Devil Gremory, ou como jovens negros se tornam homens malditos! Artigo

Devil Gremory é uma das novas vozes do Rap baiano, trazendo novidades estéticas diretamente de Cajazeiras 10!

“Sem mentiras, Eu tô na 10”

Quando se sabe da história do rap baiano e da cultura negra baiana de modo geral, podemos perceber padrões que se repetem. Essas repetições, longe de apresentarem mais do mesmo, funcionam como saltos de inovação. O bairro de Cajazeiras é certamente um dos polos mais importantes para a cultura hip-hop em Salvador e o Devil Gremory é um jovem negro a mais, escrevendo suas singularizações dentro da história. Se filiando a tradição de excelentes MC’s crias desse bairro como Nouve, Pivete Nobre, Aurea Semiséria e muitos outros. 

Tomamos contato com o trabalho do Devil no ano passado quando de sua participação na mixtape Rocksport Tape Vol.1, um dos excelentes trabalhos lançados no ano. Na medida em que vamos buscar seus trabalhos anteriores que remontam a 2019, e comparando com o seu disco de estreia com previsão de lançamento para fevereiro de 2023, vamos entendendo diversas questões que perpassam sua construção.

Um primeiro dado fundamental é o entendimento de que assim como Dimak (um dos nomes mais importantes da cultura hip-hop baiana), Devil Gremory possui uma sólida formação dentro da música extrema. Algo pouco conhecido é o fato de que na Bahia, a música extrema tem ampla formação racial. Jovens negros formaram o cenário rock, punk/hardcore e metal muito a partir das décadas de 80 do século passado. Essa formação está presente na arte do MC Devil Gremory a começar pelo seu vulgo. 

A agressividade vinda do metal e tendo vivido dentro de uma cidade extremamente racista, o Lil Devil assume e se expressa como um mal, um duque dos infernos, o diabo capaz de combater todas as idealizações da branquitude. Reverte-se aqui todos os estereótipos racistas impostos em nossa sociedade, onde jovens negros são vistos como ameaças em potencial. Devil Gremory opera essa reversão se afirmando realmente como uma ameaça mas não em potencial, em ato. No ato de combater através do hip-hop toda estrutura racista em nossa sociedade, ao seu modo e em seus próprios termos! 

Estamos diante de um mano que é estudioso daquilo a que se propõe, surfando em beats de trap, no plug, ele já acumula dois bons EPS. Além de um trampo com o grupo UZI e o lançamento do EP Fast (2017), dentro de uma busca estética onde o Vaporwave, Plug e Trap. Trabalho que marca os primordios do Gremory que aqui rimava junto aos manos Thoddy, Drê e HeyDZ e com o feat do mano Junk (Saca Só). 

Em suas músicas o sentimento de subversão vem acompanhado de fortes críticas sociais, embaladas em vivências reais na sua amada 10. Dentro de uma estética Trap, Devil Gremory vem construindo uma lírica própria, onde os clichês do gênero não são repetidos, e onde é possível sentir o cheiro de Cajazeiras 10 (sua quebrada) ao ouvir seus adlibs, suas descrições que desterritorializam a sua quebrada e alcança uma universalidade, afinal “periferia é periferia em qualquer lugar”, como nos ensinou o mestre GOG. 

Contando com a produção de Geeli e com um beat do Owe , o seu primeiro trampo solo, mocado no bandcamp Lil Devil, The Last OG (2019) apresenta cinco faixas pesadas com feats do Geeli e do Joven Senpa (Underismo). Sexo, drogas e violência, são temas recorrentes em suas músicas, porém muito longe da mera apologia vazia. Possuidor de uma visão racial radical, Devil usa referências ao Haiti que é um exemplo histórico fundamental de luta anti colonial. E aqui é necessário estar atento, haja vista, que se considerarmos o grosso da produção do trap nacional, vemos a completa e absoluta escassez de ideias firmes e críticas sobre a realidade em que vivemos. 

Neste aspecto, a obra que Devil Gremory vem construindo se diferencia bastante das letras vazias, dos clichês sonoros, repetidos a exaustão por grande parte do cenário. Com o seu segundo EP, O Subordinado das Trevas (2019) isso fica muito claro. Temas como anticapitalismo, proteção ambiental, anti-fascismo, estão muito presentes neste seu trabalho e são temas alienígenas para uma cena que é amplamente despolitizada em suas estéticas, com raras exceções. Este seu segundo trabalho foi produzido por Geeli, Jxkv e Macaulayraro, a mix e master é do mano 2KIKE e a capa é do João Mosca. 

Como falamos acima, em 2022 Devil Gremory participou da mixtape Rocksport Tape, trabalho que resenhamos e que pode ser lido aqui. Mas também lançou um EP em parceria com o Geeli e o Jxkv, trabalhando aqui dentro de uma estética plug: Do Lado Norte Da Cidade (2022). Aqui é muito interessante notar como o artista utiliza uma diversidade de temas e de sonoridades em sua arte, fazendo-o se desenvolver esteticamente, consolidando-se como um MC versátil e capaz de trabalhar em diversos registros. 

Em seu trabalho Devil Gremory vem construindo uma série de disquinhos (EP’s) que encontrará em seu novo disco ainda não lançado, o ponto alto e de reunião de uma estética que ele vem rabiscando em seus EP’s solo. De certo modo, Devil Gremory é o ponto de convergência do Metal e do Trap baiano. Sabendo-se que essas duas formas de expressão – o Metal e o Trap feitos na Bahia – são nacionalmente pioneiras e possuem forte importância na construção dessas estéticas musicais em nosso país, em seu álbum de estreia com previsão de lançamento para o mês de fevereiro, isso ficará bastante evidente. 

Devil Gremory, ou como jovens negros se tornam homens malditos! Artigo

Por Danilo Cruz 

 

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