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Dr. John e o Voodoo psicodélico de Gris-Gris

nova-orleans

Gris-Gris, primeiro LP do Dr. John, é a porta de entrada para uma das discografias mais interessantes dos anos 60, 70 e 80. 

Será que um disco pode mudar sua percepção com relação ao ambiente externo? Será que uma jam tem a capacidade de afetar suas faculdades físicas, psicológicas ou até mesmo neurológicas?

Apertar play no som e ter alucinações, aumento de sensibilidade, flashbacks… Sempre duvidei disso, sempre tive plena certeza de que apenas as drogas poderiam mexer tanto com o ouvinte, mas aí ouvi o primeiro disco do Dr. John e comecei a reconsiderar certas hipóteses.

Dr. John e Malcolm John Rebennack Jr

Gris-Gris”, lançado em 1968 é um carregamento de narcóticos em forma de LP. Primeiro disco lançado por Malcolm John Rebennack Jr, este debutante marca o começo da carreira do ”Nite Tripper” (apelido do mestre das receitas e atestados), além de captar a essência de seu peculiar elixir musical.

Gris-Gris é o embrião de toda a sua identidade musical. O LP – lançado via Atco Records – também estabeleceu seu vulgo (”Dr. John”) e ainda trouxe de brinde uma música que se destaca por unir a percussão das religiões africanas, seu tradicional Blues com Cep de New Orleans e o Rock Psicodélico.

Line Up:
Jessie Hill (vocal/percussão)
Bob West (baixo)
Harold Battiste (baixo/clarinete)
Ronnie Barron (vocal/percussão)
Dr. John (vocal/teclado/guitarra/percussão)
Joni Jonz (vocal)
Plas Johnson (saxofone)
Prince Ella Johnson (vocal)
Richard ”Didimus” Washington (guitarra/percussão)
Shirley Goodman (vocal)
Lonnie Boulden (flauta)
Sonny Ray Durden (vocal)
Steve Mann (guitarra/banjo)
Tami Lynn (vocal)
Ernest Mclean (guitarra)
Mo Pedido (percussão)
John Boudreaux (bateria)
Dave Dixon (vocal/percussão)

Track List:
”Gris-Gris Gumbo Ya Ya”
”Danse Kalinda Ba Doom”
”Mama Roux”
”Danse Fambeaux”
”Crocker Courtbullion”
”Jump Sturdy”
”I Walk On Guilded Splinters”

 

Dr. John – Gris-Gris

A história do Dr. John é uma das mais peculiares dentro do mundo da música. Apesar do modo de vida caótico do multi instrumentista, compositor e arranjador, esse trabalho cria um panorama musical tão único que é até difícil traçar algum paralelo, principalmente considerando o período.

Um dos projetos que podemos mencionar são os discos do Ginger Baker ao lado do Air Force, principalmente em função do trabalho percussivo, no entanto, eles possuem particularidades bem específicas.

Vale lembrar que a influencia africana na música do Dr. John surge em função da religião Voodoo (presente nos Estados Unidos, principalmente no estado de Louisiana), com maior representatividade no Benim, Senegal, Haiti e Trindade e Tobago.

No caso do Ginger Baker, seus rudimentos como baterista de Jazz e o apetite voraz de sua abordagem para com o instrumento, encapsulou o Jazz-Rock com as influências que o baterista britânico agregou com seu ídolo, o também baterista (viciado em heroína), Phil Seamen

É impossível dizer que existe “uma música africana”, pois cada país possui suas características e todo o continente se influenciou mutuamente, imprimindo esses dialetos no som. Essa veia do Voodo que influenciou o Dr. John, por exemplo, é apenas um dos caminhos da genealogia musical que deu origem a diversos estilos, sendo o Afrobeat o rótulo mais conhecido.

O brilhantismo desse trabalho, no entanto, está na maneira com a qual o pianista trouxe essas referências e conseguiu de fato criar uma sonoridade com todas essas referências. Não existe nenhum elemento que fica sobrando, o todo é muito coeso e entrega uma verdadeira experiência. Outra coisa que gosto de destacar é o flow contínuo do disco, o som se desenrola como num culto e a improvisação com certeza foi um dos pilares que conceberam essa dádiva.

Vale lembrar que antes de gravar este LP, o cidadão  estava preso por vender drogas e bancar uma clínica de abortos clandestinos. Antes de ter problemas sérios com a lei, Malcolm trabalhava como músico de estúdio em New Orleans, mas precisou se mudar para Los Angeles em 1965.

Em 1967 ele gravou “Gris-Gris” em Hollywood, no Gold Star Studios, com produção de Harold Raymond Battiste Jr, compositor, arranjador, ator, músico e professor, responsável por contribuir em trabalhos de nomes como Sam Cooke Sonny and Cher, por exemplo. Harold morreu em 2015, mas foi um nome fundamental para a cultura de New Orleans e com certeza foi peça chave para atingir essa sonoridade. 

Dr. John de Nova Orleans

Sobre a origem do nome Dr. John, é válido tecer alguns comentários, pois a história se conecta com a proposta. Existem divergências quanto a origem do verdadeiro Dr. John de Nova Orleans. Não se sabe ao certo se ele era senegalês ou haitiano, mas os registros são datados do século 19 e dizem que foi nesse período que ele esteve em Nova Orleans.

O pianista já contou em algumas entrevistas que o seu tataravô foi preso com o próprio Dr. John, em decorrência das cerimônias religiosos que a dupla fazia num bordel em 1860, no entanto, outras fontes sugerem que o Dr. John estava morto em 1860 – ou que ele sequer ao menos existiu. Uma das “teorias” mais aceitas é que o Dr. John não se trata de uma pessoa, mas sim um espírito africano que poderia ajudar nas celebrações.

Pesquisando sobre o Dr. John que o pianista conheceu em New Orleans, percebi que o nome “Dr. John Montaine” também é conhecido por diversas alcunhas diferentes, como Prince John, John Montaigne, Jean Grisgris, Jean Bayou, Voodoo John e muitas outras.

Vale lembrar que os escravos de Senegal já estavam em Nova Orleans desde 1720. É possível que isso de fato tenha acontecido e toda essa mística acabou contribuindo para o quê midiatico desse lançamento.

Ahmet Ertegun, presidente e cofundador da Atlantic Records (dono da Atco na época), não fazia ideia de como lançar “Gris-Gris” no mercado e alegou que essa sonoridade não teria público. De fato, o disco foi um fiasco comercialmente falando, mas passados mais de 50 anos desde seu lançamento, o primeiro disco do Dr. John é bastante valorizado, direcionando uma renovada atenção também para o começo de sua carreira, onde discos como “Babylon” (1969), “Remedies” (1970), “The Sun Moon & Herbs” (1971), “Dr. John’s Gumbo” (1972) , “In The Right Place” (1973) e tantos outros, acabaram criando uma sonoridade que foi valorizada tardiamente.

O groove de Gris-Gris

A voz do Dr. John anuncia o disco e o vocal rouco, meio cantado/declamado inaugura os primeiros segundos do play. Sua principal habilidade estava nos arranjos e composições ao piano, mas sua abordagem também na voz é bastante interessante. Suas investidas são administradas como se o disco fosse um sermão, e “Gris-Gris Gumbo Ya Ya” é responsável por iniciar a cerimônia.

O trabalho dos backing vocals nesse tema é muito interessante, pois ele acabam funcionando como a harmonia da faixa. O instrumental chama a atenção, pelas trocas de perguntas e respostas entre a percussão e os metais, que guiam a dinâmica musical.

Outro ponto de destaque é como o Dr. John se aproveita dos timbres de corda, trazendo o som do banjo, mandolin e da guitarra slide para ajudar a compor o tear do fundo musical. É possível observar como ele utiliza esse recurso em “Danse Kalinda Ba Doom”.

Com base na vasta experiência gravando Pop e Rock, Dr. John Creaux (nova alcunha que ele usa para assinar os créditos de composição), mostra sua habilidade na hora de compor faixas aderentes ao formato radiofônico. Em “Mama Roux”, os vocais no refrão e o vocal canastrão mostram sua habilidade de compor hits em potencial.

O disco se transforma num grande mantra, divido em seções, com “Danse Fanbeaux” como último ato do lado A. O lado B é inaugurado pelo instrumental fantasmagórico de “Croker Courtbullion”, composição de Harold Battiste que sugere como a improvisação contribuiu para a construção dessa sonoridade.

“Jump Sturdy” remonta aos primórdios do Blues, mas também remete ao chamado swamp music, música originada no texas, que mistura as influências da música tradicional de New Orleans com elementos do Country, por exemplo.

Mas o que dizer da conclusão do disco com o “I Walk On Guilded Splinters?” Com certeza o Mick Jagger chamou o Kieth Richards para escutar esse som, antes de compor “Sympathy For The Devil”. E pensar que inicialmente o Dr. John queria contratar um cantor para ser o frontman de sua banda… Ainda bem que Ronnie Barron (cantor, ator e músico de estúdio) não aceitou.

Diz, aí, bateu uma onda forte? Escute a discografia do Dr.John. 2 discos por semana, com intervalos de 8 horas e você vai ficar no prumo.

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