Em 2022 o Oganpazan elencou 10 discos ao vivo que, apesar de serem muito bons, jamais obtiveram o reconhecimento merecido. Esse pauta gerou tanta conversa nos piores botecos do centro de São Paulo que não teve jeito, precisou virar uma série.
Com o objetivo de sair do óbvio e oferecer uma nova perspectiva – muito mais do que apenas montar uma lista – o foco é se aproveitar do formato para destacar vinis que não podem ficar ganhando poeira nos sebos.
1) Traffic – “On The Road”
Segundo disco ao vivo da carreira do Traffic, “On The Road” foi lançado em 1973. Gravado na Alemanha, esse show mostra o auge das influências Jazzísticas no som de um dos grupos mais originais do cenário britânico, bem ali na fase do “Shoot Out at the Fantasy Factory“.
Destaco esse disco no lugar do também muito bom “Welcome To The Canteen” – primeiro ao vivo da carreira do grupo – lançado em 1971, em função do repertório ser ainda mais Fusion-Progressivo e por que nesse LP tivemos uma overdose de teclados, com o Berry Beckett somando no groove. O Steve Winwood é um músico monstruoso.
2) Sonny Rollins – “The Cutting Edge”
Entre todos esse registros, o meu favorito sempre será o sétimo deles, o brilhante “The Cutting Edge“, lançado em 1974, via Milestone. O repertório mostra um artista versátil, capaz de gravar desde Spirituals, como “Swing Low, Sweet Chariot”, até standards, sempre com seu timbre inconfundível no sax tenor. “A House Is Not a Home” vem groovando com gaita de fole.
3) Ginger Baker’s Air Force – “Ginger Baker’s Air Force”
Depois que o Cream acabou, o Ginger Baker foi encher o saco do Clapton e acabou no Blind Faith. Mesmo depois de lançar um clássico em 69, o supergrupo se desmantelou e o baterista já tratou de arquitetar a primeira encarnação de seu projeto solo, o interessantíssimo Ginger Baker’s Air Force.
Contando com nomes que estavam tocando com ele no Blind Faith, como o Steve Winwood e o Ric Grech no baixo, o baterista montou um combo de 10 peças e tocou ao vivo no Royal Albert Hall, com ingressos esgotados, para mostrar sua nova cozinha.
Com um setlist hipnótico, uma genuína mistura de Jazz, Rock e música africana, além de uma bandaça que ainda incluía o Graham Bond no saxofone e o Chris Wood na flauta e também no sax, esse show mostra o tamanho da musicalidade do Ginger Baker.
Baterista de estilo único, é notável observar como o Jazz sempre será a espinha dorsal do seu groove. Numa estrutura de Big Band, o ruivo endiabrado fez miséria e criou uma estética exuberante. É uma pena que o Ginger Baker’s Air Force tenha sido um fracasso… Esses caras, definitivamente, mereciam mais.
4) Bobbi Humphrey – “Bobbi Humphrey Live: Cookin’ With Blue Note At Montreux”
A Bobbi Humphrey é uma mulher que merece respeito. Primeira musicista da história a assinar com o tradicionalíssimo Blue Note (em 71), a flautista e cantora texana fazia uma mistura de Fusion, Jazz-Funk e Soul Jazz que não era brinquedo não.
Com muita sensibilidade e lirismo, suas melodias caminhavam pela flauta com grande liberdade e rara beleza. Ao vivo, Bobbi só lançou um LP, mas foi gravado em Montreux e condensa o repertório de clássicos absolutos como “Flute In” (71), “Dig This!” (72) e “Blacks And Blues” (73). Uma palavra? Irresistível. Quero ver você não chorar com a versão de “Ain’t No Sunshine”. É sublime.
5) Al Kooper & Mike Bloomfield – “The Live Adventures Of Mike Bloomfield And Al Kooper”
A contribuição do Mike Bloomfield e do Al Kooper para o Blues é inestimável. Músicos de raro tato, ambos sempre foram protagonistas ou no mínimo chamaram atenção por onde passaram.
Mike fez barulho na época da Paul Butterfield Blues Band e também fez chover ao lado do Buddy Miles na Electric Flag. Como se não bastasse, o cidadão ainda participou de inúmeras gravações de estúdio como músico de sessão, fora sua carreira solo.
Nesse disco duplo, gravado no Fillmore East em setembro de 68 e lançado em janeiro de 1969, os 2 deram vida a uma verdadeira gema do Blues-Rock. Além disso, esse LP também é histórico, pois apresenta um certo Carlos Santana na guitarra base.
6) Funkadelic – “Live: Meadowbrook, Rochester, Michigan – 12th September 1971”
“Live: Meadowbrook, Rochester, Michigan – 12th September 1971” é um tesouro em forma de disco do Funkadelic. Lançado em 1996, essa apresentação é o ÚNICO REGISTRO ao vivo da banda no começo dos anos 70.
O dono da Westbound Records (gravadora do grupo na época), Armen Boladian, decidiu registrar tudo sem a banda saber, pensando num futuro lançamento. O problema é que o figurão desistiu da ideia e as masters desse rolê ficaram mofando até 1996 nas mãos do engenheiro Ed Wolfram. Vale lembrar que essa gravação foi reeditada para lançamento também em 2021.
Com um repertório cabuloso – pré “Maggot Brain” – o Funk Psicodélico dos caras estava atingindo níveis inflamáveis. O Eddie Hazel era um músico diferente. O som Funkeado que ele tirava de uma Les Paul cheia de ecos era ridículo. Ele o Billy Bass Nelson no baixo faziam um dupla e tanto.
Dá pra sentir que eles ainda estavam experimentando. Que pena que o Hazel saiu do grupo um mês depois desse show.
7) Donny Hathaway – “Live”
O Donny Hathaway tinha tudo para ser um dos maiores nomes da música negra. Cantor, tecladista, compositor e arranjador, o faz tudo natural de Chicago teve de lidar com uma depressão que acabou com a sua carreira.
Justamente no auge de seu prematuro groove (os ’70), descobriram que o músico sofria de esquizofrenia. Como se não bastasse, o cantor não seguia o tratamento e sua esposa, Eulaulah Hathaway, viveu maus bocados tentando colocar o marido na linha.
Depois de lançar discos como “Everything Is Everything” o groove do jovem foi parar nos principais palcos dos Estados Unidos, mas os problemas fizeram o músico passar por diversas internações, até que ele se suicidou em 1979, aos 33 anos de idade, depois de se jogar do décimo quinto andar do Hotel Essex House.
Toda a urgência e paixão de Donny podem ser sentidas no clássico “Live”, lançado em 1972. Primeiro e único disco ao vivo do cantor em vida, esse LP foi gravado em 2 shows. O lado A apresenta as faixas registradas no The Troubadour, em Hollywood, enquanto o lado B conta com os takes da apresentação no The Bitter End, em Manhattan.
Donny foi um dos poucos cantores que cantavam Marvin Gaye, justamente na época que o próprio estava em seu auge. Sua versão de “What’s Going On” é repleta de luz própria e até quando ele faz um cover de Carole King a plateia seguia sob seu encanto. A versão de “You’ve Got a Friend” é cremona nas roupagens, mas é com “The Ghetto Boy” que Donny se consagra num lindíssimo solo de teclas. O baixo do Willie Weeks em “Voices Inside (Everything Is Everything)” é um dos pontos alto desse LP magistral.
8) Edgar Winter & Johnny Winter – “Together: Edgar Winter And Johnny Winter Live”
Nos anos 70 e o Johnny Winter e seu irmão, Edgar Winter, lançaram dezenas de pérolas. A única diferença é que um fez isso sem estar chapado o tempo todo e o outro não. Edgar se manteve prolífico nos anos 70, tanto em carreira solo, quanto em esforços com seu grupo, o clássico White Trash.
Multi instrumentista de mão cheia, Edgar até fez menos sucesso que o irmão, Johnny, algo contestável em função de seu enorme talento, mas é inegável que a dupla de albinos mais endiabrados de todos os tempos deixou marcas indeléveis na história do groove.
Só que existe um disco em especial que ninguém menciona quando falam da dupla. Lançado em julho de 1976, “Together: Edgar Winter and Johnny Winter Live” é praticamente um disco familiar, pois além de reunir Rick Derringer & cia, ainda bota os irmãos no mesmo palco para malhar o Blues.
Esse trabalho também é reconhecido e importante por resgatar Johny do limbo. Numa fase difícil, amplamente influenciada pelo seu vício autodestrutivo em heroína, vale registrar que essa é a única gravação do músico entre “Saints & Sinners” (74) e o “Nothin’ But The Blues” (77). Foi um LP deveras importante para botar o texano nos trilhos novamente. A versão de “Harlem Shuffle” é uma palhaçada e seu timbre, um absoluto retrato do quão safada uma guitarra pode soar.
9) Billy Paul – “Live in Europe”
O Billy Paul foi um cantor diferente. Dono de uma estética completamente própria, Billy alcançou grande reconhecimento na década de 70, tudo graças ao seu inconfundível Soul. Com influencias psicodélicas e arranjos de cordas estonteantes, Billy gravou clássicos como “Going East” (71), “360 Degrees Of Billy Paul” (72), “War Of The Gods” (73) e o excelente ao vivo lançado em 1974, intitulado “Live in Europe“.
Esse disco é primoroso por que além de compilar toda a fase citada anteriormente, chega com o mesmo approach climático-futurista – também ao vivo – mostrando como toda aquele universo poderia ser explorado instrumentalmente.
10) Al Jarreau – “Look To The Rainbow: Live In Europe”
Acho que nenhum cantor conseguiu manipular a voz da mesma maneira que o Al Jarreau. Dono de um controle quase sobrenatural frente a suas cordas vocais, o cantor americano emulava qualquer instrumento e mostrava um controle impressionante sobre suas próprias habilidades. Tive a honra de assistir seu último show no Brasil (acho que foi em 2014) e até hoje nunca vi nada nem remotamente parecido.
Apesar de contar “apenas” com 2 LP’s de estúdio antes de iniciar esse projeto – “We Got By” (75) e “Glow” (76) – Al foi pra europa em 76 e estreou nos palcos da zona do euro com shows em Berlin e Montreux.
Lançado em 1977, “Look to the Rainbow” eterniza essa fase e captura uma apresentação mais orientada ao Jazz, mas ainda assim repleta de groove, R&b e Soul. Ainda está para nascer um ser humano que faça uma versão cantada de “Take Five” melhor do que essa.