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Devil Gremory lança o seu álbum de estreia: “O Homem Ficou Maldito” – Resenha

Devil Gremory

Devil Gremory estreia em álbum com um dos trabalhos mais relevantes neste ano no cenário do Trap Nacional, uma verdadeira revelação!

Foto por Hick Duarte

O primeiro disco do jovem artista baiano Devil Gremory “O Homem Ficou Maldito”, se sobressai no rol das produções atuais por apresentar uma violência onde consegue conjugar com maestria o Trap com influências do Metal. Se por um lado essa conjunção não é algo inédito, por outro, a forma como o MC consegue coadunar lírica e flow à agressividade sonora, traz uma singularidade única, algo que salta aos ouvidos. 

Composto por 10 faixas, o trabalho é a estreia em disco de um jovem artista independente prolífico e que tem construído sua carreira no cruzamento de diversos sub-gêneros da cultura rap. Conceitualmente pensado, este “duque do inferno” nos apresenta uma poética sonora que para além do trap e do metal, nos leva para dentro da cultura hip-hop como um pensamento agressivamente subversivo, rompendo com os trap pop que tem inundado o mercado. 

Conjugando suas vivências no crime, pensamentos contra culturais, crítica racial e política à arte, Devil Gremory expõe os seus dramas e os obstáculos enfrentados por jovens negros na diáspora. Exprimindo uma substância poeticamente pura e crua, extraída de um cotidiano violento, Devil rompe com o que muitas vezes tem sido ignorado por artistas que tratam o crime e as drogas em modos romantizados e alienantes, como meros enfeites de suas letras. 

Sem levantar bandeiras político-partidárias, o ambiente sombrio e potente que a estética de Devil Gremory em sua agressividade constrói no disco “O Homem Ficou Maldito” é um caldo muito bem temperado de 10 faixas do melhor que o Trap contemporâneo pode apresentar em termos de música e poesia. Contando com a produção de Caue Gas o trampo surpreende quem pensa que o trap é apenas groselha e clima pop.

Punks nos anos 90 na praça da Piedade, Salvador Bahia

Principalmente por fugir dos clichês e apostar nessa conjunção entre trap e metal, Devil Gremory soma na contemporaneidade com o que já ocorre em embrião desde os primeiros tempos quando se fala em constituição do cenário do rap baiano. Um breve passada pela história e nomes de artistas que possuem imensa importância no cenário local do hip-hop, nos mostra a origem de jovens negros nas cena do Metal/Hardcore/Punk baiano, a exemplo de Galf AC, Dimak, Robson Veio, Mobbiu e Nego Freeza. Deste modo o trabalho do jovem artista atualiza no rap baiano o que até então era a substância musical de contato inicial dos nomes supracitados com o cenário independente de música extrema. 

Já na abertura do disco com “Minha Vida” o MC estabele o início de sua narrativa atualizando o discurso e a perspectiva da cultura Hip-Hop como uma possibilidade de resgate de jovens negros do crime. Porém, sem apelo comum aos novos convertidos, onde o moralismo prevê a condenação dos outros que permanecem no mesmo caminho. Apesar de ser difícil resumir sua vida em pouco mais de 2 minutos, a faixa traz um recorte fundamental: a busca por aprendizado, o amor pela sua comunidade e e pelos seus manos, uma visão racial combativa e tudo isso numa estética sonora agressiva. Esses serão os eixos que o artista desdobrará daí por diante. 

O abandono da vida perigosa do crime não significa que Devil Gremory não usará essas vivências, pois para o jovem negro envolvido ou não, o estado não faz distinção. E isso é denotado pela busca do sustento na faixa “O Mesmo Que Faz Rir, Faz Chorar” que conta com a participação intensa do MC Braille. 

Esse contexto desenhado nas duas primeiras músicas do disco deságuam em um dos momentos mais fortes e inovadores do disco com a faixa “Jingle das Funerais” com a participação do Mulambo. Aqui a mistura sonora do Trap, com o Jungle, e vocais gritados do metal entregam ao ouvinte uma sensação de urgência pouco ouvida no rap nacional atual. Devil Gremory longe de se colocar como um meritocrata, se posiciona como um soldado junto aos seus manos do selo Rocksport Club. E aqui é o território de luta de onde ele pode enunciar: “Foda-se Playboy não atravessa, não é música de festa é pra tocar no seu velório”. Traçando no seu plano estético o que não pode ser pasteurizado. 

Ao ouvir o disco, os ouvintes mais apressados podem ter a impressão de que se estã diante de músicas desconexas porém “Homem Ficou Maldito” é um disco conceitual. A faixa “Rip Bolado (prod.Geeli)”, segue dando-nos pistas sobre como é ser um jovem preto saído do bairro de  Cajazeiras, em uma Salvador que é a capital de estado que mais mata homens pretos. E nesse sentido é forte e impactante ouvir a potência de um jovem artista negro que não abre mão da contracultura, da afirmação do uso recreativo de drogas sem abraçar o discurso higienista que prevê a abstinência para uma parte da população enquanto propõem o tratamento e a redução de danos para uma minoria abastada. 

Presente na mixtape “Rocksport Club Vol.1”, Yuri Sheik é uma faixa controversa onde Devil Gremory, narra uma violência sem filtros e produz homenagem ao seu mano “Skivah”, a faixa recebeu um audiovisual que foi lançado como singlel; “Cheio de Revolta” é o segundo grande momento do disco, com as guitarras de Kezo Nogueira o beat do Caue Gas propõe uma cadência que é preenchida pelas revoltas que diagnosticam os problemas e as prioridades do MC. 

Foto por Hick Duarte

Já em “Palco do Rock” – referência ao palco dedicado à música extrema durante o carnaval de Salvador – que traz a participação de Lookdatshit e a produção de 33block, o inicial storytelling faz a perfeição da união das fronteiras que separam o metal e o rap em Salvador. A música une imagens poéticas que ficam entre as fronteiras da música extrema e da cultura hip-hop, citações a grandes nomes da cultura de rua soteropolitana como o grande artista LVC, e um recorte político racial muito bem construído.

O trio final de faixas trabalha com muita força para a conclusão do disco, “Verdades Cortam como Vidro sob a Pele( prod. ORTIZ)” traz o melhor verso inicial do disco: “Ódio no semblante, eu tenho maldade na mente, polícia só serve pra ferir a gente, só vive uma vez então porque cê se prende, bati cabeça e pular com a gente”. Uma convocação para que compreendamos os comportamentos agressivos de quem é levado a se socializar em disputas violentas, realidade de 90% dos jovens negros de Salvador. Aqui como na faixa anterior as descrições insubmissas e violentas são comentários sobre o contexto em que vivemos em uma Bahia que mata – via forças de segurança do estado – 99% de homens negros. 

Com participação de Jovem Blues e com a produção do Rell, a penúltima faixa: “Coração Puramente Maligno” abre um breve diálogo com possibilidades de relacionamento, afundadas por traições e por autovalorização e fugindo da misoginia muitas vezes um traço comum em diversos artistas do trap. E já encerrando o disco, “Gênese – Caos Perfeito” faz o disco morder o próprio o rabo, ao apresentar o cenário de violência e a satisfação de ter conseguido produzir tal obra. 

Parte integrante da “Gang da 10” o artista aqui representa e se coloca de modo definitivo como aquilo que é: um cronista versando sobre vivências, sobre os fatos vividos, sobre as circunstâncias sob as quais diversos nomes da cena sucumbem, pela violência policial e ou pelo extermínio da juventude negra. sem mentiras! 

O diabo mora nos detalhes, e neste seu álbum de estreia, Devil Gremory produz um disco que é capaz de nas entrelinhas do discurso denotar de que modo a esquerda e a direita política na Bahia e no Brasil, concorrem pela manutenção do genocídio da população negra. As ausências de políticas públicas que visem proporcionar oportunidades das mais diversas para  juventude negra, de serviços básicos em uma capital – Salvador – com o título de primeira no desemprego nacional, em um momento onde as facções que tomam conta do tráfico de drogas encontram farta mão de obra, e promovem futebol com cabeças de adversários, todos pretos, ou quase pretos, numa repetição mais cruel de uma revolução ao contrário. 

O disco “O Homem Ficou Maldito” de Devil Gremory é a ilustração poética e sonora, de caratér urgente de toda esse contexto vivido diuturnamente neste Brasil Tumbeiro. Estando de pleno acordo com os tempos que vivemos, traz-nos uma contra narrativa esteticamente subversiva, combativa nos detalhes e nos estereótipos que pretendem enquadrar a juventude negra, criativamente pela indústria ou existencialmente pelo estado de supremacia branca.

-Devil Gremory lança o seu álbum de estreia: “O Homem Ficou Maldito” – Resenha

Por Danilo Cruz 

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