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Def Leppard encontra equilíbrio em Diamond Star Halos

Em novo álbum, o Def Leppard encontra o caminho para suas experimentações e a celebração do hard rock.

As grandes turnês e os grandes festivais voltaram com tudo, e um dos eventos que encabeçam os interesses dos headbangers é, sem dúvidas, a Stadium Tour 2022. O show projetado pela Live Nation é uma grande sequência de encontros entre Joan Jett, Poison, Motley Crue e Def Leppard, tendo os últimos dois como headliners, em sua primeira investida por estádios nos EUA, e que promete se estender, caso dê o retorno esperado, por outros países.  

Def Leppard com seus companheiros de Stadium Tour

Na empreitada, a Joan, em meio às polêmicas por estar “andando” com os “bad boys do rock n´roll”, ficou responsável por cuidar da abertura, enquanto os outros três gigantes do hard rock apresentam seus universos, cada um à sua maneira. O Poison, sempre com sua energia acima da média, aposta na nostalgia, conservando o mesmo setlist e estrutura de palco que usa há mais de 30 anos. O Motley joga para o verdadeiro responsável pela sua volta à vida e por impulsionar o projeto em questão, o público que foi fisgado pelo filme da Netflix, trazendo, inclusive, ao palco, o rapper Machine Gun Kelly, que interpreta o Tommy, para fazer a ponte com essa nova geração. 

O Def Leppard, no entanto, é o único do trio que aposta em novos conceitos e em um lançamento como objeto de suporte para a turnê. E isso nos diz muito sobre o grupo britânico, com seu olhar sempre inclinado às novidades, e sua incessante luta para não se alinhar aos adjetivos, que, por vezes, são usados de forma pejorativa, como “dinossauros”, ou até mesmo se apegar ao rótulo de “classic rock”, que tem sido usado pela imprensa sem o mínimo cuidado, para sinalizar que algumas bandas não tem muito mais o que dizer. 

NOVA ONDA DO METAL BRITÂNICO? 

A banda nunca foi queridinha dos roquistas de plantão, e o motivo é fácil de denotar, eles simplesmente procuram não se repetir, tornando sua audição um verdadeiro desafio, um caso mesmo de “ame ou odeie”. Se o EP e o On Through The Night representam dois dos maiores petardos da fase embrionária da New Wave of British Heavy Metal, no High ´n´Dry, a banda já trouxe para o barco Robert John “Mutt” Lange, o lendário produtor por trás dos clássicos Highway to Hell e Back in Black, a fim de levar um pouco da magia do AC/DC para o seu som. 

NWOBHM

Mutt Lange e Def Leppard se tornaram um só corpo, e ganharam asas que nenhuma banda da NWOHM imaginaria ganhar. Pyromania, para muitos, seu disco perfeito, já trazia um som totalmente novo, e que preparava terreno pro seu feito mais audacioso. Enquanto toda a cena heavy metal, de Saxon à Celtic Frost, tentava ser o Ratt, e mergulhava de cabeça no hair metal de Los Angeles, a banda britânica, desmarcava até compromissos importantes, vide lugar de destaque no Rock in Rio 1(sim, não foi o trágico acidente com o Rick Allen que motivou a sua saída do line up do festival), para criar sua obra definitiva. 

Hysteria merecia um artigo completo. Os números já são conhecidos, um dos álbuns mais vendidos da história, e que se transformou em um fenômeno pop sem precedentes, rivalizando com impactos como Michael Jackson, Prince e Madonna, na época. Mas o grande mérito do disco é justamente ser uma verdadeira cápsula do tempo, com suas cores neon, lasers, mullets, baterias eletrônicas, melodias grandiosas, tudo que realmente simboliza os anos 80, mostrando um pouco de toda a sua sonoridade e conceito. É uma verdadeira mescla de glam metal/rock, new wave, AOR, pop, no projeto mais arrojado feito por uma banda de hard rock/heavy metal naquela década. 

Além de ser um dos discos mais importantes da minha vida, coloco o Hysteria entre as obras pop mais ricas e bem estruturadas de todos os tempos, lá no alto, junto com petardos como Thriller do MJ e Faith do George Michael. Ali, o Def Leppard entregou que o heavy metal, além de popular, podia ser sofisticado, fugir da fórmula da Sunset Strip, e ainda ditar tendências para artistas fora daquele nicho.  

Hysteria Tour

Arrisco dizer que a febre do Leppard só nunca pegou no Brasil, justamente por terem tomado falta no nosso maior festival, e por não terem passado por aqui na tour do disco em questão, apesar de todo mundo ter cantado, à época, “Mordida de Amor”, versão do Yahoo para “Love Bites”, que entrou na novela Bebê a Bordo, e acabou sendo um mega hit, mesmo sem o público conhecer o tema original. O incrível solo do gênio Robertinho de Recife na “Mordida” já foi, inclusive, elogiado pelo próprio Phil Collen. O mesmo podemos dizer do Motley e do Poison, que continuam como completos desconhecidos do grande público em terras brasileiras, por não terem aportado nelas no auge de suas carreiras.  

Mas se o Leppard se orgulhava do seu visual calcado no jeans e camiseta, e em não se misturar com a explosão do som de Los Angeles (chega até a ser irônico vê-los hoje excursionando com os maiores expoentes do gênero), após a morte de sua figura central, o guitarrista Steve Clarke, a banda retorna em Adrenanlize, cheia de excessos, roupas bufantes e coloridas, sonoridade mais suja, quase como se tivessem, finalmente, se rendido à farofa do hair metal. O disco inaugura, então, o lado mais questionável da discografia da banda, lado que constrói o caminho e a identidade que nos levaria ao momento atual. 

NOVOS CAMINHOS 

Mais adiante, sentindo a pressão do mercado e do fenômeno da música alternativa, que invadiu as rádios nos anos 90, achatando as possibilidades das bandas que brilharam na década anterior, os leopardos se recolheram para realmente estudar aquelas novidades, entender o Nevermind, e buscar uma forma de catalisar toda aquela bagagem de anos de estúdio para redirecionar sua sonoridade grandiosa para algo mais enxuto e visceral em Slang. O álbum, no entanto, ficou como figura incompreendida da discografia, e entrou para a categoria de materiais “grunge wannabe” das bandas de heavy metal/hard rock. 

Acho o Slang brilhante, mas o Euphoria, como o nome já sinaliza, foi necessário para acalmar os fãs e recuperar seu espaço dentro do hard rock, trazendo de volta sua conhecida sonoridade dos anos 80, balanceando muito bem com as timbragens e a abordagem noventista. Euphoria se mostrou mais uma boa passagem da sua discografia. O álbum foi um respiro necessário para mais uma experimentação que estava por vir no seu catálogo.     

CMT Crossroads com Taylor Swift

O Def Leppard sempre teve muita influência do Aerosmith, são fãs confessos, sempre assumiram que “Pour Some Sugar On Me” era sua versão para “Walk This Way”, e se apaixonaram pelo resultado que a banda americana obteve em Just Push Play, disco em que aparecem revigorados e flertando com todas as referências sonoras e estéticas do início dos anos 2000. Marti Frederiksen, produtor do disco, portanto, foi pinçado para trazer aquela linguagem para o vindouro X, que novamente, agradou aos fãs, mas causou divergências entre o grande público.

E é justamente no X que o quinteto, à medida que retoma seu tamanho em números e ginásios lotados, mostra um material bem confuso. Se o tal disco já flertava demais com uma sonoridade moderna e superproduzida, o seguinte, Songs From The Sparkle Lounge, coloca ainda mais desses elementos, e flerta até com a country music do Tim McGraw, e estende a experiência a um projeto com a Taylor Swift, que ainda carregava muito daquela sonoridade. 

Se o grupo não ficou como uma potência metálica, como seus colegas do Iron Maiden e Saxon, seu legado tem sido revisitado por diversas mídias, seja em covers de cantoras pop, musicais e até cinema, e isso fez com que a banda também quisesse fazer isso por si mesma, com a residência em Las Vegas Viva! Hysteria e o disco autointitulado. Def Leppard, o álbum, acaba sendo mais uma trave, em vista do desconforto que é gerado ao ouvir canções, que são ótimas, não me entenda mal, mas parecem remontagens de seus antigos sucessos, algo como o que o Kiss fez em muitos momentos do Psycho Circus.  

FÔLEGO RENOVADO 

Mas se nesses últimos lançamentos o Leppard parecia perdido em todas essas experimentações, Diamond Star Halos, o novo trabalho da banda, traz para o grupo de Sheffield um amadurecimento das tentativas que ocorreram desde o X pra finalmente mostrar um produto que parece ser seu disco mais festejado por crítica e público desde a década de 90. E ele realmente pode surpreender os ouvintes que se afastaram nos últimos tempos. 

Capa de Diamond Star Halos

Diamond impressiona já na primeira faixa. “Take What You Want” é um rockão, que claro, traz os lendários licks e dedilhados que emulam a sonoridade do Hysteria aqui e ali, mas no todo, o Leppard se mostra pesado e empolgante, perfeito para os estádios, sem precisar de tons modernosos, e até industriais, como fez em Sparkle Lounge, mas trazendo justamente uma característica que sempre se fez diferencial quando os comparamos aos seus pares. 

Esse fator fica ainda mais explícito nas próximas tracks, “Kick” e “Fire it Up”(com aquele jeitão “Walk This Way”), essas um pouco mais cadenciadas. A característica em questão é justamente uma produção e timbragem de instrumentos que nos remetem diretamente ao glam rock britânico da década de 70, e sem parecer que estão simplesmente copiando Marc Bolan e Ian Hunter. Essa abordagem, inclusive, fez muito bem ao som do grupo no disco de covers Yeah!(2006), que traz, justamente, em sua maioria, medalhões do gênero. 

A NWOBHM nunca foi considerada um verdadeiro movimento, mas desde aquela época, se o Motorhead abraçava o punk, e o Maiden flertava com frases melódicas de guitarras do UFO e do Wishbone Ash, o Def Leppard, por sua vez, distanciava-se das outras bandas por trazer ao seu heavy metal um tempero especial de todas as nuances que se popularizaram no Reino Unido, na década anterior, pelas mãos do Sweet, T-Rex, Slade, entre outros.  

O elemento glam foi ainda mais agregado ao seu som no álbum de 87, mais uma vez, afastando o grupo da sonoridade mais ligada à tríade Kiss/Aerosmith/Van Halen, que era a principal influência da molecada da Sunset Strip. Diga-se de passagem, o Joe Elliot ainda toca, hoje, projetos de tributo ao David Bowie e ao Mott the Hoople que merecem ser conferidos.  

“Open Your Eyes” e “Gimme A Kiss” continuam no tom áspero do glam de crunchy riffs e batida pulsante, e confirma que esses caminhos foram os mais acertados do disco, que também se arrisca por outras áreas, como não podia deixar de ser. “Liquid Dust” traz um respiro com algo de um Bowie mais arrastado e espacial. Já “SOS Emergency” e “All We Need” nos levam à proposta do álbum autointitulado, e o Leppard parece, novamente, apelão, ao seguir reconstruindo clássicos dos anos 80. Claro que são bons títulos, mas a sensação de deja vu os coloca nos momentos mornos de Diamond. 

“Goodbye For Good This Time” e “Angels(Can´t Help You Now)” são os baladões do álbum e soam bem maduras. Se o Lep conservou o tino para power ballads ainda em Euphoria e X, aqui, para esse elemento tão essencial para os discos de hard rock, o grupo opta por uma abordagem bem mais séria, e novamente, setentista, quase como se buscassem pelo Elton John dos tempos de Yellow Brick Road.   

De volta às experimentações, “U Rok Mi”(com ukulele!) e “Unbreakble” já mostram sua faceta mais X/Lounge, onde flertaram bastante com o pop solar do início dos anos 2000, e essas ficam à cargo de resgatar essa verve mais dançante de sua discografia. E por falar em experimentos, “From Here To Eternity”, canção mais longa, do já longo álbum, fecha os trabalhos em tom mais do que épico, bebendo diretamente nos momentos mais dramáticos dos Beatles e do Queen, e mostrando a veia mais aventureira dos leopardos. 

Mas se você acha que eles já se arriscaram demais, agora sim, temos que falar sobre “This Guitar” e “Lifeless”, que sem dúvidas, são as músicas mais polêmicas do tracklist. “Love Bites” foi escrita como uma canção country, que foi rearranjada para se encaixar na proposta do Hysteria, e certamente, como comprovamos na era Sparkle Lounge, como já comentamos aqui, a música de Nashville já esteve no radar do grupo antes, mas dessa vez, levaram o flerte a um outro patamar. 

Que Alison Krauss é uma artista brilhante, ninguém duvida, e quem não for acostumado com esse tipo de som, corra agora para ouvir, ao menos, seus incríveis trabalhos com o Deus Dourado Sr. Robert Plant. O que acontece aqui pode chocar muitos fãs do Lep, que é a banda favorita de Krauss, mas o resultado segue como mais um atestado de que estamos diante de uma das musicistas mais talentosas de sua geração.  

Nas duas tracks, Alison e Joe promovem um belíssimo enlace de vozes e nos levam direto ao sul dos EUA, com a clássica banda de hard rock inglesa invadindo o terreno do bluegrass(!), trazendo sua forte melodia pop, e nos brindando com alguns dos mais leves, diferentes, porém, melhores momentos do álbum. As faixas reforçam tudo que falei lá no início, que a grande sacada da banda é justamente esse elemento surpresa que eles não têm medo de trazer para a música pesada. Ponto para os britânicos! 

PONTO DE EQUILÍBRIO 

Elliot, Collen, Allen, Sav e Campbell já tem seus nomes na história, seja pelo Leppard, por outros projetos, por motivos fora da música. Seguem como um grande grupo da classe trabalhadora britânica, com o espírito de que ainda precisam justificar todos os recordes que aparecem nos livros sobre suas carreiras, e isso fica nítido no novo trabalho, que é o mais bem resolvido nesse caldeirão recente de influências que o grupo tem trazido para seu contexto. 

Diamond Star Halos apresenta mais da jornada que o Def Leppard tem construído a partir da chegada dos anos 2000. O grupo, enfim, encontra uma maneira muito eficiente de equilibrar tudo que experimentou nos 3 últimos lançamentos, e ainda criou uma ponte com seu passado através do elemento glam rock, que sempre deixou seus momentos hard e heavy muito mais interessantes e originais. Tudo isso sem criar barreiras que impeçam a chegada de novos elementos à sua música, já que a banda sempre buscou inovar a cada novo esforço. Corre pra dar o play, e me conta o que achou, pois, por aqui, já estamos eufóricos e histéricos, no aguardo de uma passagem da Stadium Tour por terras brasileiras! 

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