Existencial e Combativa, nabru lança sua mixtape Porque Eu Prefiro Falar de Amor, o sucessor do EP de estreia traz uma Mc em franca evolução!
Jovens mulheres negras possuem imensas dificuldades em nossa sociedade e ainda assim retiram nesse contexto forças inauditas. Os dados estão aí e não é preciso pouco mais do que cinco minutos no google para confirmar todas as transversalidades problemática que lhes atravessam. Dito isso, esses diversos problemas que atingem mulheres negras periféricas em nosso país, holisticamente falando, demandam também um olhar total sobre os mesmos, e nesse quesito a jovem Nabru, vem construindo um trabalho exemplar.
O poder de observação de si mesma e do entorno da jovem rapper mineira nabru é original e apresenta qualidades muito importantes e necessárias para a cena atual do rap brasileiro. Uma verdadeira mc que nos oferta o frescor da juventude, uma poesia que mescla apontamentos políticos e éticos fundamentais para o contexto acima mencionado, transbordando algo entre o ácido, o chapado e o sereno em seu estilo. A rapper vem trilhando um caminho de se auto descobrir e de tornar-se poeta/mc que vai sendo construído dentro da força, da beleza e da complexidade que foge às fórmulas fáceis.
Um dos aspectos que tem nos chamado atenção é que a artista tem preferido lançar trabalhos maiores ao invés de singles, optando por se desviar da mera produção de “singles esqueciveis”, tão comum hoje em dia, e visando expressar-se obras maiores. E para isso ela tem contado com produtores do underground, seguindo aquela linha do do it yourself com os aliados e aliadas! Nessa trajetória nabru tem conseguido agenciar shows fora de BH, e aos poucos vai chamando a atenção dos ouvidos mais atentos ao que de novo aparece na cena, não às novidades!
Ao mesmo tempo, essas alianças com artistas visuais, beatmakers e produtores, tem no conjunto dos trabalhos proporcionado a artista a construção de toda uma estética nova, que vai da sonoridades dos trampos até a programação visual. Esse aspecto ja transparecia de modo facilmente perceptível no EP Marquises e Jardins(2019), lançado em março último. No mês de junho a mc mineira esteve numa participação muito interessante, fugindo um pouco de sua estética própria e mostrando sua versatilidade numa participação com o Dro.
Voltando às suas produções, em julho foi a vez de assistirmos um audiovisual que se fez o espelho imagético perfeito para suas rimas, para sua cadência, para as imagens poéticas que a artista propoem em sua obra. O video clipe de “4 Escadas“, música presente no EP acima referido, traz uma direção de fotografia do Francisco Proner e edição do Maiakovski Pinheiro que nos parece a exemplificação perfeita dessa estética nova que a artista vem produzindo nos agenciamentos em que entra.
Agora nos chega sua primeira mixtape, Porque Eu Prefiro Falar de Amor (2019) um disco que nos leva a repensar e perceber melhor o estado de coisas em que estamos inseridos. Seja no momento trágico em que nossa política se encontra, seja no fake market place em que o rap se colocou (ou foi colocado).
A arte da nabru carrega consigo uma imensa força da certeza, sem cinismo, sem nenhuma gota de afetos tristes, afirmativamente preta, vacilante ainda e experimentadora pois ancorada num devir, num tornar-se, em um caminho que vem se fazendo na caminhada. A mc nos apresenta coordenadas flaxíveis em suas rimas, pois nos parece que ela mesma está nesse processo, em busca de si, em busca de um u-topos. Sem uma direção definida que não as que até agora foram trilhadas, o signo de uma juventude feminina e negra, bem informada e auto-reflexiva o tempo inteiro.
Como no livro do Fernando Sabino, aqui atualizado em outro contexto, periférico, revolucionário e principalmente preto, temos todos um encontro marcado com a nabru, que é também um encontro com nós mesmos e com o rap como expressão do hip hop enquanto arma de luta, vetor poético e musical logo artístico, mas numa estética que muda percepções, que explana uma subjetividade sadia, que vai sempre no reencontro do outro de si mesmo, rompendo o nosso fascismo atual, com uma poética e uma micropolítica novas atravessando o mercado que a industria cultural quer fazer crer ser o rap, livre de amarras.
Na descrição da mixtape no bandcamp podemos ler:
“minhas orações, conversar com o espelho, meus medos e minhas coragens também.”
Nada poderia ser mais exato, porém o espelho que nos é dado é o de um espirito na trilha do confronto consigo mesma (nada de narcisismo), os medos são aqueles que a levam a vacilar e transpor isso em linhas que afirmam aquilo que ela mesma já não é mais, aqui sua coragem maior, que se converte em oração rezada em ritmo de boombap durante as dez faixas, com produções diversas…
Diferença e repetição, nabru é sem sombra de dúvidas a maior revelação do ano, desvelando o ser de sua poesia num movimento de aproximação e distância da realidade em que hoje estamos mergulhados. Do social pra si mesma, dela para nós todos, o rap aqui é sim religare, como uma potência nova para nos conectarmos ao presente com os olhos voltados para o futuro que precisamos construir, em todas as esferas.
A complexidade de suas linhas são a tradução da transversalidade que a atinge como mulher jovem negra e periférica, Uma busca por uma saúde nova, de olho também no entorno porque no final das contas é a alteridade seu alvo final. Sendo assim, é primeiro um olhar pra si, um cortar toda a hipocrisia e resquícios do “sistema” que muitas vezes estão lá no fundo de nós mesmos como pressupostos de nossas ideias e ações, e não percebemos.
A música que a jovem mineira nos apresenta é tudo isso e muito mais, é tudo aquilo que ainda não foi nos dado perceber, é todo um desvelar que vem ocorrendo de modo intenso neste ano, mas que tem toda uma estrada pela frente. Agora ela se encontra naquela encruzilhada que todo artista enquanto jovem se coloca, a da construção de uma obra e de um estilo, que por enquanto se afirma no under, no boom bap, com um EP e essa nova mixtape.
E assim entenderemos porque a nabru prefere falar de amor – nesse paradoxo poético entre as Marquises e Janelas – e que tipo de amor é esse, ao qual se formos capazes de compreender, consequentemente poderemos cultivá-lo. Ouçam esse começo de sua obra, não apenas o ep, a mixtape, ouçam o que está por trás de tudo, subrepticiamente colocado. Aqui temos um belo exemplo: