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Djonga no terceiro disco, botando fogo no parquinho: Ladrão (2019)

Djonga no terceiro disco, botando fogo no parquinho: Ladrão (2019). O mc mineiro segue numa caminhada de luta e verdade através do Hip Hop!!

Como artista, Djonga não comeu pilha, não se deslumbrou com os elogios, com os apertos de mãos e tapinhas nas costas dos inimigos. Como homem ele sofre as mesmas dores que muitos de nós, num país racista como o nosso, mas estrategicamente fincou os pés na sua cidade, na sua familía na sua ancestralidade e na cultura hip hop.

O resultado desse processo pode ser escutado em Ladrão (2019) e entendido literalmente como o título de seu terceiro disco berra. Ser ladrão, é uma postura do artista dentro do mercado cultural e toda trama que se enreda em volta de si e dos seus. Ser ladrão é hoje não se tornar um mascote da classe média branca, e de todo sistema racista que atua em diversos níveis no nosso país. Em pleno século 21, num momento onde o rap se encontra numa tensão mercadológica e estilística, entre a apropriação cultural e o “embraquecimento” de seu conteúdo, o seu terceiro disco vai na contramão do tempo.

Djonga se faz um dos mais contemporâneos do cenário atual, mesmo sem grandes invenções vanguardistas nos beats ou grandes linhas de um liricismo mirabolante, sem utilizar abstrações fáceis para nos empurrar uma genialidade forçada. Dialoga com o seu tempo estando fora dele, gritando e canetando exatamente para não seguir a moda, por se fincar no mais velho (ancestralidade e luta antiracista) conteúdo do hip hop.

Nos parece que o rapper mineiro, se destaca quanto mais se coloca de modo “simples”. São tempos onde reafirmar o óbvio é inovador, e onde muitas inovações são espelhos do vazio dos tempos. Pense-se por exemplo, em quanto há um rompimento da moda e do mercado, no fato de lançar três discos em três anos. Em meio a cultura do single, um dos artistas do rap que mais fez shows no ano passado, conseguiu começar o ano com um disco, seguindo a já consagrada tradição de lançar no dia 13 de março, seus discos.

O disco Ladrão (2019) é a nova heresia do menino que queria ser Deus, e é importante nesse momento onde a rapidez sempre age contra nós, pensar um pouco nessa construção artística e política que o rapper mineiro vem elaborando. Lá em Heresia (2017) aquele que não é bom falar o nome – senão aparece aqui e pede pra escutarmos o disco dele – dizia: “As alianças nascidas das rendições são contratos de multa alta“.  Djonga não se rendeu, segue ao longo das faixas do novo álbum sem pagar pau pro sistema racista, roubando deles.

Em seu novo álbum Djonga continua “trocando tiros” com uma firmeza que impressiona demais, pois é momento de rappers bunda mole, fofoqueiros, fakenews de parcerias internacionais, contaminando a cena. Para não falar dos abusadores, agressores de mulheres, homofóbicos, e todas essas merdas que não param de pipocar na cena.

Um dos responsáveis por rescurecer o cenário mais mainstream do rap brasileiro, segue escrevendo com carvão, batendo em tudo, e nesse disco buscando variar seus flows, mantendo os beats mais confortáveis pra sua construção, mas o que mais nos importa aqui: BOTANDO FOGO NO PARQUINHO INTEIRO.

Em seu disco de estréia Djonga fez 10 faixas gritando com o mesmo flow, e reouvindo agora, o disco permanece uma peróla negra. No ano seguinte, com O Menino Que Queria ser Deus (2018), Djonga fez sua obra prima até aqui, seu melhor disco, o melhor construído, o mais bem resolvido. Um ano depois ele vem com mais um disco que não nos decepciona nem um pouco.

Nessa pressa que nos consome e é amplificada pelas redes sociais, onde a ausência de pensamento é a regra, duas audiçôes quiseram fazer de Ladrão o disco do ano. Escutando novamente e com atenção os discos lançados nos dois últimos anos, é surpreendente como essas obras ganham força e também alimentam o novo. Hoje, nos parece que o papel da crítica é o de frear esse desespero e ponderar as valorações, ao mesmo tempo em que ao analisar uma obra, contextualiza-la dentro do conjunto da produção e obviamente dentro da contexto histórico.

Além de “Ladrão”, traidor, Djonga atravessa uma britadeira nos ouvidos da branquitude que faz hoje a popularização gigantesca que o rap alcançou, e certamente não precisará da validação dos brancos. A quantidade de linhas arrebatadoras presentes nesse disco, é a mesma dos outros, as temáticas são as mesmas, com leves variações. Nem um passo atrás diante do status quo racista, pelo contrário, se antes o lance era ver “racista baleado”, agora, é ver o parquinho inteiro deles em chamas, raça primeiro.

O projeto visual do disco é brilhante, produção que ficou a cargo de  Assis176 e Bruna Serralha (176studio), arte de Álvaro Benevente Jr. A cabeça arrancada de um membro da Ku Klux Klan, é o presente para os ancestrais que esse filho de Ogum nos trás, como representante no rap do orixá civilizador e pai da tecnologia. Afirmação simbólica da missão que negros e negras na diáspora tem a cumprir. A mão com correntes e dinheiro, é o mínimo que eles nos devem, porque sabemos, eles nos devem até a alma. Dito isso, a capa do disco do Djonga é já uma carta de intenções, um caminho, oferenda boa sem gourmertização para Exu, que é quem dá caminho, é caminho.

O casal de ançiãos na contra capa, dignamente representados, é no fim das contas nosso sonho de futuro. Dignidade para os nossos mais velhos, e promessa de futuro, para que consigamos chegar assim. O disco possui participações de Filipe Ret, Mc Kaio, Doug Now e Chris Mc. A produção musical ficou por conta de Coyote Beatz e co-produção de Thiago Braga e tem sido fonte de críticas, o fato de que os beats parecem repetições dos trabalhos anteriores.

O disco no nosso modo de entender é uma excelente produção, coesa, original e combatente. Na medida em que ouvimos o disco cresce, e até as lovesongs que é algo que não nos agrada muito – somos ódio puro – crescem nas audições seguintes. O verso sobre diabo que o Filipe Ret solta nos parece bobo e de algum modo racista, mas gostamos dessa participação. Assim como as outras participações que engrandecem o disco. Afirmar que esse é o disco do ano é estupidez por motivos óbvios.

Se o álbum será um clássico também não sabemos, mas Djonga é já um clássico. Fazendo do seu modo de vida, de sua existência arte, se tornando um ser estético, um dos poucos da nova geração que estourou que podem se colocar como exemplo, sua vida e sua arte são frutos da cultura de resistência. E Djonga é sempre um sopro de vida na cultura hip hop, ele é a cultura hip hop. Ladrão (2019) vem para nos lembrar o que é o rap, qual a sua função social e politica, e ao mesmo tempo mostrar como isso pode ser feito com brilhantismo estético. 

De nossa parte nos agrada que Djonga siga fortalecendo essa casca dura e agressiva que ele brilhantemente criou sobre si, com aquele 10% de ironia e safadeza. Para alguns seria muito interessante ver ele gravar um disco com raps mais introspectivos e com experimentações sonoras musicais, quem sabe até falando um pouco de suas fragilidades, com backing vocals entoando cantos doces.

Esse desejo de que o Djonga se torne mais experimental e ousado me parece uma espécie de arapuca, como se o que ele estivesse nos entregando não fosse o que é preciso agora. E exatamente, o que por ora – nos últimos três anos – temos tido acesso, é o que é necessário para o rap hoje, uma de suas necessidades. e aquilo que é a sua grande qualidade também emana daí, ser alguém necessário nesse campo de tensão mercadológico que o rap se tornou. Um bloco de sensações e afetos típicos do “Rap de Mensagem” pouco “moderno”, pouco adequado às divisões e discussões estúpidas sobre Rap/ Trap/ Funk (Don L). De algum modo, rústico como um Bukka White, que realmente tá ficando rico? não sei e não nos interessa, nos interessa aqui o tsunami de papo reto preto, nos interessa que Djonga não seja deglutido pela classe média branca, nem precise de conceitualizações pseudo universitárias, para ser melhor esvaziado.

Não ser capaz de ser digerido pelo fino paladar hipster, que consegue em pouco tempo ditar o que tem e o que não tem qualidade e é válido para o rap. Ouvindo Djonga, eles (hipsters e classe média branca) ficam com um elefante atrás da orelha, e um gosto ruim na boca, podem até dizer que gostam mas no fim, sabem que ele está ali pra dar uma perpétua neles todos, ou talvez arrancar-lhes a cabeça. É o ladrão que eles aprenderão a odiar, ou perderão tudo que possuem de privilégios. Não fizemos análises de música a música porque continuaremos ouvindo até o próximo dia 13 de março. Façam o mesmo…

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