Reggae Resistência (1988), uma obra prima, formadora de toda uma geração de negros e negras!
O álbum Reggae Resistência, do baiano Edson Gomes, lançado em 1988, se constitui como a pedra fundamental do Reggae no Brasil, um disco que, para além da estética musical inovadora, formou politicamente toda uma geração de brasileir@s. Nos anos 80, o Brasil ainda estava imerso em uma atmosfera de terror criada por um longo período de ditadura militar, onde o governo era exercido por meio da perseguição e do silenciamento dos divergentes.
A população preta ainda sofria os impactos de um processo de abolição da escravatura “pra inglês ver”, onde a mão de obra africana “liberta” foi privada do direito de usufruir do produto de séculos de trabalho e da propriedade da terra na qual, desde que foram sequestrados, cultivaram seus alimentos.
Nessa mesma época o Reggae chegava ao Brasil e foi recebido de braços abertos pela população marginalizada que carecia expressar suas dores e anseios. Vindo da Jamaica, criou raízes profundas no Recôncavo baiano e, partindo dali, conquistou todo o país.
Foi nesse contexto que um grupo de músicos das cidades baianas de Cachoeira e São Félix foi seduzido por aquela nova musicalidade e posteriormente seriam os responsáveis pelos arranjos do primeiro disco de Reggae produzido no Brasil.
Ainda que para algumas pessoas tenha sido Gilberto Gil o pioneiro do Reggae no Brasil, Edson Gomes foi o primeiro artista brasileiro a assumir o Reggae como sua identidade musical. Antes do lançamento de Reggae Resistência, o Reggae era somente mais uma das vertentes estilísticas do vasto repertorio rítmico brasileiro, um adereço a ser explorado pelos artistas da MPB.
O disco foi gravado no emblemático estúdio WR, pelo lendário produtor Wesley Rangel, responsável pela criação e consolidação de um dos movimentos musicais mais importantes do Brasil, o Axé Music, que tem no Reggae uma das suas principais fontes inspiradoras.
Na década de 80, teclados e baterias eletrônicas ganhavam cada vez mais espaço na musica pop mundial e se uniam às já tradicionais guitarras distorcidas do Rock, criando uma sonoridade mais agressiva que refletia o contexto urbano caótico e barulhento, das cidades ocidentais modernas. Esses novos timbres serão utilizados em Reggae Resistência (1988) conferindo uma identidade sonora bastante diferenciada do Reggae produzido pelos jamaicanos na decada de 70.
Uma introdução de naipes de metais apocalíptica, que se tornará uma das marcas registradas da música de Edson Gomes, anuncia uma mensagem reveladora, percebida por uma maioria mas poucas vezes dita de forma tão objetiva, “Esse sistema é um vampiro”, denuncia o reggaeman.
As canções presentes em Reggae Resistência (1988) refletem o contexto social do Brasil na década de 80, principalmente a situação vivida diariamente pelos ascendentes dos africanos escravizados, que após a abolição se tornaram alvos de um projeto sistemático de extermínio, um verdadeiro plano genocida pensado e executado pelos antigos senhores de engenho que agora controlam as instituições do Estado brasileiro. Marginalizada e empurrada para os locais insalubres das cidades no processo de urbanização desordenada que se acelerava nas cidades brasileiras.
Apesar do Rock feito em Brasilia ter sido apontado como o estilo que formou a consciência política dos jovens que lutaram contra a ditadura no Brasil, Edson Gomes está para a juventude preta da década de 90 como os Racionais Mc’s estão para a dos anos 2000, uma verdadeira lente de aumento para entender o contexto sócio político brasileiro de uma forma mais ampla, incluindo aspectos “invisíveis” aos olhos revolucionários da juventude universitária brasiliense, desmascarando a mentira da Democracia Racial, tantas vezes contada por quem exerce o poder através da perpetuação da desigualdade.
Acenda o Chalice, Aumenta o Som
Fyyyyyaaaaaahhhhhhhhh!!!
– Reggae Resistência, Edson Gomes a voz dos oprimidos
Por Bobo Tafari
https://www.youtube.com/watch?v=NkKMCfQttlM&t=1523s