Edi Rock, a voz forte da norte segue trilhando novos caminhos e cravando seu nome na pedra dos gigantes do Rap brasileiro.
Confesso minha dificuldade em conseguir absorver as novidades do Rap na velocidade com que são produzidas e lançadas. Sou da época em que de um mês pro outro, um álbum ainda era considerado “lançamento”, mas acompanhar o hype, definitivamente, não é pra mim.
Vez ou outra até tento, porém, para falhar miseravelmente. Prova disso é o abismo temporal que separa a data de lançamento desse disco e de quando escrevo essas linhas sobre as minhas impressões do mais novo trabalho do Edi Rock.
Quando no longínquo ano de 1999, ao lançar o hoje quase esquecido primeiro EP, que, naquele momento ficou conhecido como o seu primeiro trabalho solo. Edi Rock já sinalizava ao Hip Hop brasileiro que não era só um grande rapper a serviço do maior grupo do Rap nacional, mas que também poderia trilhar em paralelo e de maneira brilhante uma carreira solo de sucesso. E assim o fez ao longo desses mais de 20 anos desde o seu primeiro registro para além dos Racionais MC’s.
Tal como em seu disco anterior, em Origens Parte 2, E-D-I R-O-C-K, segue revisitando e musicando suas memórias, com a cabeça no futuro e conectado com suas raízes desde sempre. Já faz parte de sua assinatura artística não abrir mão do bom e velho boombap, mas engana-se quem pensa que a sonoridade de seus trabalhos soam obsoletas, a obra de Edi Rock passa longe de estereótipos preguiçosos ou previsíveis.
O Camisa 50, não só é um grande alquimista das rimas, como também um inquieto produtor musical, antenado e exigente. E sabe emular com maestria as tendências musicais do mercado e agregar isso a sua obra. Prova disso foram e são as parcerias musicais que Edi Rock colecionou ao longo de sua sólida carreira de grande artista que é.
Curiosamente, ele não assina a produção de nenhum dos beats de seu novo disco. Essa empreitada ficou a cargo de um time altamente criativo e competente que contavam com nomes do gabarito de DJ Cia (RZO), Pedro Penna, DJ Will, Dogz, DJ Fredy Muks, CHF, Sérgio Santos e Anderson Franja (RZO/Charlie Brown Jr.), este último assina oito dos quinze beats que compõem o disco.
Se num passado recente ele nos surpreendeu, nos entregando trabalhos de excelência com parcerias e referências até certo ponto inusitadas, como artistas do reggae, samba, funk e até sertanejo. Em seu novo álbum trabalho, o artista repete algumas dessas fórmulas.
Edi Rock não abre mão da mescla do clássico com o contemporâneo e sua capacidade de emular tudo a sua volta, transformando toda essa efervescência em poesia, inspirado no concreto da grande metrópole cinza, coloca – para quem ainda duvidava – Edi Rock no panteão dos grandes do Rap nacional de qualquer época.
Em Origens Parte 2, o “racional”, segue recontando sua biografia, bem como construindo, os alicerces tijolo por tijolo de novos caminhos que, aos olhos do próprio, assim como a maioria dos barracos da ponte pra cá, permanecem inacabados. Acreditando que seu melhor beat, sua melhor letra ainda está por vir. Edi Rock é mestre na arte de se conectar com sua metrópole e suas contradições.
Com o Cocão, absolutamente tudo vira poesia. Ainda que diferente de seu parceiro de caminhada de mais de 30 anos, Mano Brown, que já confidenciou que consegue produzir música em qualquer ambiente, do mais sereno ao mais caótico, já Edi Rock, não. Em entrevista recente cedida a Ronald Rios, o mesmo fala um pouco sobre seu lento e introspectivo processo criativo. Muito desse processo criativo fica evidente em diversas de suas canções.
E em Origens 2, não falta nada do que já tinha sido feito em trabalhos anteriores, porém, o Edi Rock foi além. Canções sobre fé e ancestralidade norteia o novo trabalho. Mas também não faltou lovesongs, como a bela “Um Novo Amanhã”, em parceria com Thiaguinho, e “Vai Chover, numa parceria fina com Guto GT, a pitadas, ainda que discretas de Trap como na track “Grão de Areia” e “De Angola”, essa segunda com um feat. de peso de Flacko, um dos trapstars de maior destaque do RJ da atualidade, reafirmando a ponte entre as gerações do Hip Hop brasileiro.
O país que é a pátria-mãe do racismo estrutural, que mata preto e pobre em escala quase industrial desde sempre, não poderia passar batido nas linhas de Edi Rock. Denuncia essa que que o mano já faz há mais de três décadas. Vidas Negras” tá aí pra mostrar que “…nossos motivos pra lutar ainda são os mesmos…”
Mestre na arte de promover encontros, em Origens Parte 2, Edi Rock reencontra um de seus grandes pupilos. Há exatos 21 anos, Cocão trazia para a cena do Rap nacional, Sombra e seu SNJ, um dos mais criativos grupos do Rap nacional do final dos anos 1990, os graves poderosos de: “Não Seja Mais Um Pilantra”, ainda batem certo nos boxes de muitos ouvintes do bom rap das antigas. A psicodélica “Paranóia” foi a track escolhida para celebrar esse grande reencontro.
A procura da “cadência perfeita”, em Som de Iemanjá, canção que invoca a ancestralidade da diáspora, em que vemos… ou melhor, ouvimos uma sonoridade que ao longe, nos lembra algumas das poesias de Dorival Caymmi.
Origens Parte 2 é um disco de músicas curtas, algo que em entrevista concedida ao Ronaldo Rios, ele deixou claro que era intencional. Talvez até entendendo a nova forma com que o mercado nos acostumou a consumir música, algo meio apressado, imediato, talvez. Em Vai, ao lado do malungo Jorge Du Peixe (Nação Zumbi), Edi Rock eleva o nível do experimentalismo, voltando sua antena parabólica para os atabaques do manguebeat, flertando com o afro-futurismo e a sonoridade visceral da Nação Zumbi, uma track chapada porém curta, de menos de quatro minutos mas que dá vontade de escutar em looping.
Por anos circulou no meio da cultura Hip Hop o espectro da relação arte vs. dinheiro, e de que “…preto e dinheiro eram palavras rivais…”. Demorou muito para entendermos que não era essa a questão e sim como promover a arte e receber o devido valor por ela.
Muitos caíram nessa armadilha, além de reproduzi-la amplamente entre os nossos. A real é que demoramos muito pra entender o tal “game do cash”, e pela falta dessa expertise, muitos dos nossos grandes artistas pagaram com a própria invisibilidade um alto preço.
Aqui, numa das tracks mais fodas do disco, com pesado sampler de linhas de guitarra, Edi Rock, convoca outro contemporâneo, o monstro do Rap da CDD, para nos trazer os prós e os contras desse mal necessário do capitalismo moderno, nesse jogo que nos ensinou no bang do cash, é “um por amor, dois por dinheiro” e poucas idea.
Há muito Edi Rock, que, inclusive cogita registrar sua história em livro, não é apenas um dos maiores rappers brasileiros, chamado de ‘professor’ até pelos seus parceiros de grupo. Assim como nos apontava sete anos atrás na hoje clássica “That’s My Way”, estamos diante da obra de um homem de alma livre, que há muito vem quebrando paredes, escrevendo e trilhando a próprio punho sua história e traçando novos caminhos na vida e na arte, e o seu mais novo trabalho atesta essa afirmação. Inclinem seus ouvidos para a word music de Edi Rock.
-Edi Rock e o seu Origens Part. 2, cravando seu nome em pedra!
Por Paulo Brasil