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Doom Crew Inc. recarrega as baterias do Black Label Society

Doom Crew Inc.: Zakk e sua trupe homenageiam equipe e fãs com material versátil e inspirado. 

Nasce um guitar hero 

Zakk Wylde é, sem dúvidas, uma verdadeira instituição da música pesada, e acho que todos já estão cansados de saber sobre sua trajetória de bom rapaz católico criado em Jackson, New Jersey, para uma das maiores potências da guitarra de todos os tempos. Acontece que por mais que o berserker tenha se tornado, para muitos, um pouco repetitivo, tanto nas suas composições quanto no empunhar das 6 cordas, é impossível não correr para, ao menos, ter uma ideia do que o velho Zakk anda cozinhando, quando um novo trabalho é anunciado. 

Além de voltar às manchetes como, novamente, fiel escudeiro do nosso querido príncipe das trevas, função que lhe deu todas as glórias, já que não seria fácil para qualquer ser humano comum continuar trilhando o caminho pavimentado por Randy Rhoads e Jake E Lee, ainda temos mais um furioso capitulo da história da banda que lhe deu uma nova identidade. O BLS lhe permitiu criar um mundo só dele em visual, conceitos e assinatura que não o deixasse na história apenas como substituto de luxo para os gênios citados. 

Zakk é daqueles artistas que mudaram a minha vida. Ao sair do lado do chefe, revelou ao mundo seu coração tomado pela tradição de sua terra natal, e gravou dois dos melhores discos dos anos 90, sendo o primeiro, o Pride & Glory, do trio homônimo. Este é um verdadeiro tratado de como o southern rock poderia se reinventar, com a crueza, magnitude e agressividade que parecia ter perdido, quando flertou com a sonoridade da década anterior. 

O outro, Book of Shadows, bem, simplesmente me apresentou à alma que só poderia ser encontrada em uma mistura belíssima entre folk, blues e R&B, em um disco que acabou sendo um dos cartões de visita para me levar à esse universo. Duas obras primas, e que, sim, foram talhadas com muito esmero e delicadeza pelo bruto dos mais brutos. O cara tem coração, e quando ele o coloca na música, pode dar vida à algumas das mais inebriantes imagens que estão escondidas em um lugar distante da nossa mente. 

Acontece que esses dois projetos revelam, como dito, muito mais a influência de Neil Young, Elton John e Gregg Allman(esse até no timbre de voz), entre outros, todos na lista dos seus grandes heróis, do que realmente a conexão com os cavernosos riffs do Iron Man, Tony Iommi, e as canções daqueles lendários 6 primeiros discos que todo mundo pode confiar. Discos estes que foram reproduzidos à exaustão por Zakk e seus antecessores ao longo de sua jornada com o Madman, e era isso que o grande público mais queria. Era hora de Mr. Wylde voltar aos temas arrastados e soturnos, e foi com esse ofício que o Black Label Society foi criado.  

A Doom Crew cai na estrada

O BLS chegou com tudo, com uma trinca de discos que realmente mostrava um renascimento do seu líder para o grande público. Com o poder de fogo de Sonic Brew, Stronger Than Death e de seu primeiro grande clássico, 1919 Eternal, feito por faixas que formariam um vindouro álbum do Ozzman, Zakk já tinha formado uma verdadeira tribo de seguidores, ganhado respeito máximo da mídia especializada e de seus colegas de trabalho. 

Agora, sentia-se até mais confiante para deixar a mistura de heavy tradicional britânico com doom e stoner um pouco de lado, para experimentar mais das influências do metal alternativo do Alice in Chains e Soundgarden, hard rock bem americano de Aerosmith e Van Halen, a psicodelia de Beatles e Floyd, e até uma aproximação de seu timbre de voz com o do patrão, que foram marca de sua fase mais versátil e celebrada. Esta foi capitaneada por The Blessed Hellride e Mafia, e DVDs maravilhosos, como meu preferido The European Invasion – Doom Troopin´Live(vi até gastar), transformando o Black Label na principal banda dos anos 2000. 

Ao atingir o status, que talvez hoje pertença ao Gojira, Zakk e sua gang reinaram absolutos como headliners de festivais naquela década e passaram a estar em todo lugar, enquanto sua barba só aumentava de tamanho, e seu visual continuava migrando do jeans e flanela para o de um personagem diretamente tirado de um episódio de Sons of Anarchy. Wylde parece ter se perdido nessa persona, e passou a estar mais nas páginas de fofoca, do que nas que festejavam seus álbuns, que apesar de terem sempre mantido um nível de qualidade, estavam entrando naquele luxuoso, porém, redundante, limbo do Maiden, Ramones, Motorhead e AC/DC. 

Father Zakk passou a mostrar sempre mais do mesmo, jogando seguro para um seleto grupo de fãs, que agora o via mais como entidade, bem nos moldes de Lemmy, Angus e Slash. Talvez, ele tenha até se transformado em uma caricatura de si mesmo, por um tempo, e abusado da repetição das técnicas de guitarra e composições que sentiam o peso da obrigação de emular o legado do Sabbath. Isso assustou até mesmo o patrão, que achou que o artista não tinha mais como se reinventar, procurando, assim, por outras parcerias para modernizar seu som. 

O que temos sentido de Wylde ultimamente é realmente uma fase de equilíbrio, com ele abrindo seu leque novamente, permitindo-se explorar sua emotiva e folk carreira solo, o trabalho com o Zakk Sabbath, que já mata a fome dos fãs, quando o assunto é bruxaria, e preservar o Black Label justamente para ser aquela grande banda de arena que todos esperam que seja. A banda não precisa procurar caminhos para ser a novidade do death metal com saxofones, mas pode ser o palco para Zakk florescer como grande compositor que é, e que consegue juntar em uma mesma canção o melhor dos dois mundos, com os energéticos riffs de um Randy Rhoads e as grandiosas melodias de um Elton John. 

Baterias recarregadas

Como fã, ouvi demais o Grimmest Hits, último esforço do grupo, mas me distanciando da condição, devo reconhecer que ele não se apresenta entre seus melhores trabalhos. Ocorre que a busca pelo equilíbrio que mencionei anteriormente, apresenta-se como grande mérito por lá, já que a produção revelava um conteúdo bem mais orgânico que o de outrora.  

Ainda nos mostrava o guitar hero deixando de lado a obrigação de se manter apenas chocando com solos cheio de fritação e riffs lotados dos seus tradicionais harmônicos, tudo que passou de marca para puro exibicionismo. Grimmest reapresenta o Zakk compositor que trabalha para os anseios das canções, bem como o brilhante respiro que veio na forma das baladas southern rock, altamente influenciadas por Allman Brothers, que mostram o berserker despido de toda a pose de rockstar, e apenas querendo entregar a melhor das experiências para o ouvinte. 

Agora, Wylde e sua gang estão de volta para lapidar ainda mais essa fase de retomada. Doom Crew Inc., lançado no fim de novembro, chega ainda mais variado que o anterior, mais forte nas composições, e com foco total em explorar o que seu líder tem de melhor, seja nos vocais, com nuances que abraçam cada música, individualmente, ou nas guitarras, dignas de trilhas para vários air guitars no meio da sala. 

O single “Set You Free” abre o álbum nos avisando que a banda quer jogo, já nos apresentando uma produção sem todo aquele som condensado, que tem sido marca de alguns lançamentos mais recentes, soando bem equilibrada, com espaços para explorar a musicalidade de cada integrante. Quanto à canção, solo fumegante e refrão para ser entoado com punhos pro alto. O Label fazendo hit, como há muito tempo não se via. 

Ainda falando de músicas de trabalho, podemos citar “End of Days”, outra melodia bem roqueira, que poderia facilmente figurar em um dos discos do Ozzy, ou na programação de uma rádio rock. Novamente, faz-se necessário exaltar como a energia parece renovada no som do grupo, e como sentimos que conseguem balancear um espírito setentista com uma pegada bem radiofônica. 

“You Made Me Want to Live” já mostra outra faceta do BLS. Aqui, o grunge, que foi inspiração forte no início de carreira, é revisitado, com vocais incríveis à lá Chris Cornell, solo bem criativo, e aquela atmosfera mais psicodélica do Soundgarden. 

“Forever And A Day” traz o primeiro momento baladeiro do álbum. Na belíssima composição, Father Zakk busca por sua forte influência de Paul McCartney, para nos trazer um petardo emocionante, onde seu vocal passeia por regiões pouco prováveis. Vale pontuar ainda a absurda sensibilidade nos solos, mas que mantem a pegada de arena, que já promete, se tocada ao vivo, ser um dos momentos mais impactantes do show. 

Hoje, a combinação entre Beatles e Black Sabbath parece mesmo ser a base das construções do barbudo, e os momentos que nos lembram a banda do Iommi não podiam faltar. “Destroy & Conquer” vai fazer a festa dos fãs, com uma já tradicional colagem de riffs bem Sabbath pra ninguém botar defeito, e alguns dos solos mais fritadores do lançamento. 

“Gospel of Lies” ainda nos mantem com os dois pés em Birminghan, mas dessa vez, valorizando ainda mais o peso e a cadência do doom, lembrando até o Candlemass, em alguns momentos. É sempre bom ver o Zakk lindando com suas paixões de um jeito tão bem executado. 

Com melodias que nos levam direto para a fase final dos garotos de Liverpool, e licks herdados do verdadeiro homem de ferro, sentimentos que Crew traz o grupo bem mais lento, arrastado, e sem aqueles grooves frenéticos dos primeiros esforços, que ficavam entre o Pantera e até bandas de New Metal. No entanto, “Ruins” e “Foursaken” trazem de volta aqueles musculosos e circulares riffs característicos daquele tempo, e apesar dos ecos southern rock em alguns vocais e timbres de guitarra, representam a hora mais familiar, e talvez, repetitiva, para os fãs de longa data, no disco. 

O momento mais emotivo do álbum vem na forma de “Love Reign Down”, composição da época do No More Tears, sobre a morte da mãe do Zakk, que deixa claro, em cada nota tocada no piano, o porquê de ela ter sido revisitada. Nela, o vocalista derrama suas inspirações gospel e southern como lágrimas, e traduz bem o tema triste, mas que reafirma a sua fé. Fé esta que sempre se faz presente nas letras de seus projetos.  

Presente pros fãs 

Começando da capa, que chega como mais uma ótima estampa para seu estimado e característico merch, coisa que também não entregavam, tinha muito tempo, tudo aqui se apresenta como uma grande homenagem à toda a família Black Label Society. Doom Crew Inc. não procura por uma indicação ao Grammy, ou comparações com os Gojiras da vida, apenas criar um bom e maduro disco que possa equilibrar de forma saudável todas as facetas da gang de motoqueiros.  

Com muita verdade, variedade, e foco em mostrar que a composição está acima de qualquer amarra, a banda entrega um grande presente de final de ano para seus die-hard fans. E se a ideia de Zakk Wylde nunca foi se reinventar, podemos dizer que Doom Crew Inc. é, sem sombra de dúvida, seu disco mais Black Label Society em muitos anos. SDMF. 

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