Elemento X lançava a exatos 20 anos o forte e pioneiro disco Genocídio. Uma especie de mensagem para as novas gerações colocada numa garrafa.
Durante a fase embrionária do Movimento Hip Hop organizado na Bahia, o Elemento X despontou como um dos maiores expoentes do Rap soteropolitano de sua época. Configurando-se assim com o seu álbum de estreia Genocídio (2000) como um grupo lendário e com um disco cultuado entre os militantes e simpatizantes do rap local até os dias de hoje. Lançado 20 anos atrás, Genocídio ultrapassa o debute e mostra aos adeptos da cultura hip hop local e nacional que sim, o sonho era possível.
O Elemento X provou que sim, era possível fazer um disco combativo e ao mesmo tempo bem produzido em terras onde o rap ainda começava a se levantar em termos fonográficos. Ainda que num período de grande dificuldade de acesso aos meios de produção, dificuldades essas que ainda encontramos hoje, mas que nem de longe se compara ao que esses desbravadores encontraram no final dos anos 90.
Mergulhando no universo de Genocídio e para melhor absorvemos a proposta desse paradigmático álbum do rap nacional, abrimos a track list do disco com a apocalíptica “Evolução”, e o seu turbilhão de idéias sobre o caos que assolava (assola?) nossa sociedade. Dentre elas a fome, ganância, massificação da cultura, o monopólio das grandes corporações, manipulação da grande mídia, dentre outras mazelas sociais. De fato essa música não poupa nenhum dos agentes causadores do nosso caos social. Literalmente, não é uma música para “fazer amigos” e nem massagear o ego de bacana, embebida numa visão anti-racista, que de certa forma é a perspectiva de todo o disco. Assim o Elemento X larga o doce no seu cartão de visitas com os dois pés na porta.
Na sequência temos a não menos contundente “Oração”, com forte influência da soul music e como o próprio nome já diz, essa canção é uma verdadeira oração mas não é uma oração comum, e sim uma chamamento a ancestralidade negra e à auto valorização da negritude do nosso povo. clamando por Zumbi como o ancestral capaz de – com o devido conhecimento histórico – nos afastar do mal combatendo as armadilhas que o estado genocida (policia, politicas de genocídio). Revolução e progresso, rogando da mesma forma que ainda hoje o fazemos em nossas orações.
Já em “Terra De Ninguém”, o trio formado por Dinho, Dj Edilson e Gomez soltam o verbo denunciando de maneira inteligente o descaso social que assola a Salvador do lado de cá, a Salvador que não estar estampada nos tradicionais cartões postais de uma cidade explicitamente divida pelo preconceito. E que encontra (é direcionada) na pretensa divisão do comércio da droga o caminho para o apagamento de jovens que não encontram na educação uma saída. Justificando assim o assassínio constante de milhares dos nossos.
Neste ponto podemos perceber o quanto nada mudou, a mesma correria que muitos hoje do Rap Ba fazem. Aqui também vemos o trabalho do Dj Edilson que copiava de forma pioneira as formas do que se ouvia com os discos do Racionais Mc’s, mas incluindo samplers de Edson Gomes. Conseguindo com isso uma inserção de elementos referênciais culturais próprios do nosso território!
Na reflexiva “Em Que Mundo Estamos?”, o Elemento X nos convida a fazer uma viagem em nossa caótica sociedade dominada pelo capitalismo selvagem que mutila e segrega pessoas, as separando por classe mas aqui o Elemento X vem propondo a mudança do quadro ao qual nos encontramos através de atitudes positivas movidas pelo sentimento de mudança. Todos por Todos!
Na música que talvez se configure como uma das mais polêmicas do disco, o Elemento X divide opiniões, “Mulher Onde É Que Está O Seu Valor?”, é de fato uma música polêmica. O distanciamento histórico talvez possa nos esclarecer sobre o forte machismo que a música prega. É talvez ponto pacifico que a essa altura existia uma visão moral muito presente no rap macho nacional de que era preciso manter a honra das minas a custa de categorizações dos tipos de mulher. Muitas vezes entrando na velha dicotomia Boa pra casar ou Boa pra Trepar.
As atitudes das mulheres que fossem independentes em suas escolhas sexuais, eram vistas como coisas de safadas, putas, e outros adjetivos. Hoje, mesmo com muito preconceito ainda, ao que parece caminhamos para outra compreensão sobre questões como essas dentro do rap nacional. Mas assim como o mesmo supracitado Racionais Mc’s em seu clássico machista, Mulheres Vulgares, o Elemento X recaiu no mesmo erro histórico.
Na pesada “Todo Inverno É Um Inferno Na Periferia”, a abordagem é sobre o sério descaso do poder público quanto ao deficit habitacional que assola nossa cidade e a falta de políticas públicas efetivas no sentindo de ao menos minimizar o problema. O que nos leva muitas vezes enquanto moradores de periferia a construirmos nossos lares de maneira irregular e em condições precárias, o que no período de inverno e das fortes chuvas que assolam a capital baiana nos leva a tragédias que poderiam ser evitadas. Uma das faixas emblemáticas desse disco que infelizmente se mantem atual tanto artisticamente como no seu contexto de criação.
Na faixa que dar nome ao disco, o Elemento X além de denunciar, nos trás uma reflexão quanto ao extermínio histórico e ainda sistemático de povos negros e indígenas. Duas raças primordiais na formação do povo brasileiro e que ainda hoje se vê sendo exterminada em nosso país. A música narra desde o período do Brasil colonial até os dias atuais e mostra o quão pouca coisa mudou desde então.
É engraçado, nesta música os manos conseguem notar o Machismo Racista, ao salientar de modo crítico como as nossas Margareths não conseguem o mesmo espaço que as – hoje – Ivetes ou Claudias. E mostram claramente como a Loira do Tchan era o destaque contra a coadjuvante “Morena” do mesmo grupo. Todas essas observações valem como contraponto ao machismo acima mencionado.
Em “Salmo 10”, Dinho e Gomez iniciam um diálogo aberto sobre as diversas indagações que permeiam a mente humana, buscando respostas nos ensinamentos bíblicos.
Não terminamos por aqui, pois no frigir dos ovos, descobrimos essa outra pedrada do Elemento X, e gostaríamos de pensar que hoje com melhores condições os manos pudessem voltar com sua perspectiva única do rap não só pra Salvador-BA, mas para o país todo. Da mesma forma, se faz necessário que esse disco entre nas plataformas de streaming, pois hoje é um item cada vez mais raro de colecionador, e isso impede que as novas gerações conheçam tão importante trabalho.
Ouça essa porrada, e vamos clamar aos responsáveis que coloquem o disco nas plataformas!
Por Paulo Brasil