Edu Ribeiro Trio: ressaltando as belezas naturais da música brasileira, em um show que foi um derrame de musicalidade e precisão artística !!
A música brasileira é tão rica quanto a língua portuguesa e suas infinitas flexões verbais, adverbiais e etc. É notável como seus meandros revelam detalhes e referências que mostram um valor histórico incomensurável para se compreender desde a diversidade de ritmos, até as referências regionais que seguem reverberando até agora, pensando no cenário contemporâneo.
Pesquisar a história da nossa música é um exercício grandioso e que requer não só tempo, mas também muito estudo. É nesse infinito particular que vai do Choro ao Samba Jazz – de olho nas nuances – e sempre com um olhar clínico, vigoroso, técnico e de grande sensibilidade, que Edu Ribeiro conduziu uma noite soberba no JazzB, uma das principais casa de Jazz de São Paulo.
Dia 28 de fevereiro de 2020. Quem estava na casa irmã do Jazz nos Fundos contemplou um dos melhores shows de Jazz do circuito brasileiro atualmente, enquanto Edu conduzia um show cirúrgico ao lado de seu trio de notáveis que ainda era formado por Bruno Migotto (baixo) e pelo mestre Fábio Leal (guitarra).
Já pude ver o Edu tocando ao lado de nomes como o do bandolinista Hamilton de Holanda e a pianista Abelita Matheus, por exemplo. Em cada uma dessas oportunidades, o baterista autodidata impressionou pelo vigor e pela leveza. Como num paradoxo de sinestesias – mesmo em diferentes contextos – o também compositor e arranjador mostra uma visão que beneficia o som, independente do que ele esteja tocando.
Com um estilo que remete a um lord inglês tocando bateria, o meliante possui uma percepção musical grandiosa. Com grande capacidade rítmica, harmônica e melódica, o músico impressiona pelas notas que não toca e pelos solos que deixam marcas indeléveis na mente de plateias Brasil adentro e mundo afora.
Sua música é orgânica e mais do que sua capacidade técnica, Edu transmite urgência, paixão e enaltece a riqueza da música brasileira, passando longe do revisionismo. Com o Edu Ribeiro Trio, uma das maiores referências da bateria moderna mostrou o swing, a classe arrebatadora, o groove e os tempos complexos de um projeto que ainda não entrou em estúdio pra gravar, mas que julgando pelos 2 sets que fez no JazzB, não tem como dar errado, nem que a galera apareça para a sessão sem ensaiar.
Antes de falar do show fica aqui um parênteses elementar para destacar o trabalho do guitarrista Fabio Leal e do baixista Bruno Migotto. Conhecido como professor, Fabio Leal é um dos grandes guitarristas do país. Músico experiente e com muita bagagem e história pra contar, o cidadão fala pouco e toca muito, sempre ao lado dos maiores, como Hermeto Paschoal, por exemplo.
Bruno Migotto é um dos baixistas mais requisitados da cena. A serenidade de suas linhas é impressionante – seja no groove acústico ou no elétrico – o baixista natural de campinas mostra uma facilidade estarrecedora. Com a experiência de quem já tocou ao lado de monstros sagrados como Raul de Souza, Jovino Santos e Arismar do Espírito Santo, por exemplo, o baixista fechou uma sessão rítmica cabulosa e enquanto Fabio mostrava sua eloquência ímpar na guitarra, Edu preenchia o espaço com uma precisão que as vezes nos fazia esquecer da bateria, tamanha a aderências de suas propostas.
Foram 2 sets belíssimos e a cada faixa o trio revelava um identidade muito singela e extremamente bem construída. Com cada um dos 3 instrumentos cantando em prosa e falando diversas línguas, o show cumpriu a difícil tarefa de coexistir sobre várias óticas diferentes sem cair no marasmo, no excesso de virtuosismo ou no puro e simples tédio.
As interações foram um show à parte. Os embates e a dinâmica entre os instrumentos mostraram uma visão muito ampla e a configuração em trio beneficiou um show “tight”, como dizem os americanos. Foram cerca de 3h de música – juntando as duas sessões – mas pareceram 3 minutos.
Achei interessante que antes de abrir o segundo set, o baterista agradeceu a platéia por ter permanecido no recinto. Mas também, quem em sã consciência conseguiria ir embora depois de tamanha musicalidade?
Nos resta apenas esperar para que esse projeto entre em estúdio, por que de resto, a única opção plausível é aplaudir o rico trabalho e repertório desses 3 grandes instrumentistas. A música instrumental resiste, persiste e se reinventa pelas mãos inquietas e oxigenadas de músicos como esses, estudiosos que não param no tempo e que pensam música 24 horas por dia, 7 dias por semana.
Bravo, meus caros. Haja o que hajar, não parem de fazer música.
Texto e Fotos por Guilherme Espir
Enquanto Edu Ribeiro não nos traz um disco ou ele não chega perto de ti com esse show maravilhoso, confira essa apresentação dele com o Trio Corrente no Sesc Instrumental: