Dr. John – Ske-Dat-De-Dat: The Spirit Of Satch

Existe um quê de desesperador em acompanhar a carreira de grandes músicos já em estado de idade avançada. Normalmente quando você é devoto de certo instrumentista de carreira longa, você o venera com o mesmo grau messiânico que um Deadhead idolatrava o Grateful Dead, mas uma hora a música vai  parar e você precisa entender isso.
Ou não, e é essa aparente indecisão que torna as coisas interessantes, veja o Dr. John por exemplo. 73 anos de vida e mais de 40 à serviço da música, dezenas de discos lançados e uma criatividade que parece não ter fim, mas ele é um caso raro. Quem conhece o Blues de New Orleans do cidadão sabe que ele não tem obrigação nenhuma de gravar mais nada, são dúzias de grandes discos.

Estamos falando de um patrimônio tão grande que se ele tivesse parado de lançar discos em 1980, com certeza já seria lembrado no futuro. Só entre 1968 e 1979 foram dez ótimos LP’s. Mas teve mais nos anos 90 e mesmo nos anos 2000 sua criatividade segue avassaladora. Poucos tiverem essa longevidade e essa uniformidade lançando material e ainda mantiveram tours! O problema é esperar, foram dois anos entre ”Locked Down” (2012) e ”Ske-Dat-De-Dat” e mais uma vez só tenho elogios a tecer.

Sei que quando ele parar (e não vai demorar muito), um elo se perderá. Vai ter um momento que não vai ter disco sucessor e nós precisamos se acostumar com isso, sem se despedir ou ouvir sua música de forma triste, mas elevar o grau de respeito e saber que temos privilégio de ver um gênio trabalhando à toque de caixa, sabendo que ele teoricamente não tem mais motivação… Balela, os gênios sempre tem motivação, tal qual o sprint final de um campeão dos 100 metros rasos.

O doctor já está cheio de medalhas, mas ele quer mais e isso é uma daquelas coisas que não se explica, só se premia. Mais um ouro para o pianista, ”Ske-Dat-De-Dat” é lindo, som dos anos 50 em 2014 na máquina do tempo do Nite Tripper.

Line Up:
Dr. John (vocal/piano/guitarra/vocal)
Gregory Davis (trompete)
Tony Dagradi (saxofone)
Sarah Morrow (trompa/trombone)
Ivan Neville (órgão)
Roderick Paulin (saxofone)
Derwin ”Big D” Perkins (guitarra)
Ed Peterson (saxofone)
Efrem Pierre Towns (trompete)
Reginald Veal (baixo)
Nick Volz (trompete)
Jason Weaver (baixo)
Donald Ramsay (baixo)
Herlin Riley (bateria/percussão)
Jamison Ross (bateria)
Poncho Sanchez (percussão)
Khari Allen Lee (flauta/saxofone)
Roger Lewis (saxofone)
Barney Floyd (trompete)
Brian Quezergue (trompa)
Oliver Bonie (saxofone)
Tom Mallone (trompa)
Carl Blouin Sir. (saxofone)
Alonzo Bowens (trompa)
Bernard Floyd (trompete)
Kendrick Marshall (guitarra/teclado)
Bobby Floyd (órgão)
Tom Fisher (clarinete)
Alvin Ford Jr. (bateria)
Rex Gregory (clarinete)
Anthony Gullage (baixo)
Kevin Harris (saxofone)
Eric Lucero (trompete)

Track List:
”What A Wonderful World”
”Mack The Knife”
”Tight Like That”
”I’ve Got The World On A String”
”Gut Bucket Blues”
”Sometimes I Feel Like A Motherless Child”
”That’s My Home”
”Nobody Knows The Trouble I’ve Seen”
”Wrap Your Trouble In Dreams”
”Dippermouth Blues”
”Sweet Hunk O’ Trash”
”Memories Of You”
”When You’re Smiling”

Depois de conseguiur a proeza de se reinventar com o Afrobeat de ”Locked Down” (e abocanhar mais um Grammy com o mesmo), todo mundo (incluindo fãs e críticos) estava prestando muito atenção nos passos do senhor John. Aposto que ninguém chegou nem perto de acertar que para este disco nós teríamos um tributo para a obra de Louis Armstrong, e o mais contundente de tudo isso, faixas que não eram dele, mas que ficaram famosas ao som de sua bela voz.

Para os que acharam esse novo disco estranho, vale ressaltar que Dr. John já gravou inúmeros trabalhos jazzísticos e que inclusive já fez um tributo nesta linha, falo de ”Duke Ellegant” gravado e lançado em 1999. Um tributo ao fantástico Duke Ellington. Só que tanto agora com os temas de Armstrong, quanto em 1999 com os takes de Duke, o músico fez um trabalho extraordinário e que além de entregar outra roupagem para as faixas, revitalizando-as com os toques do chef, escancara o som de Louis para as novas gerações.

São 12 takes, doze lindos e fantásticos takes. Veja o tamanho da Line Up que fez o instrumental nesse disco, isso sem contar os convidados de cada faixa. Tente mensurar a qualidade sonora, a riqueza de detalhes e o brilhantismo de todos os arranjos. Vale ressaltar que aqui não teve produtor, o Sr. Rebennack que montou tudo isso, só com a equipe de metais dá pra montar dois times de futebol.

Aquele clima de música caldeirão, tempero forte, apimentado, swingado com aquele remelecho Vodoo Lounge. O som do Louis Armstrong nunca soou tão malandro e esperto, aqui, com toda essa orquestra, piano, guitarra, um mar de baixos acústicos, todo o aparato (que é importante que se diga não deixa o som ”enfeitado” demais), atinge o apogeu da malandragem de Louisiana.

Pega temas que ficaram carecas de serem tocados de forma conservadora como ”What A Wonderful World” e coloca linhas de trompa costurando trompetes e saxofones. Transforma em Jazz Funk temas que nos anos 50 nunca pensaram em swingar como ”Mack The Knife”, e conclui a repaginada com a cereja do bolo: seus vocais. Cordas vibrantes que nunca parecem estar no ritmo, mas que sempre estão e aquele quê excêntrico que só é achado nesta meca criativa.

Ele vira a música do avesso, refaz toda a costura, aproxima o ouvinte com a percussão, pega um cubano fumê em ”Tight Like That” e chama o Folk da Bonnie Raitt com ”I’ve Got The World On A String”. Tem Folk, Jazz, Funk, Gospel, ”Gut Bucket Blues”, ”Sometimes I Feel Like A Motherless Child”, ”That’s My Home”. O que temos aqui é uma aula de música, sinônimo de Dr. John, inclassificável, e que tem tudo para ser mais uma vez multipremiado. R.I.P Louis Armstrong, seu legado está em ótimas mãos.

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