave, como foi a experiência de trabalhar com o Manfred Eicher, tanto no “Lookout Farm”, quanto no “Drum Ode”? No “Lookout Farm” você trouxe uma música bastante eclética, mas com uma identidade sólida. No “Drum Ode” você entrega um material menos eclético, porém não menos rico, principalmente quando o assunto é a sessão rítmica. O que você falar falar sobre o som que você conseguiu extrair nessas sessões?
Eu toque na edição de 1971 do Berlim Jazz Festival e o Manfred veio até mim para se apresentar, além de introduzir o seu recém fundado selo, a ECM Records. Eles tinham acabado de começar e já contavam com gravações de Chick Corea, Jan Garbarek e etc e eu disse que queria gravar para o seu selo, mas não tive retorno dele.
No ano seguinte eu fui tocar no mesmo Berlim Jazz Festival, dessa vez com o Miles Davis e ele me abordou novamente dizendo que queria que eu gravasse para a ECM. Eu fiquei meio ressabiado, pois tinha concordado da primeira vez e ele sumiu por 1 ano.
Manfred ainda disse para eu não me preocupar e perguntou que tipo de música eu tinha em mente. Eu tinha muitas coisas diferentes entre si, considerando estilos e etc. O material era bem eclético. É claro que a ECM não é conhecida por isso, já que eles possuem sua própria estética, mas de forma, concordei e gravamos.
Fui para essa sessão com uma faixa mais funkeada. A outra composição era na linha do Coltrane e em outra proposta, tocamos em 7 o que não era muito comum naquela época. Também fiz uma balada com harmonia cromática e, dessa forma, o “Lookout Farm” possuia 4 músicas em 4 direções diferentes.
Quando penso nas músicas daquele disco, vejo que o resto da minha vida se encaixa em um desses 4 estilos, apresentados nessas 4 músicas. Eu tocava de uma forma diferente, mas esses 4 estilos representavam meu ecletismo e minhas escolhas musicais.
Eu poderia ter feito um disco de Bebop ou Free Jazz – embora o Manfred pudesse não gostar se fosse algo totalmente Free Jazz – mas eu optei por fazer essas 4 músicas, com cada uma delas mostrando um estilo e foi assim que o LP foi gravado. Esse disco ajudou a me deixar mais conhecido por que era um novo conceito, entende? Digo isso no sentido de ter a oportunidade de gravar algo na linha do Coltrane e na sequência gravar uma faixa com influência do Hendrix.
No caso do “Drum Ode”, que você comentou sobre o trabalho da sessão rítmica, bom, gravar esse disco foi muito intenso por que os bateristas gostam de se divertir.
7) Dave, além de músico, você também é um requisitado professor. Aqui no Brasil nós temos programas de edudação musical pouco estruturados e, considerando sua experiência, gostaria de saber o que você acha que mudou no que diz respeito ao estudo, desde que você começou a tocar. Pergunto, pois você contribuiu de maneira contundente para a comunidade, com trabalhos como “A Chromatic Approach to Jazz Harmony and Melody”, e eu queria saber sua opinião, especialmente agora com os mágicos de Instagram, que juram que você pode aprender qualquer instrumento em 7 dias.
O ensino e educação musical é relativamente novo. Quero dizer, nos anos 50 e 60 existiam poucas escolas como a Berklee, Universidade de Miami… Inacreditavelmente, não existia nenhuma instituição em Nova York. O ensino do Jazz era um mistério. Como você ensina isso para as pessoas?
A minha geração aprendeu a falar sobre música. Os Jazzístas do Bebop falavam, mas não profundamente, até por que eles estavam tocando todas as noites. Eles não precisavam falar, pois já estavam tocando.
Existia a cena de clubes, mas nada comparado aos anos 40 e 50. Geralmente, quando você se aproximava de algum músico para fazer alguma pergunta eles diziam: vá pegar uma bebida uma pra mim. Isso era um teste. Você perguntava, uma, duas vezes e depois de certo tempo – após observarem que você estava falando sério – eles respondiam sua pergunta.
Agora o cenário é diferente. A educação agora é um negócio muito grande e em função da pandemia, existem menos clubes agora, o que significa que os músicos precisam praticar e é aí que as escolas entram.
Agora os professores colocam você numa banda pra fazer uma prática de conjunto, por exemplo, e nivelam você com outros estudantes de mesmo nível. Isso não acontecia antes, pelo menos não com esse volume de pessoas que observamos hoje. Atualmente, quando você conhece algum músico, a primeira coisa que você fala é: onde você estudou? Antigamente a gente dizia: com quem você toca?
Eu li que você teve aulas com o saxofonista Charles Lloyd.
Sim, em 1966. Não eram bem aulas, a gente costuma se encontrar pra conversar. Ele era muito aberto pra esse tipo de troca, mas eu perguntava alguma coisa técnica e ele respondia de uma maneira muito zen. Geralmente ele fazia uma comparação. O meu desafio era traduzir isso para o inglês.
Nós tínhamos uma boa relação, essas conversas duraram 1 ano mais ou menos e foram momentos muito bonitos. O Charles é um músico brilhante e uma figura maravilhosa.
8) Dave, como você descreveria sua abordagem na improvisação baseada na harmonia, considerando o seu interesse pela atonalidade?
Herbie Hancock, Chick Corea, McCoy Tyner, Miles Davis, John Contrane, Wayne Shorter… Essas foram as minhas maiores influências. Na década de 80 as pessoas costumavam me perguntar o que eu estava pensando enquanto tocava, por que eu tinha um certo jeito de tocar, mas fora do tom. Eu não poda explicar isso em 5 minutos, por isso escrevi o livro que você mecionou.
Na época, pensei comigo mesmo: preciso reunir as informações sobre isso e tornar essa informação disponível para que outros musicos consigam ler.
9) Dave, você conseguiria delimitar uma linha entre o Free e o avant garde? Você acha que essa revolução que aconteceu com o Ornett Coleman, John Coltrane, Cecil Taylor e tantos outros foi uma responsa à estagnação do Bebop?
Quando eu ouvia música, pra mim era normal escutar Hendrix e Coltrane, logo na sequência. Ouvi bastante coisa do Ornett Coleman também. Eu fui exposto e realmente apreciei cada parada musical que surgiu ao longo do meu caminho. Free Jazz, muito Free Jazz e etc.
O Free Jazz se transformou num estilo de tocar nos anos 60 – foi nesse período que a coisa realmente cresceu – e isso fazia parte do menu de coisas que eu tocava. Toquei Fusion, Straight Ahead, Baladas… Foi isso que me manteve ocupado pelos últimos 60 anos.
Obrigado pela entrevista, Dave.
Eu que agradeço, Guilherme, espero ter respondido suas perguntas.
Você com certeza respondeu.