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Domingo Menino Dominguinhos (1976) a voz de um ícone

Domingo Menino Dominguinhos 1976 é o disco que nos deu a “voz” de Dominguinhos, analisamos aqui essa obra prima da nossa música!

Dominguinhos foi sem dúvida alguma um dos maiores nomes da música brasileira, provavelmente o seu maior sanfoneiro, tendo humildemente superado seu mestre, o Rei do Baião Luiz Gonzaga. Nascido em 1941 em Garanhuns no agreste pernambucano, filho de família humilde com 15 irmãos, cedo descobriu as dificuldades da vida. Mas cedo também, começou a se apresentar com seus dois irmãos Moraes e Valdomiro, como os Três Pinguins, onde era conhecido como Neném do Acordeon, apesar de ter começado com o triangulo e o pandeiro.

Nessa luta diária por alguns trocados se apresentando com os Três Pinguins em frente ao hotel Tavares Correia em sua cidade, chamaram atenção do mestre Lua, que lá se hospedava para uma apresentação na cidade. Diante da desenvoltura do menino Domingos, Gonzagão lhes presenteou com uma quantia em dinheiro que durou três meses de sustento a toda a família.

Já em 1954 fugindo das dificuldades, foi com seu pai pro Rio de Janeiro em um pau de arara numa viagem que durou 11 dias. Em lá chegando foram procurar Luiz Gonzaga que lhe presenteou com uma sanfona de 80 baixos, e certamente essa foi a senha pra que Dominguinhos não parasse mais.

Com mais de 40 discos gravados ao longo de uma carreira que se confunde com o tempo de sua própria vida, Dominguinhos tem no seu trajeto como músico algumas pistas muito interessantes para entendermos como ele se tornou para alguns o maior sanfoneiro do Brasil. Em 1964 grava seu primeiro disco a convite do grande Pedro Sertanejo, que tinha acabado de criar a Cantagalo, pra lançar seus próprios discos. Pedro Sertanejo, pai do outro grande mestre Oswaldinho do Acordeon e sua marcante iniciativa de criar a Cantagalo depois Tropicana, merecem uma matéria exclusiva, dada sua imensa importância. Do primeiro disco até 1975, Dominguinhos grava outros 6 Lp’s, todos de excelente qualidade, com excelente escolha de repertório, onde o artista exibe seu pleno domínio do instrumento. Mas ainda não tinha encontrado uma voz própria em sua arte, algo que o distinguisse completamente de outros grandes músicos da época.

Durante esse período de sua chegada no Rio até mais ou menos 1975, Dominguinhos na luta por sua sobrevivência em sua busca por trabalho nas noites cariocas tocou em muitas boates. Tendo que se adaptar a diversos estilos musicais pouco usuais para sanfoneiros, tocando Bossa Nova, Twist, Chorinho, Sambas, Boleros e toda sorte de ritmos que a noite pedisse. Ao mesmo tempo ganhou fama como músico e arranjador no grupo do Mestre Lua, o que levou a começar a ser solicitado por nomes importantes da MPB. Em 1973 Dominguinhos passa a integrar a banda de Gal Costa com quem gravou o icônico Índia no mesmo ano, na companhia de grandes nomes com Toninho Horta, Luiz Alves, Robertinho Silva, Arthur Verocai, Tenorio Jr. entre outros. Logo depois, tem a música “Tenho Sede” de sua lavra, gravada por Gilberto Gil no clássico Refazenda (1975) e passa a fazer parte da banda do compositor baiano, onde também fazia o papel de motorista, como já antes quando excursionava com Gonzagão.

Esses diversos contatos, com estilos musicais diferentes, com artistas e técnicas diversas parece ser o motor principal para o salto artístico que o menino Domingos dará e que começa com o seu disco O Forró de Dominguinhos lançado em 1975. Onde já é perceptível como os arranjos de grandes clássicos do forró, recebem baixo, guitarra e bateria, sem abrir mão do regional, com a zabumba e o triangulo. Assim começando seu processo de modernização e de universalização da linguagem do Forró em seus diversos ritmos. Seus solos aqui, já são executados com maior complexidade e o groove sendo inserido aos poucos. O sanfoneiro ainda não canta, tendo todas as faixas cantadas por um coro de mulheres, o que nos remete a uma percepção diferente do comum. Mulheres que infelizmente não consegui identificar, assim como os instrumentistas presentes nesse delicioso disco. Um clássico pouco comentado, mas que pode ser considerado o elo perdido entre o Dominguinhos exímio músico e o compositor/criador dos discos seguintes.

Porém diante dessas informações todas, falta ainda talvez um dos elementos mais importantes dessa lenta e aprofundada mutação, e ela responde pelo nome de Anastácia. Uma cantora e uma das maiores compositoras que a nossa música já teve o prazer de ouvir. É dela todas as lindas letras em mais de 200 composições junto a Dominguinhos. Uma história de amor que durou 11 anos e transbordou pra arte da melhor forma. Os dois se conheceram durante uma turnê do Luiz Gonzaga pelo nordeste, onde Dominguinhos ainda fazia parte da banda do mestre.

É a partir desse contato que vamos ver Dominguinhos seguir humildemente o conselho do velho Gonzaga: “Você precisa gravar e cantar os seus sucessos, cabra.“. E foram com as poesias de Anastácia musicadas e cantadas por Dominguinhos que ainda em 1975 um raríssimo compacto com duas faixas – Dengo da Bahia e Lá e Cá – foi lançado. E aqui é que temos o verdadeiro inicio dessa parceria registrada em toda a sua grandiosidade. Pois já é possível encontrar composições da dupla no disco do mesmo ano.

Apesar de pequenino e pouco conhecido e escutado não é exagero algum afirmar que esse compacto anuncia com perfeição tudo o que viria a seguir. Em “Dengo da Bahia“, já percebemos a inclusão de metais, a letra cantando saudade e amor com aquela melancolia gostosa que ouviríamos em várias outras composições da dupla. O baião “Lá e Cá” já aqui com um groove de baixo e bateria, flertando perigosamente com influência do funk soul, e a sanfona de Dominguinhos solando com uma naturalidade há muito conquistada.

Além dessa parceria fadada ao sucesso, entre uma excelente compositora e um músico em pleno domínio de todos os aspectos técnicos e agora criativos que seu instrumento possibilitava, a lista de músicos presentes nessa obra é um assombro. Domingo Menino Dominguinhos (1976) conta com nomes da primeira linha da música brasileira, músicos e arranjadores, que com sua participação elevaram as criações e aspirações de Dominguinhos ao lugar merecido. Wagner Tiso, Gilberto Gil, Jackson do Pandeiro, Toninho Horta e Perinho Albuquerque, são os nomes mais conhecidos. Porém temos também Paulinho Braga e Pascoal na bateria e Moacyr Albuquerque no baixo. Um time de primeira pra dar vida a composições que marcaram a música brasileira pra sempre. E elevaram o forró a uma universalidade que antes não possuía. Sem perder a autenticidade e os aspectos mais tradicionais, Dominguinhos consegue produzir uma obra onde Samba Rock, Jazz, o balanço black da época, se encontram sem descaracterizar os nossos ritmos nordestinos, tudo isso numa áurea pop. 

Em 12 canções vamos do lamento cheio de doce melancolia em “Quero um Xamego“, passando pelo balanço irresistível numa linda homenagem a Jorge Ben em “Babulina“, apelido do cantor carioca. Maravilhoso o trabalho da sanfona de Dominguinhos que sola numa desenvoltura cheia de suingue e ao mesmo tempo ataca no riff com uma força incrível, como se houvessem duas sanfonas. “Destino Traquino” traz uma linda descrição da natureza sertaneja e a história de um amor perdido. Wagner Tiso no piano elétrico em bonito duelo com a sanfona do mestre é um deleite poucas vezes ouvido.  De “Mala e Cuia” outra composição Dominguinhos e Anastácia, é outra atualização maravilhosa num xote balançado onde a guitarra de Toninho Horta ritma com o wah wah de levinho.

Um samba dolente marca a única composição solo de Anastácia no disco, “Minha ilusão“, uma linda reflexão sobre a velhice e a transformação dos sentimentos, da visão de mundo que a idade nos traz. O violão que ouvimos é de Gilberto Gil e o pandeiro do Rei do Ritmo: Jackson do Pandeiro. “Gracioso“, única composição estrangeira do mestre Canhoto, é executada com a genialidade que a essa altura já ficou mais do que evidente pro ouvinte. E talvez seja aqui nessa música um bom momento pra voltarmos a um dos pontos que tocamos acima, sobre Dominguinhos ter superado o seu mestre Luiz Gonzaga. O grande criador do forró não pode ser superado, pois é o grande sintetizador, da cultura de um povo, erramos em falar em superação. Lua é eterno enquanto existir o território nordestino do Brasil no planeta Terra.

Porém, por diversos motivos, Dominguinhos ultrapassou o seu mestre na execução da sanfona, ao levar os ritmos nordestinos de encontro a outras sonoridades, ao trazer a linguagem do povo nordestino que Gonzagão plasmou bem em seus  clássicos, a outros universos. Modernizou a música nordestina como um todo, e a elevou a um novo patamar sem perder nem uma pontinha de suas raízes, ou se se quiser sem Estilizar o Forró.

Ouvimos “Forró do Sertão” nesse disco e a familiaridade e a contemporaneidade é instantânea, não há o travo da tradição e nem a estranheza da novidade. “Veja“, traz a doçura das relações amorosas, numa chave pouco discutida na época, principalmente dentro de um estilo ainda muito machista. Casais vivendo em casas separadas, e mantendo, renovando suas relações.  “Cheguei Pra Ficar” é uma música otimista que de alguma forma reflete exatamente sobre a força do povo e de suas manifestações. E que curiosamente tem como música seguinte a triste “Canto de Acauã“, que tem por objeto o secular àquela época, problema da seca.

Finalizando o disco a instrumental “Baião Violado”, composição solo do Dominguinhos, onde o Forró Jazz é a chave para a turma improvisar sem deixar o forrobodó esfriar. Certamente é a primeira música em nosso pais a levar o ritmo nordestino, o baião, nessas alturas. Wagner Tiso, Toninho Horta e Dominguinhos se revezam em improvisos impressionantes, coisa de ouvir de olhos fechados, como aliás o é, todo o disco!

Infelizmente esse clássico da nossa música originalmente lançado pela Philips/Phonogram em 1976 esta atualmente fora de catálogo, pois é assim que também se empobrece um povo, escondendo suas grandes obras. Mas felizmente existem outras formas de ter acesso ao disco, escutem, indiquem, uma obra como essa não pode ficar nos porões do esquecimento, precisa mais do que ser escutada, ser vivida.

No ano seguinte Dominguinhos lançaria outra obra prima Oi, Lá Vou Eu, disco irmão desse, mas isso é papo pra outra hora.

FICHA TÉCNICA:

Acordeon: DOMINGUINHOS Piano Elétrico: WAGNER TISO Violão: GILBERTO GIL Guitarra: TONINHO HORTA Baixo: MOACYR ALBUQUERQUE Bateria: ENÉAS COSTA, PAULINHO BRAGA, PASCOAL, CHIQUINHO AZEVEDO Percussão: CHIQUINHO AZEVEDO, JACKSON DO PANDEIRO, TINDA, CÍCERO Vocal: DENISE, CLAUDINHA, EVINHA, MARISINHA, REGINA Arranjo vocal: PERINHO ALBUQUERQUE

Arranjo de flauta: PERINHO ALBUQUERQUE Arranjo de cordas: PERINHO ALBUQUERQUE, WAGNER TISO (Baião Violado) Arranjo de base: DOMINGUINHOS, GILBERTO GIL Direção de Produção: PERINHO ALBUQUERQUE Estúdio: PHONOGRAM (8 Canais) Técnicos de Gravação: LUIZ CLÁUDIO, JOÃO MOREIRA Assistentes de Gravação: JULINHO, RAFAEL ISAAC Montagem: JAIRO GUALBERTO Corte: JOAQUIM FIGUEIRA Direção de Arte e Capa: ALDO LUIZ Lay-out: LOBIANCO Arte-final: JOSÉ PAULO / JORGE VIANNA Foto: JOSÉ MARIA DE MELLO

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