Djonga exauriu a fórmula em Histórias da minha área (2020) O quarto disco do rapper não empolga e repete os clichês dos álbuns anteriores !!
Escrever sobre o rap nacional é estranho por diversos motivos, seja pela falta de audiência, seja pelo chororô de um bando de Mc’s que não consomem as mídias e mesmo assim adoram reclamar pela falta de visibilidade. A prática de replicar releases, assumida por alguns veículos como uma forma de oportunizar visibilidade, na ausência de tempo, é também um problema. Pois ao vincular um texto feito sob medida para enaltecer trabalhos, encerra a discussão sobre as obras e cria uma cultura de comadres com os artistas. O que nos leva a o enorme problema de que críticas negativas, principalmente a nomes estabelecidos, são sempre encaradas como tentativas de deslegitimar carreiras. Esse coquetel esquisito e explosivo, impulsiona uma visão ao público muitas vezes errônea do que acontece de fato na cena do rap nacional, ou pelo menos interpretações mais honestas desses fatos.
Se adicionarmos a receita a ausência de pesquisa e a devida audição de artistas de fora do eixo, aí o caldo mal cozinhado pela “pelos portais” entorna de vez. Há sempre que se refletir sobre o contexto para que não sejamos misturados no caldo de quem elogia ou deprecia para causar, ganhar moral ou por interesses financeiros. Durante muito tempo críticas negativas a discos denotaram um poder dos críticos oficiais, assim como a ausência das críticas nos levava a ver aquilo que valia ou não ser considerado boa arte, aquilo que precisava ser escutado e o que não. Esse poder ainda subsiste, mas por aqui gostamos de potência e não de poder.
Ao longo dos últimos cinco anos, Djonga se tornou um dos jovens artistas negros de maior relevância nacional, deslocando o eixo para incluir BH e pouco a pouco, firmou seu nome de modo indelével na história do rap nacional. Tudo isso com muita honestidade artística e ética, muitos lançamentos marcantes e no último ano repetiu uma agenda de shows que não é pra qualquer um. Ao mesmo tempo, sempre demonstrou uma visão política que vai muito além do que os MCs médios possuem, o que é um vetor interessante para um artista que vem conquistando uma parcela do público branco e classe média. Que infelizmente seguem sendo os legitimadores, quando não aqueles que dominam o mercado lucrativo do rap nacional.
Nesse cenário e dentro desse contexto nos parece salutar pensar no disco do Djonga, o Histórias da Minha Área (2020). O lançamento do disco foi um enorme sucesso, e ficamos felizes por isso, não é porque não gostamos de um disco, que queremos o fracasso do artista. Mas, sim o quarto disco da carreira do rapper mineiro, é um disco muito fraco, se imediatamente comparado a tudo que ele entregou até aqui. Precisamos dizer de início que Djonga se utilizou de uma fórmula nos últimos anos que vinha funcionando até aqui, mas que nesse último lançamento não consegue chegar perto dos resultados estéticos dos tríade Heresia (2017), O Menino Que Queria Ser Deus (2018) e Ladrão (2019). Se é verdade que o dia 13 de março, se tornou uma instituição e que raios podem cair no mesmo lugar, é verdade que os instintos do Djonga precisam repensar se vale a pena manter essa regularidade, pois o efeito dessa vez foi o de um traque de massa, um pequeno estalo.
Qualquer artista que se preze tem um jeito de fazer as coisas, aquilo que chamamos estilo, e o Djonga tem um estilo muito forte, o que segurou e manteve os discos anteriores, mesmo com as críticas sempre existentes. Nos parece que Histórias da Minha Área (2020) secou a fórmula, e expôs uma fragilidade que não é aquela alardeada nas letras. Djonga vem domando o flow nos últimos três discos, em comparação à época do DV Tribo, talvez devido à quantidade de críticas ao Heresia (2017), para nós críticas com pouco fundamento. Diminuiu o speedflow, os gritos, os versos emendados que atravessavam os beats, como em Diáspora, e apostou em um flow mais técnico, menos agressivo, tentando em alguns momentos inclusive um flow mais cantando. A ironia é que para nós, ao contrário da opinião dos críticos de Facebook, aquele flow da época do DV tinha mais personalidade e combinava bastante com o estilo e o conteúdo do Djonga. Portanto, se ele tirou o pé como dito, o fato é que desacelerou até o ponto de não empolgar ninguém que queira algo novo, há uma falta de inventividade.
E acreditamos que essa desaceleração encontrou uma imobilização de sua força poética, de uma mesmice nas produções do grande Coyote Beatz, recorrendo sempre ao recurso mais simples – para ele – de fazer um verso clichê, de repetir os mesmos temas, mantendo o mesmo flow. Certamente é muito difícil manter ao longo dos últimos 3, 4 anos uma agenda de shows na proporção que o artista faz, e entregar ao mesmo tempo grandes discos. É difícil, sabemos, e seu quarto disco é a prova disso, equilibrar as apresentações explosivas e para grandes plateias com uma escrita e uma forma de emissão renovadas é talvez uma contradição em termos. A história da música está repleta de exemplos disso.
A verdade que Djonga desenvolveu ao longo dos seus discos não estão nem perto desse dos resultados alcançados em seu novo lançamento. Falaram sobre ele mostrar um lado mais frágil, mas ninguém quer um super homem preto, o que nos parece é que com as condições de produção alcançadas pelo MC, esse disco está muito mal produzido. E talvez não seja exagero algum dizermos que ele é fruto direto de uma rotina estafante. Um artista que segura com méritos o rojão de manter um carreira num patamar muito alto, mas que agora nos entrega algo muito abaixo.
O disco tem exatamente 10 faixas quase todas produzidas pelo Coyote Beatz e desde o começo a mesmice se torna evidente, as três primeiras faixas nos dão a certeza de que são faixas que poderiam estar nos dois últimos discos. A faixa inicial, “O Cara de Óculos” conta com a bonita voz da Bia Nogueira que abre a faixa e depois faz as dobras e fica nisso mesmo, Aquela impressão de já ter ouvido “Não sei Rezar” e “Oto Patamá” várias vezes mesmo ouvindo pela primeira vez permanece e a impaciência cresce na progressão das faixas. E essa é a toada de todas faixas do disco, repetições sem nenhuma diferença, variações sobre os mesmos temas mas de modo banal, mesmo que tenhamos consciência da importância destes.
Sobrando apenas as participações do NGC Borges e da Cristal – “Gelo” e “Deus Dará” respectivamente – como pontos relevantes, pois são duas enormes revelações do rap nacional, bem jovens e muito talentosos. Mas mesmo na música com a Cristal, o Djonga parece rimar num tom diferente do beat, o que dá uma certa agonia. O disco ainda conta com participação do FBC e do Mc Don Juan. A faixa “Hoje Não” já chegou com um audiovisual no Youtube, plataforma onde Djonga acertadamente lança primeiro seus disco.
E assistindo o clipe temos uma espécie de microscópio apontado para o artista, como o cano da arma do policial no próprio clipe. Histórias da Minha Área (2020) é um disco que certamente vai agradar a fã base sedenta por mais músicas do Djonga, mas é uma decepção para quem esperava o crescimento artístico desse MC. O disco acerta no primeiro caso porque vai de encontro ao que já é esperado por quem ouve sem nenhum senso crítico e derrapa feio no segundo porque por um lado realça todas as críticas que desde Heresia se faz ao flow pouco original e ou monótono, a mesmice dos beats nos últimos três. E ainda acrescenta duas músicas muito abaixo da média do próprio artista, “Mania” e “Procuro Alguém”, que é um lamento dos mais tristes e clichês que tivemos o desprazer nos últimos anos, parece-nos a certa altura uma composição retirada de algum livro de auto ajuda. E sabemos que o Djonga – como dito acima – tem profundidade para ir além do óbvio.
Em “Amor Sinto Falta da Nssa Ksa” que é uma produção do Renan Samam, em curtos 2:17 o rapper fala das dificuldades da vida na estrada e a distância da família ao mesmo tempo em que canta sobre não poder parar. Sim, ninguém é novidade o tempo inteiro, mas o novo sempre é possível e existem muitos a fazer isso por décadas. O quarto disco do artista mineiro não consegue ser nem novidade e nem apresentar algo novo.
No Brasil é tudo muito estranho, e uma coisa louca é o fato que talvez seja preciso babar o ovo de um artista para ter respeito do mesmo, ou que se você critica um disco, é porque você quer ver a queda do mesmo. Ninguém deveria ser baixo nesse nível, e Djonga sabe disto porque ex-estudante de História sabe ou deveria saber que crítica musical não tem esse poder. E quando a leitura do disco é desonesta é fácil perceber, e além disso se prova. O tempo é rei, e na nossa forma de ver o Djonga precisa de tempo pra fazer uma nova obra que esteja a altura do tamanho que ele conquistou.
Os temas são importantes , mas é preciso que ele repense a forma e o conteúdo, porque a fórmula cansou.
-Djonga exauriu a fórmula em Histórias da Minha Área (2020)
Por Danilo Cruz e André Clemente de Farias