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DJ Nyack e Luedji entregando o mundo para o SESC Pompéia

Guilherme Espir ataca novamente, dessa vez trazendo uma resenha do show que reúne Dj Nyack e Luedji no SESC Pompéia e de quebra ele ainda ainda fez uma entrevista com Dj Nyack.

Toda vez que a gravação de um projeto é concluída, o registro feito em estúdio agora é pensado para ser entregue ao vivo. Todos os detalhes minuciosos que foram lapidados e cuidadosamente calculados dentro de um ambiente controlado, precisam agora atingir o palco com a mesma assertividade do material composto, arranjado e progressivamente eternizado.

É sempre um desafio, pois as vezes os formatos são muito intimistas e ao vivo – por mais que exista um script – sempre rola uma novidade, mas é sempre muito interessante observar essa perspectiva. Desde os detalhes que permeiam a abordagem do som no estúdio, até como ele afeta o seu corpo, vibrando e pulsando na frequência das ondas que saem dos falantes.

É um processo quase poético e que sempre acaba surpreendendo. Veja o EP da Luedji Luna com o DJ Nyack, por exemplo. Nos fones de ouvido, os 5 remixes de “O Corpo no Mundo” (2017) pintam texturas insulares na cabeça no ouvinte. Ao vivo – durante um final de semana com 2 shows esgotados no SESC Pompéia – o acalanto se mantém, mas com groove de Discopédia.

Com o mesmo cuidado e requinte de estúdio, Luedji Luna cantou os temas do EP de maneira belíssima. Precisa, leva e apaixonante, sua voz encontrou um novo plano de fundo para explorar harmonias, melodias e ritmos – que nesse contexto mais dançante, graças à perícia do Nyack – oferecem novas possibilidades para sua voz e ainda mantém o clima intimista que permeou o trabalho colaborativo da dupla.

A maior surpresa no entanto foi o repertório. Era óbvio que os quase 25 minutos de EP não preencheriam todo o espetáculo, mas a maneira como o show foi roteirizado que deu o toque final na festa. Aproveitando a presença do seleto time de participações especiais do EP, que reuniu nomes como Tássia Reis, Rincon Sapiência, Stefanie, Zudizilla e Djonga – esse último não conseguiu tempo na agenda pra participar dos shows – Luedji & Nyack abriram espaço para que cada um deles colaborasse no set, um detalhe que deu outra liga no rolê.

A Stefanie e a Tássia são duas das maiores MC’s do cenário feminino. A participação de ambas, tanto em temas do EP como em sons autorais foi deveras enérgica e mostra como o protagonismo feminino no Hip-Hop já é realidade. Não tem como abafar a voz das mina.

O Zudizilla e o Rincon também são fortes nomes ainda em ascensão e fizeram um bom trabalho, cada à sua maneira. O Rincon apostou na sua rica paleta de ritmos, enquanto o gaúcho natural de Pelotas, interior do Rio Grande do Sul, veio surfando no Boom Bap. Mas não foi só isso, no BIS teve espaço até para o Moe Moks – Rapper de Houston – mostrar sua tunada versão de “Dentro Ali”, ao lado da Luedji Luna e pela reação da galera, o Nyack vai ter que soltar essa gema no Spotify…

O espetáculo como um todo teve um flow muito livre. Era uma reunião de amigos fazendo um som e exaltando o trabalho de todo esse coletivo. Nos temas do EP só não fizeram chover e foi um barato ver o Nyack ensaiando uns passinhos, tudo no melhor estilo: deu a louca no gerente.

No controle da nave, Fernando Carmo da Silva mostrou muito feeling e soube articular e elevar o suspense na plateia. Como uma espécie de termômetro, ele sabia a hora certa de segurar o público no banho maria e o momento exato de botar a galera pra bater o pezinho. 

Foram 90 minutos de muita troca. Desde groove, passando por energia e ideias, mas o que fica é esse gostinho de ousadia que foi o estopim para esse projeto. A união do Nyack com a Luedji é muito mais do que a união de um DJ/produtor com uma grande cantora.

Mais do que qualquer outra coisa, o maior triunfo desse EP é mostrar como é possível colocar fãs de Rap & MPB sobre o mesmo teto. Dá uma nova voz, tanto para a Luedji quanto para o Nyack e é exatamente disso que a música independente precisa, uma voz, seja ela qual for e foi exatamente sobre isso que falamos com o condutor do groove.


Entrevista   

Guilherme Espir: Como foi que vocês chegaram nesse repertório do EP? 

Dj Nyack: A ideia inicial foi com “Banho de Folhas”, como eu já tinha dito e as outras 4 foram em consenso. Eu queria muito fazer “Acalanto” e “Dentro Ali” a Luedji já queria também, aí eu sugeri essas e as outras duas eram “Cabô” e “Saudação Malungo” que ela queria por que ela tinha feito um show em BH com participação do Djonga ela gostou do resultado. 

Daí ela já combinou com ele a participação e sobre a “Cabô” ela queria fazer com uma mina e eu pensei na Stefanie e ela achou foda. A Tássia e o Rincon ela já tinha combina, as minhas indicações de participação foram o Zudizilla e a Stefanie.

Espir: Como Vocês acham que essa fusão do Rap com elementos jazzísticos e das religiões afro brasileiras ajudou vocês a recriarem a atmosfera rítmico mais mantra e é mais cultural que é a essência do Corpo do Mundo original?

Dj Nyack: Eu acho que o Rap em si, a música Rap, ela surgiu de outros estilos musicais. Com a arte do sample e a gente poder corta, criar e recriar uma nova música, uma nova composição. Então, pra mim, foi muito legal o feedback de uma pessoas terem dito que ficou tão bom quanto o disco.

Até por que, pra mim é um disco muito bom, muito rico ritmicamente, tá ligado? Harmonicamente também é bastante profundo.

Espir: Quando eu ouvi falar da proposta eu confesso que pensei na bucha que você ia ter que segurar rs

Dj Nyack: Foi, mas foi muito legal ter assumido essa responsa também, por que a liberdade que a Luedji me deu pra criar do meu jeito foi essencial. Eu procurei fazer algo completamente diferente do arranjo original, mas manter a essência da música intacta e eu acho que consegui atingir isso aí e foi a coisa mais gratificante desse projeto.

Espir: Trabalhar em tom de colaboração, ainda mais com essa liberdade é sempre mais fácil, né?

Dj Nyack: Exatamente. Tanto que os músicos que eu convidei pra me ajudar na composição são amigos meus que eu sempre quis trabalhar junto e acho que isso também fez fluir muito bem. Amigos de longa data, uma galera que eu conheci agora, saca? Deu pra trabalhar muito bem.

Espir: É uma roupagem muito interessante e que mais do que tudo, preserva o caráter orgânico do som. Vocês acham que contar com uma banda foi o ponto chave pra captar essa essência e entregar tudo isso no EP? 

Dj Nyack: Eu acho que deixa mais humano, né? Mais humano, tá ligado? Você vê os elementos eletrônicas ali e harmonicamente junto com os orgânicos. As teclas, o baixo a guitarra… Acho que esse é o ponto principal das bases: elas se conversam.

Acho que nenhuma das músicas não tem um instrumento orgânico presente, seja de sample ou alguém que eu de fato pedi pra tocar ali. Acho que isso foi o que ajudou a atingir essa sonoridade.

Espir: E tem Muita gente fazendo isso lá fora né cara.

Dj Nyack: Vish, tem muita gente. O FKJ (French Kiwi Juice) faz muito bem isso, o Tom Misch é muito bom, tem o Masego…

Espir: E fica bem interessante, principalmente quando você fala de timbre.

Dj Nyack: Exatamente! a sonoridade, você chega no som que melhor agrada

Espir: A galera tem feito som hoje pensando não só como músico né.

Dj Nyack: Sim, tem essa cabeça de produtor também agora, essa mentalidade.

Espir: Por mais que seja num formato menos extenso, o EP também transmite muito sobre a versatilidade da música brasileira. Como vocês observam o crescimento dessas ideias numa estética diferente, mas que ainda assim dialoga muito bem com as nossas raízes?

Dj Nyack: Assim como o mundo muda, a música também está mudando, saca? Eu vejo muitos artistas de renome flertando com o eletrônico. A Gal Costa, Caetano.

Espir: A Elza Soares.

Dj Nyack: Sim, a própria Elza. Está todo mundo na mesma sintonia eu acredito. As pessoas não estão só se inspirando com base na zona de conforto. Fazendo testes com ritmos menos convencionais.

A música brasileira também está nesse momento de transformação. São muitos artistas novos fazendo grandes obras, ainda jovens, que gostam também de outros gêneros fora da MPB, trazendo essa essência pra música deles.

Isso pra mim é muito legal, por que esse tipo de coisa me dá abertura pra fazer esses trabalhos. Esse trampo da Luedji está sendo um deles. Eu trabalho com o Aláfia também então aprendi muito com o Eduardo Brechó e a galera.

Espir: O Vinicius Chagas (saxofonista) toca lá também.

Dj Nyack: Sim, eu acho que eles flertam muito bem com o eletrônico, pensando principalmente na junção dos orgânicos e eu tentei pegar um pouco disso no que eu escuto e no que me inspira a fazer música pra esse trabalho. 

Espir: Eu vi o Glasper falando sobre isso outro dia, sobre esse lance de misturas e etc e a conclusão que ele chega é muito massa: é tudo cultura Pop.

Dj Nyack: Exatamente por que uma parada é assim: independente, a música é a única linguagem universal. Você pode estar num ambiente que você não se dá com ninguém, mas se toca uma música que todo mundo gosta, a galera vai cantar. 

Esse projeto da Luedji também teve um pouco disso, de mostra o quanto a música é livre e ampla. Talvez com essa roupagem ela tenha atingido um público que antes ela não tinha dialogado e a mesma coisa comigo.

Espir: É um lance mais dançante né?

Dj Nyack: Eu acho que o “Corpo no Mundo” é um disco mais introspectivo. 

Espir: É uma música mais contemplativa.

Dj Nyack: Exato!

Espir: Pra fechar, muito obrigado pela atenção Nyack. Queria saber como vocês enxergam o interessante momento que a produção nacional – principalmente no que diz respeito à música independente – está vivendo hoje. Pois esse trabalho também uma tendência de estilos que estão se fundindo cada vez, encurtando distâncias estéticas e possibilitando colaborações tão interessante como a de vocês.

Dj Nyack: Eu espero na real, com esse projeto, que as pessoas ousem mais. No sentido de produção musical e não achar que o Rap ou o R&B não seja pra vocês, desde que você respeite cada uma das vertentes, saiba chegar e faça com amor a parada.

Fazendo assim eu acho que é difícil dar errado, tá ligado? Por que a gente tem vários artistas bons no Brasil, acredito que a música brasileira é a mais rica ritmicamente e tem muita melodia. A língua já é melódica, tem muito ritmo, então quando a gente acha esse encontro das águas, conversar com todo mundo, do mainstream ao underground, é onde eu quero chegar e é onde eu quero que as outras pessoas cheguem também

Acredito que eu tô no caminho pra isso. Você não precisa criar um trabalho descartável pra entregar um bom trabalho, principalmente na música Pop.

Espir: Esse trabalho mostra um resultado final mais Pop, mas muito bem feito né, até mais relevante do que destacar se é Pop ou não.

Dj Nyack: Sim, é isso mesmo, exatamente.


DJ Nyack e Luedji entregando o mundo para o SESC Pompéia

Por Guilherme Espir do Macrocefalia Musical

Fotos Welder Rodrigues 

Set List: “Calanto”, “Cabô”, “Saudação Malungo”, “Foco nos Planos”, “Shonda”, “Dentro Ali”, “Mete Dança”, “Banho de Folhas”, 

Bis: “Dentro Ali” – feat. Moe Moks, “The Fugees + “Now Frágil e Iodo”, “Oh La La La”

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