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Dia 13 de julho, Dia do Rock? Não deveria ser!

O rock tem motivos de sobra pra ter uma data comemorativa, mas certamente não deveria ser o dia 13 de julho. 

A partir do momento em que o europeu se pôs a navegar em busca de novos territórios para conquistar e explorar, a história dos povos que viviam nas regiões tomadas de assalto pelas nações europeias na base da lâmina, da pólvora, da cruz e do derramamento de sangue, a história desses povos foi contada sob a ótica do conquistador/saqueador. Na perspectiva europeia, a história dos povos africanos, latino americanos e asiáticos foi sistematicamente inferiorizada ao longo de mais de 5 séculos. 

Sister Rosetta Tharpe, uma das criadoras do rock.

Tudo feito por africanos, latino americanos e asiáticos, ou seja, seus costumes e cultura, foi considerado vil, ultrajante, pernicioso, feio, maléfico, ruim, ridículo e demais adjetivos negativos que você queira acrescentar à lista. Essa compreensão desses povos e de seus descendentes espalhados pelo mundo, tornou-se oficial a ponto de se consolidar no imaginário popular. 

Mas aos povos africanos ocorreu algo em particular, que tornou ainda mais cruel a violência simbólica a eles direcionada ao longo de toda sua história a partir do advento da modernidade. Refere-se a um dos mais abomináveis acontecimentos da história da humanidade, o rapto e mercantilização de pessoas de África, seu transporte para as colônias americanas, para serem vendidas e usadas como ferramentas e combustível dos meios de produção do europeu e seus descendentes. Vale frisar que a violência simbólica está sempre ancorada na violência física.

Todas as manifestações artísticas criadas no dito Novo Mundo possuem por trás a inspiração dos descendentes das pessoas negras raptadas de seus lares, escravizadas para trabalhar até a morte em plantações de cana de açúcar, algodão e café, até serem transformadas em mão de obra barata nas modernas fábricas surgidas a partir da Revolução Industrial. 

Chuck Berry, um dos criadores do rock.

No meio de toda essa dor e sofrimento, os descendentes dos africanos, nomeados pelos seus raptores como negros, termo pelo qual passaram a ser referenciados no Novo Mundo, criaram sonoridades que seriam a base dos principais gêneros musicais do século XX em diante.

Dentre estes gêneros está o rock´n roll, roubado dos negros por empresários brancos da indústria fonográfica. Empresários que sufocaram comercialmente artistas negros que despontavam com as bases da nova sonoridade que seria chamada de rock´n roll, para lançá-la revestida por uma embalagem branca e cheirando a talco. 

Sister Rosetta Tharpe, Chuck Berry, Little Richard, Fats Domino, Bo Diddley, estes são os verdadeiros criadores do rock. Empurraram pra dentro de nossas gargantas que a criação do rock se deu por causa de bandas inexpressivas, de sonoridades insossas; bandas brancas, comportadas, recatadas e do lar. Bill Harley e Seus Cometas não servem nem pra afinar as cordas da guitarra do Chuck Berry.

Elvis Presley é genial, mas suas performances, movimentos, o seu som se referenciavam no modo de dançar, de cantar e de compor dos músicos negros. Elvis recebeu o suporte necessários pra se tornar o artista a ser consumido pelos jovens brancos de classe média estadunidense. Assim, o rock foi revestido por uma aura branca, que estava de acordo com os preceitos morais dessa classe social.

Como ao longo da história a construção do conceito de negro nas Américas foi feita pelos brancos descendentes do colonizador europeu, a música negra não seria o produto apropriado a ser vendido para aquele seguimento do mercado, para aquele público consumidor. Pois essa construção da compreensão do que é negro teve como matéria prima apenas elementos negativos. Basta achar um branco talentoso e que consiga traduzir os signos negros para a semiótica branca e tá tudo lindo. A história oficial do rock tem início aí.

Palco do Live AID realizado no dia 13 de julho de 1985.

O dia do rock deveria ser comemorado no dia 20 de março, data de nascimento de Sister Rosetta Tharpe, ou no dia 18 de outubro, dia em que nasceu Chuck Berry, ou ainda no dia 05 de dezembro, data de nascimento de Little Richard!

Porém, mais uma vez a indústria branca assumiu o protagonismo e decidiu que o dia do rock deveria ser comemorado no dia 13 de julho; e porque? Porque nesse dia, no ano de 1985 ocorreu um evento chamado Live Aid, organizado por dois músicos e ativistas brancos, a fim de arrecadar fundos para combater a fome na Etiópia.

E ao que consta havia sido uma sugestão do Phill Collins, que participou do mega evento, e tocado por um insight viu naquela reunião de super artistas do rock e do pop, uma data para se comemorar o dia do rock. Claro, àquela altura do campeonato, a massa roqueira já desconhecia por completo o fato do rock ter suas raízes na cultura negra.

A ideia não colou na gringa, mas aqui no Brasil Phill Collins foi ouvido. Em 1985 rolou aqui no país a primeira edição do Rock in Rio, dando o contexto perfeito para que a Rádio Rock e a 97 FM, duas rádios de São Paulo, dessem o ponta pé inicial para que se consolidasse o dia 13 de julho como Dia Mundial do Rock aqui no Brasil.

Little Richard, um dos criadores do rock.

Eventos como o Live AID são importantes e devem ser realizados, a questão aqui não é essa. O ponto a se destacar é a seguinte, a data de um evento de caridade feito por roqueiros brancos bem intencionados, não tem o mesmo peso que a data de nascimento de músicos responsáveis por criar o rock e que não recebem o devido crédito por isso.

Se é pra criar um dia do rock, que ele tenha o espírito rebelde, contestador, revolucionário, características recebidas pelo gênero devido às suas origens , que estão na inspiração e habilidade de seus criadores e suas criadoras negros e negras. Que este dia tenha o peso da reparação, mesmo que simbólica, de algo que foi roubado dos seus verdadeiros criadores e criadoras e atribuídos aos eleitos pela indústria. 

Eventos como o Live AID, por mais que sejam importantes por satisfazerem momentaneamente a mazela da fome em uma determinada região da África, não passam de uma forma de afirmar a compreensão europeia sobre os povos africanos. Uma visão estereotipada, construída ao longo de séculos de valoração negativa de tudo que é de origem africana.

Só reforça a concepção de que os povos africanos são os menos afortunados e devem ser ajudados. Falta a compreensão de que essa condição foi causada pela Inglaterra, um dos países em que os shows aconteceram, que é causada pelos EUA que fomentam guerrilhas e regimes ditatoriais em todo continente africano. Os EUA foram outro país onde os shows do Live Aid aconteceram.

No dia 13 de julho eu comemoro o aniversário de um dos meus irmãos que a vida me deu, Danilo Cruz, ouvindo outro aniversariante dessa data, João Bosco, um dos músicos que mais gosto de ouvir. Pra mim o dia 13 de julho tem esse significado e nada representa em termos de rock, porque não tem nenhuma relevância pro rock. Comemorar o dia do rock no dia 13 de julho é como comemorar o fim da escravidão no Brasil no dia 13 de maio. 

                                                                    Carlim

 

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