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Eminência Parda, Emicida e o desmonte da educação

Quando o Hip Hop Ensina: Em Eminência Parda Emicida nos ajuda a perceber como a Educação é um valor fundamental dentro da cultura Hip Hop

O clipe do single Eminência Parda lançado no dia 09 de maio, chega num momento onde não apenas anuncia o disco novo do rapper paulista Emicida. Esse laçamento, mais do que meramente se tornar um espetáculo da nossa indústria cultural, chega de modo bastante forte, entrando em rota de colisão com a arquitetura da destruição programada pelo atual desgoverno federal.

Implosões assustadoras vem sendo arquitetadas com um esmero nunca antes visto na história desse país, e teve nas recentes medidas no atual ministro da educação suas mais violentas decisões. O corte de verbas que atravessam todas as áreas da educação do ensino superior ao básico, é um ataque que se opera exatamente em um momento onde a população negra, indígena e LGBTQ+ passava a ingressar com um pouco mais de oportunidades em nossas universidades públicas.

As medidas autoritárias e ignóbeis das últimas semanas, atacaram com uma virulência nunca antes vista um valor fundamental em qualquer civilização: a Educação. Passados 500 anos de nossa sociedade racista, nossa elite escravocrata parece não ter conseguido assimilar bem negros, periféricos e outras minorias adentrando certos espaços que sempre foram seus redutos majoritários. 

A cultura hip hop por sua vez, possui lá em suas origens algo que é o que lhe dá sentido, o seu quinto elemento: o Conhecimento. Esse elemento que é o que une os outros quatro elementos da cultura: break, grafite, MC, e DJ. É aquilo que faz com que essa cultura seja necessariamente um inimigo voraz do atual estado de coisas. É preciso lembrar que houveram nomes de vulto dessa cultura em nosso país que apoiaram a atual caricatura de governo. Esses merecem aquilo que já é deles: o Lixo da História (por isso não serão mencionados aqui).

“Baixa escolaridade com auto de resistência”

Acreditamos não ser necessário aqui traçar a imensa importância do Emicida para a cultura hip hop como um todo nos últimos 20 anos. Uma figura que revolucionou a música e a indústria, levando essa a novos caminhos, até então inexplorados. Sua obra e sua vida tem educado pessoas, artistas e servido ao propósito do quinto elemento como poucas na história do rap nacional. Se é fato que o Racionais Mc’s foi o responsável por educar uma nação inteira sobre sua negritude, talvez uma das maiores contribuições do Emicida (além da questão racial) tenha sido essa noção de um do it yourself negro dentro da cultura hip hop. Onde outros tantos jovens negros aprenderam que com organização, esforço e aprendizado dos processos de produção é possível se firmar aos poucos de modo independente.

Jovem que sonhava em ser quadrinista (não seria absurdo dizer que sua paixão pelos quadrinhos o levou à paixão pelos livros e pelo auto didatismo) Emicida aprendeu muito nas ruas através da cultura hip hop. Como empresário esse novo mundo da informação saciou certamente muitas de suas dúvidas. Mas com toda certeza ele reconhece na educação, seja ela formal, seja ela autodidata, um valor necessário. 

A atual família que aportou na presidência da república, desfilando desde sempre sua ignorância e racismo, sua homofobia e machismo, depois de vencerem as últimas eleições partiram para o ataque. Através da influência de um astrólogo que sonhou toda a vida ser debatido e fazer parte do ambiente acadêmico, o atual desgoverno reconheceu de saída nas universidades federais, o principal ambiente de seus inimigos. Com a justificativa alucinada de que nessas instituições renomadas, atua um tal de marxismo cultural.

Não por acaso esse ataque surge em um momento histórico onde as universidades federais, através do sistema de cotas e de políticas públicas, passou a ter um maior ingresso de estudantes negros. Assim como é fundamental perceber que a arquitetura da destruição perpassa também Institutos Federais e escolas públicos do ensino fundamental de todo o Brasil.

O nosso racismo estrutural e a elite subalterna e ignorante que ajudou a eleger o atual desgoverno, perpetrou o golpe pois não suportou o mínimo acesso da camada mais baixa da sociedade a certos espaços e ao consumo. E a Universidade Pública foi um deles. Se lá no clipe de Boa Esperança Emicida retrata uma rebelião violenta das classes subalternas, principalmente nós negros, agora ele parece ter reconhecido o que essa elite mais deseja: baixa escolaridade com auto de resistência, veja-se por exemplo o projeto do atual ministro Sérgio Moro.

O clipe de Eminência Parda em um acerto histórico muito grande, começa exatamente com uma família negra indo comemorar a conquista de uma jovem de 19 anos, do seu diploma universitário e de um intercâmbio no estrangeiro. O clipe dirigido por Leandro HBL com roteiro dele e do Emicida, é uma obra que desde já se coloca como uma perspectiva audiovisual basilar.

Trabalhando sobre uma ótica onde a família negra é percebida pela audiência sob os olhares racistas dos brancos presentes no restaurante, a obra recoloca um problema que nós enquanto sociedade precisamos responder: Civilização ou Barbárie? Pois a contrapartida também é apresentada com magistral apuro no vídeo: o mesmo restaurante sendo assaltado.

A ponte para o futuro vem do passado

Outro acerto maravilhoso é a ponte artística e histórica na qual o Emicida se transforma, ao transpassar o atlântico e unir a mais velha ao mais novo em termos de música brasileira. Esse é o trabalho de qualquer educador que se preze. A música começa com a grandiosa Dona Onete num vissungo que é um canto desenvolvido pelos homens e mulheres negros escravizados no Brasil; algo que já tinha sido trabalho por Clementina de Jesus

Construída por negros que trabalhavam as palavras através de estratégias linguísticas, os vissungos se transformaram em armas de resistência. Na sequência temos Jê Santiago um dos novíssimos valores do Trap. Nesse aspecto o rapper paulista age como uma espécie de professor de história da música preta. Unindo a rainha do Carimbó diretamente de Belém do Pará, alguém que passou a vida produzindo beleza e política de inclusão da cultura popular, a um jovem astro do Trap/R&B, Jé Santiago, que demonstra com tranquilidade e muito talento a força da sua geração e como ela é também é importante. 

Trazendo ainda Papillon, numa incursão na lusofonia que já tinha sido feita em trabalhos anteriores, há aqui uma abertura entre eras e gerações. Nas suas linhas Emicida apresenta aquilo que o faz ser quem é, agressividade muito bem desenhada em versos que unem um conhecimento sobre a nossa realidade racista, à referências pouco conhecidas e sobretudo, uma alinhavada de sentido que demonstra o tamanho do artista que é.

E nesse sentido tudo dialoga. O patuá de Dona Onete encontra a linguagem mais nova do Jê Santiago, que encontra a lírica e o estilo inconfundível do Emicida e sua maestria referenciada, abraçando o Papillon em linhas que são conscientes da necessidade de luta constante e da colaboração entre os nossos. O grande beat do Nave dá o caráter épico que a música/audiovisual pede com uma linha melódica e rítmica irresistível.

“Infelicidade àqueles que amordaçam o povo!”

Nosso povo vem sofrendo há 500 anos, sendo morto como bicho ao longo da história desse país. A secular e atual negação de direitos básicos, é algo que por muito tempo foi naturalizado pelo nosso racismo estrutural. O hip hop nacional veio ao longo das últimas décadas se constituindo em uma das armas possíveis de diagnóstico e reivindicação das pautas mais importantes para o povo negro. Escurecendo algumas estruturas e criando esse horizonte de realidade e sentido que colocou milhares nas universidades. As últimas medidas tomadas contra a educação, visam sobretudo asfixiar essas poucas conquistas.

Comecei esse ano como professor, em um projeto na escola em que atuo, que visa encrustar nos nossos meninos e meninas a necessidade de pensarem no futuro escolar deles. Nossa escola é do lado do IFBA, sendo assim um dos vetores do projeto é fazê-los pensar na possibilidade de cursar o ensino médio por lá. Mas sobretudo, construírem em suas consciências a motivação e as armas técnicas de que eles são capazes de acessar instituições de ensino superior, de modo a romper essa barreira secular, que a burguesia branca sempre fez questão de nos levantar. Quantos estudantes de escolas públicas têm esse projeto em suas vidas, cursar uma universidade? Sabemos que são poucos, e essa perspectiva agora começa a desmoronar em nossa frente.

Ao assistir o clipe de Eminência Parda, é possível perceber como somos nós essa eminência politica que agora tenta ser barrada, ser colocada de volta no seu lugar, por conta desse “rancor abissal” que não quer ver igualdade. O hip hop precisa se unir para alertar o nosso povo sobre o que está em jogo. Thomas Sakara não pode ser visto apenas como uma referência, mas como um modelo de luta. Dona Onete, do alto de sua maior sabedoria nos coloca uma questão que é fundamental agora, que sempre foi: 

“Muriquinho piquinino, muriquinho piquinino Purugunta aonde vai, purugunta aonde vai” 

Caberá à população brasileira responder qual será essa direção. Emicida nos deu algumas visões que podem nos ajudar, mas é o nosso povo que, apesar de ser maioria, se faz pequeno. Quem precisará responder? Vamos continuar escapando da morte, ou vamos aprender a construir o caminho por onde queremos seguir?


– Quando o Hip Hop Ensina: Eminência Parda, Emicida e o desmonte da educação.

Por Danilo Cruz

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