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Detroit Stories – Alice Cooper emula som clássico em belíssimo novo álbum.

Com auxílio de sua antiga vizinhança, Alice Cooper nos leva de volta aos anos 70, criando mais um ponto alto de sua carreira.

Capa de Detroit Stories

 Quando pensamos em uma trinca americana que tenha apelo mundial em resposta à explosão britânica do heavy rock, que ocorreu na forma de Led Zeppelin, Deep Purple e Black Sabbath, sempre fica faltando um dos pilares. Em 1976, quando os ingleses já se mostravam ressaqueados, o Aerosmith e o Kiss gozavam de todo o prestígio e credibilidade que seus maiores clássicos trouxeram: Toys in The Attic (1975) e Rocks (1976) do lado de Tyler e Perry, e Alive (1975) e Destroyer (1976) por conta de Paul e Gene.  

Esses arrasa-quarteirões são irretocáveis, e os grupos já eram considerados os dois maiores atos da América. Mas quem seria a terceira banda? “Ah, mas o Van Halen explodiu bem depois”, “os New York Dolls foram embora na mesma velocidade que chegaram”, “o Fleetwood Mac nem americano era”. Eu ainda sou do time que fica entre o Grand Funk Railroad e o Alice Cooper (Group/Band).  

Talvez o Grand Funk tenha sido um acontecimento muito americano, e todas aquelas referências não facilitassem uma identificação com o público de fora. Acredito ainda que a chegada dos teclados tenha tirado o caráter cru e “casca grossa”, pelo qual o rock da América estava ficando conhecido, e representava o contraponto perfeito para seus pares ingleses, de sonoridade muito mais sublime. Mas essa é uma outra história.  

A Alice Cooper (Band) tinha tudo pra completar esse primeiro time do hard rock vermelho, branco e azul, mas acontece que ela perdeu muito tempo tentando se encontrar e aceitar a importância que a cidade de Detroit teria para sua identidade musical definitiva. Vamos entender. 

A banda foi formada como uma tentativa de soar como os Beatles, logo após a explosão mundial do grupo, ainda em 1964, por Vincent Furnier, vocal, e seu melhor amigo Dennis Dunaway, baixo, sob o nome de Earwigs. Não demorou muito para que ganhassem a alcunha de The Spiders e se juntassem aos demais integrantes, que viriam a ser conhecidos como Alice Cooper. 

Tomando emprestado o nome da bruxa que teria sido sua própria imagem em outra vida, Vincent, junto com Dennis, Glen Buxton (guitarra), Michael Bruce (guitarra) e Neal Smith (bateria), parte para Los Angeles, com grandes planos para a banda, que parecia não ser compreendida em sua cidade natal, já que a cinzenta e ruidosa Motor City, contrastava demais com o som psicodélico e colorido que o grupo já estava se propondo a fazer. L.A. já havia sido tomada pelo folk, o movimento hippie, beatnicks, e a contracultura. Era um destino certo. 

Fato é que a nova cidade promoveu muitas transformações no grupo, que em Detroit, fora formado dentro da igreja, e era mais conhecido por apresentações em colégios e clubes mais familiares. Seu envolvimento com as garotas do GTO e o mundo fantástico das pirações de Frank Zappa, lhes rendeu um disco como cartão de visita, Pretties For You, álbum este que se parece muito mais com as harmonias vocais flower power do The Mamas & The Papas ou a lisergia do Pink Floyd de Syd Barrett, do que com a fúria de guitarras blues rock que já era febre na Inglaterra, sob a batuta de Jimmy Page e companhia limitada. 

Acontece que depois desse “verão do amor” que o Alice passou em L.A., a volta pra casa foi complicadíssima, e o grupo deu de cara com uma Detroit renovada e em total ebulição. A cidade que vivia em função da indústria automotiva, encoberta de fumaça e ensurdecida pelas grandes companhias que dominavam o circuito, havia parido e influenciado diretamente um som explosivo e radical, que já se apresentava na forma dos riffs altos e estourados do MC5 e no andamento rápido e selvagem dos Stooges. Haveria espaço para todas as cores que o Alice Cooper propunha? 

Enquanto tapava o sol com a peneira com seus shows polêmicos, cheios de teatralidade e “galinhas voando pelo palco”, a Alice ia chamando muito mais atenção pela imagem do que pelo seu som. O grupo seguia tendo estranhos momentos em estúdio, e parecia não querer aceitar de onde vinha, e como a jornada naquela cidade poderia moldar seu trabalho. 

O jovem produtor Bob Ezrin chegou para encontrar um jeito de equilibrar o frescor vaudeville que já estava no subconsciente dos integrantes, com o garage rock/proto punk furioso que seus vizinhos já estavam dominando. O Alice, então, finalmente começou a criar hits! A estratégia agora era forjar um disco que pudesse chamar atenção por completo, um verdadeiro aviso de que uma banda americana poderia rivalizar com um Deep Purple In Rock ou um Led Zeppelin II. E conseguiram. Em 1973, entregavam ao mundo, seu trabalho mais festejado até então, Billion Dollar Babies. 

O “disco da carteira” trazia o Alice fazendo hard rock puro, simples e direto, mas com personalidade nos arranjos pomposos e atmosfera teatral, que se tornaria marca tanto da banda, quanto do seu produtor. O Kiss, por exemplo, procurou por Ezrin na hora de encontrar um som mais adulto e grandioso em Destroyer, anos mais tarde. 

Alice Cooper Group reunido mais uma vez.

Com todos os merecidos louros, o Alice Cooper Group precisava agora de uma consolidação, provar que não era apenas uma moda de verão, e que poderia alcançar a maturidade e imponência de um Machine Head ou Led Zeppelin IV. Entram em estúdio, então, para gravar Muscle of Love. Acontece que o clima já era outro, e a banda já tinha entendido o erro que cometera lá atrás, no ato da escolha de seu nome. Alice Cooper não era nome para uma banda, era nome para uma pessoa, e seu vocalista já tinha tomado isso pra si, e publicado pro mundo. O personagem tinha ganhado vida, e a peça vaudeville agora era real. 

Vincent já era uma mega celebridade, e tanto público quanto gravadora já não conseguiam mais enxergar 5 caras ali no palco. O protagonismo que Bob Ezrin propunha para Alice, o homem, em estúdio, estava devastando Alice, a banda. O jeito foi demitir o jovem produtor e trazer Jack Richardson e Jack Douglas, que ficaria conhecido como o mago por trás da era clássica do Aerosmith, para apagar o fogo e tentar remendar as páginas do roteiro daquele novo musical. Gosto muito do disco, mas Muscle of Love soa totalmente desconjuntado, e como se a banda tivesse mesmo saído no tapa, assim como na divertida (e censurada) capa. Era o fim.  

O fim do grupo, por sinal, merecia um capítulo à parte, já que este se deu aqui no Brasil(!), quando a banda fez o “primeiro show de rock internacional da história do país” (antes, tivemos Bill Haley e Santana, mas não nessas proporções). O Brasil enfrentava uma grande crise, ainda se encontrava sob uma ditadura, e o grupo passou por muita análise e censura por parte dos militares, tendo o frontman, inclusive, sido classificado como indigno de empunhar a nossa bandeira na tour. 

Com o “gran finale” do grupo, em 1974, Alice, o vocalista, procurou Bob Ezrin para colocarem em prática todas as aspirações que o produtor tinha para Muscle of Love, e definir sua carreira solo não como um ato de hard rock gigante e ensurdecedor, como a trinca britânica, mas muito mais parecida com a de outro inglês que despontava na época, Elton John. Com imagem mais clean, e sonoridade muito mais glam e burlesca, Cooper e Ezrin arquitetaram em Welcome to My Nightmare, uma resposta ao que seu amigo Elton tinha se tornado no UK, iniciando, inclusive, logo depois, uma frutífera parceria com Bernie Taupin, o lendário e fiel escudeiro de John nas composições.  

O sucesso foi arrebatador, mas deixou o gosto de que o antigo grupo talvez nunca tivesse encontrado seu real lugar no pódio, sua identificação com o jovem que já enxergava o celeiro de bandas americanas como a próxima parada, e acima de tudo, de nunca ter encontrado a sua leitura para o som de Detroit. Triste. 

Enquanto Alice era ovacionado por um público mais adulto, perdia a grande virada do cenário hard rock americano. Em 1976, com Led Zeppelin, Deep Purple e Black Sabbath já soando bem sofisticados, plurais, e até cambaleantes, os animalescos e joviais Aerosmith Rocks e Kiss Destroyer roubavam a coroa da Rainha e definiam o som do rock pesado do Tio Sam. O fato pode ser comprovado anos depois com a junção entre os dois discos dando origem ao glam/hair metal, na forma dos Motleys, Poisons e Ratts, e ainda influenciando toda uma geração de metalheads. O efeito em um som mais extremo, ainda podia ser comprovado com a idolatria do Metallica ao Aero, o apego do Anthrax com os mascarados, fora o Testament gravando, em seu auge, “Nobody´s Fault”, tirada do Rocks (o cover de “Draw The Line” também é maravilhoso), e do Death, com “God of Thunder”, do Destroyer, como se mostrassem de onde vinham as inspirações para seus riffs brutais. 

Foi aí que Alice percebeu que não poderia ficar de fora da festa, e viu que, se Aerosmith e Kiss eram referência direta no som do metal americano dos anos 80, o seu visual, performance, teatralidade, e atitude, eram influência fortíssima para a geração que encarava a imagem como 50% do produto final. Ele era sim o terceiro pilar que faltava. 

Alice voltou aos holofotes do hard rock/metal, com sua incrível trilogia Trash, Hey Stoopid e The Last Temptation, na qual abraçou todos os conceitos e artistas da tal nova safra, exposição na MTV e no Wayne´s World. Essa fase merece uma matéria inteira, e sempre será aquela que mais fala comigo, já que Stoopid foi um dos primeiros discos que comprei, e certeza, um dos 3 que mais ouvi na vida. Ainda posso falar de como Alice, o homem por trás da máscara, é uma figura tão polémica quanto a música que faz, justamente, por conta da integridade do seu caráter e tamanha consciência de cada palavra que profere. É um observador social, estudioso dos mistérios da vida, que com certeza me ajudou e me inspirou muito na minha construção enquanto ser humano. Tenho muito respeito por ele, e sempre apontei a importância de termos essa referência de positividade e iluminação dentro do meio do metal e mainstream. 

Depois desse momento Sunset Strip, Alice manteve seus experimentos e uma carreira regular, chegando hoje, após um EP (Breadcrumbs, que serve de base para o que vemos aqui), ao seu vigésimo oitavo disco, não por acaso, intitulado Detroit Stories, com Bob Ezrin no comando, e participação de toda a gang da sua cidade natal, com destaque para Dennis Dunaway, Michael Bruce e Neal Smith, sim, Alice Cooper, a banda! Como tinha que ser, já é o primeiro disco da Tia a debutar em primeiro lugar, em 29 anos! 

Após a trilogia, no início dos anos 2000, quando tudo pedia modernidade e a pompa da virada do milênio, Alice se voltou para a atmosfera conceitual e industrial do alterna/new metal em Brutal Planet e Dragontown, e acabou no território das “mixed reviews”, apesar de que ainda acho o segundo, um material MUITO sólido. Com a chegada do revival do garage rock com Strokes, Hives e White Stripes, sentiu-se inspirado em voltar à sonoridade de Detroit com os belos e ruidosos The Eyes of Alice Cooper e Dirty Diamonds. Era o mais próximo que poderíamos ter do som do Group naquele momento. 

Devo confessar que gostaria muito de abrir o personnel do Detroit Stories, e ver muito mais participações da AC Band por lá. Já tenho essa vontade desde o maravilhoso Paranormal (2017), e acho até que está na hora de fazerem um projeto juntos, um disco como banda mesmo, ainda que sendo algo pontual, já que só o Glen Buxton se foi, e já podemos coroar as duas músicas, com esse auxílio luxuoso, o single “Social Debris”, lançado no aniversário do homem, e “I Hate You” como grandes destaques do disco. O timbre e a presença do baixo de Dennis Dunaway são como uma verdadeira viagem no tempo, fora que a hilária “I Hate You” é uma grande homenagem aos fãs do “heyday” da banda. Corra lá pra entender o que eu tô falando! Sensacional! 

Mas apesar de serem as únicas com essa formação, tenho que admitir, se Eyes of Alice e Diamonds buscavam emular o garage rock/proto punk que virou sinônimo das bandas da sua cidade natal, aqui vemos Alice soando mais diversificado do que nunca. Não vale tentar encontrar conceitos e explicações para tudo que está acontecendo, é apenas um disco de puro rock n´roll diversão, para dirigir, dançar, curtir mesmo. Ao mesmo tempo, não é um disco de metal, como ele fez em Constrictor e Raise Your Fist and Yell, fase com Kane Roberts na guitarra e o magnifico (e injustiçado) Kip Winger, no baixo, ou a mega farofa da trilogia que veio em seguida, e que já tanto falei aqui. 

Apesar de ainda ser um disco solo, Alice nunca tinha soado tanto como sua banda original, já que esta, sempre foi muito plural, podendo ser comparada até aos Beatles e Queen, nesse sentido. Aos desavisados, que possam ter fresco na memória apenas os rockões “I´m Eighteen” e “Under My Wheels”, o Alice Cooper Group sempre fez de tudo um pouco ao mesmo tempo: pop, musical da Broadway, folk, psicodelia, blues… como bons cristãos, flertaram com elementos da música gospel, e tudo isso consegue ser representado no álbum, vide a belíssima versão para o pop do Outrageous Cherry, “Our Love Will Change The World” (detalhe para a participação das mulheres da família Cooper nos vocais). Certeza que, apesar da letra cínica, você vai sentir o sol no rosto quando ela começar a tocar. Grande momento de 2021! 

E o que dizer do swing soul/doo-wop de “$1000 High Heel Shoes”? Cara, esses metais! Essa linha de baixo! Esses backings vocals totalmente gospel/R&B (sim, são as Sister Sledge)! Também na minha lista de melhores! Tudo aqui tem cheiro e gosto de Detroit! Daí, sem perceber, já pulamos para “Drunk And In Love”, um bluesão com mais Dennis Dunaway na coautoria, o grande Joe Bonamassa nas guitarras, e Alice detonando nos vocais. Estonteante, como tinha que ser. E claro, temos o corona vírus e a pandemia na, já conhecida, “Hanging On By A Thread (Don’t Give Up)”, com incrível ambiência oitentista, e a mensagem positiva e de esperança que o artista sempre representou para o seu público. Obrigado, Alice.  

A irmandade entre Alice e o Aerosmith (que inclusive, fez as vezes de Cooper no segundo Wayne´s World) sempre foi notória, tendo até sido consagrada em seu disco Trash, com todos os integrantes do Aero passeando pelas músicas, sem falar no mega dueto da Tia com Steven Tyler em “Only My Heart Talkin” – Quem não lembra do icônico clipe passando na MTV? A banda ainda faz parte de um bom momento recente da carreira do artista, quando este formou, com o guitarrista Joe Perry, o Hollywood Vampires, banda já com dois discos, que contribuiu muito para que o vocalista fortalecesse seu gosto pelos covers, e aprendesse a fazê-los de modo ainda mais afiado. E eles estão por todo lado aqui em Detroit, como na abertura brilhante com “Rock n´Roll”, do Velvet Underground, que mais parece tirada do Biilion Dollar Babies. É impressionante! 

A ala de covers também revela duas participações majestosas: Mark Farner, lendário frontman do já citado Grand Funk Railroad (quem viu a última passagem do cara pelo país, me incluo nessa, sabe que ele ainda está pegando fogo), e Wayne Kramer, o homem por traz dos timbres indefectíveis do também já comentado MC5. Os senhores formam uma dupla de guitarras totalmente matadora para emplacar as pratas da casa: “Easy Side Story”, de Bob Seger, com seus riffs totalmente hard/blues rock, e a explosão garage/punk de “Sister Anne”, do próprio MC5! Momentos nervosos do álbum. Tudo isso sem falar na sua contribuição, ainda, na reformulação de uma pérola do Eyes of Alice sobre a cena local, que aqui ficou conhecida pelo emblemático título de ”Detroit City 2021”. 

Só me resta dizer que a bolacha é uma grande pedida pra quem está procurando um som divertido e inspirado para esquecer da pandemia, nem que seja por alguns minutos. Aqui, produtor, participações, capa e título, de fato, não podiam ser outros a nos levar em uma viagem no tempo para visitar a Banda que foi, por muitos anos, a quintessência da selvageria e musicalidade do rock americano. O lendário Alice Cooper (agora você escolhe, o homem ou grupo) faz, enfim, através de várias facetas e histórias, as pazes com o emblemático som de Detroit.  

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Alice Cooper never die

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