Decifrando o Sumidouro: entrevista com Igor Pimenta

Decifrando o Sumidouro: entrevista com Igor Pimenta. Pistas sobre o processo de composição, gravação, e as sonoridades do seu primeiro trabalho autoral.

O baixista Igor Pimenta lançou um dos discos mais contundentes do calendário nacional. “Sumidouro” – liberado dia 16 de junho – é sua primeira gravação solo e o resultado chama atenção devido ao frescor e a natureza harmônica das combinações.

Vale lembrar que nós resenhamos o registro (clique aqui), mas em função da riqueza do projeto e de todas as suas camadas, fizemos uma entrevista com o Igor pra conseguir entender um pouquinho mais sobre o universo que ele cunhou na Gargolândia.

Sumidouro
Foto: Laura Parreira

Acho que um ponto de partida massa pra essa entrevista é o acabamento desse disco. Como você idealizou esse conceito? Por que ao mesmo tempo que ele dialoga com o Jazz, é Brasil puro e conta com um time de músicos de repertório vasto e diverso entre si. 

Esse disco tinha uma questão comigo. Eu já gravei muitos projetos colaborando com o trabalho de artistas. Já gravei em grupos que tinham composições minhas, já gravei registro em duo com repertório de arranjos… Enfim, são inúmeras formas de gravação, mas esse foi o primeiro autoral.

Então, de alguma forma, eu queria que tivesse impresso todas as grandes influências que passam pela minha música. Digo isso à ponto de conseguir deixar essas referências todas explícitas no disco, como um grande caldeirão.

Ao mesmo tempo que você vai ouvir melodias que remetem ao Clube da Esquina, do Milton Nascimento, vai ter hora que a sonoridade vai puxar para o Allan Holdsworth e o quarteto do Bill Bruford de Rock Progressivo…  Tem elementos de Jazz Rock, uma vibe meio Oregon, Egberto Gismonti, enfim. De uma forma geral, eu tinha essa necessidade de deixar essas referências que eu tenho – como compositor e intérprete – muito claras.

Tem hora que tem um Villa Lobos perdido no meio de uma situação e no outro, um dodecafônico que lembra o Zappa ou o Arrigo Barnabé. É um caldeirão com uma unidade que se dá por ser tudo de um mesmo compositor  Quando eu não estou como compositor, apareço como arranjador, então acho que por ser um disco meu, acaba que cria uma identidade, mas ele é um grande leque de acontecimentos e sonoridades.

É uma grande história sendo contada, passando por todos esses ambientes, com uma mistura brasileira, mas com sonoridades difusas entre si. E claro que colocar tudo isso no mesmo caldeirão e fazer esse tempero valer para todo mundo foi um grande desafio.

O “Sumidouro” está fazendo um mês e é muito interessante observar a repercussão. Cada um levanta uma referência diferente e ouvir os amigos falarem “que parece o Milton”, o Holdsworth ou o Egberto, isso me deixa muito feliz. É legal ver coisas tão diversas não só fazendo parte do disco, mas fazendo sentido dentro dele.

Essa mistura que foi desafiadora e eu fico feliz por ter conseguido juntar coisas tão diferentes – ainda que num mesmo lugar – e levar isso para a audição com coerência. Colocar as influências que me fizeram compor e ao mesmo tempo trazer uma unidade… Esse foi o maior desafio que eu consegui superar.

Queria que você falasse um pouco sobre o processo de gravação na Gargolândia. Como foi reunir a banda num lugar tão especial para se fazer música? Você comentou que a gravação foi num tiro mais curto e eu queria entender como foi a dinâmica pra conseguir responder nesse espaço de tempo.

A Gargolândia é um lugar muito especial.  Você meio que se retira da cidade – é um estúdio que fica numa fazenda – perto de Itapetininga, no interior de São Paulo. E o fato de você se retirar num lugar pra gravar um disco ou pra fazer qualquer coisa, né?! O fato de estar focado facilita muito o processo, principalmente em situações onde você tem pouco tempo para trabalhar.

O foco é maior. Imagina você ali inserido no processo, 24h por dia, com todos hospedados na mesma casa, juntos, tomando café, falando sobre a gravação, enfim. E o interessante é que isso envolve toda a equipe. São os músicos, os técnicos, então facilita bastante.

E o “Sumidouro” tem composições de mais de 10 anos. Eu peguei o ano de 2018 pra escrever o disco e eu queria que ele estivesse quase todo escrito por que não era o projeto de uma banda que passou o ano todo tocando e que desembocou num estúdio e gravou já com a intimidade de ter um trabalho tocado por muito tempo.

Não, esse disco é um projeto que envolve muitos amigos, grandes instrumentistas, mas alguns não tinham tocados com outros, sabe? Além disso, eu precisava garantir que a escrita fosse muito clara, por que a gente tinha 3 dias de gravação e com muito pouco tempo para ensaio.

Contar com os músicos que estavam do meu lado na Gargolândia – no caso os que foram pra lá – que foi a banda base, o alicerce principal do disco, foi excelente. O time foi formado com o Salomão Soares (piano), Vinicius Gomes (violões/guitarra), Edu Nali (bateria), Neymar Dias (violas/violões/guitarra), eu no baixo, Rafa Castro (que fez participação vocal em duas faixas) e o Rafael Altério (Garga), que participa numa das músicas também.

Os arranjos precisavam estar claros e eu precisava que os músicos estivessem com poucas dúvidas pra gente conseguir fazer o avião decolar em pouco tempo, com uma pista tão curta. A Gargolândia foi crucial nesse processo. Nós fizemos apenas 2 ensaios antes de ir pra lá e arrebentamos. Quando deu o REC todos tocaram com muita maturidade e isso reflete no disco.

Sou muito grato a todos os músicos que participaram, principalmente nessa etapa que precisava de uma dedicação. Foi muito mágico e foi o momento que eu tive algumas certezas também. Foram 6 meses só escrevendo, tinha tudo claro na imaginação, mas não na prática, então foi um processo para amadurecer as ideias do jeito que eu pensei  e fazer tudo conforme o planejado. Isso mostra como nós estávamos no caminho certo.

Vale lembrar que aqui em São Paulo eu gravei bastante coisa no estúdio Arsis, do Adonias Junior, que é um estúdio incrível. Teve gravação com o André Mehmari, no Monteverdi, teve gravação no BTG Studio (Zeca Leme), na Casa Aberta (Luís Ribeiro) e o Thiago Baggio foi o técnico desse alicerce mais grosso do processo.

O Thiago é um  super técnico, muito fácil de se trabalhar. Dentro de uma sala de gravação você precisa de uma equipe que favoreça à música e foi isso que eles fizeram. E finalizando esse processo técnico, contamos com a mixagem do Ricardo Mosca, que é um engenheiro de som incrível e que desde o começo do processo eu fiz questão de contar com o trabalho dele. Já a masterização, ficou por conta de outro cara fora da curva, que é o Maurício Gargel.

Todos os técnicos que tiveram parte nesse processo se dedicaram tanto quanto nós. Essa harmonia está presente no disco.

Outro ponto que eu acho interessante nesse trabalho é o jeito como você pensou as configurações dos sons. Tem quinteto de cordas, fagote, enfim. Como foi promover esses testes e pensar essa atmosfera que forma o disco? 

Sobre essa questão da instrumentação, das combinações que o disco possui, bom, isso passa muito pelo fato do som ser pensado mais no sentido de composição/arranjo do que na performance. Esse colorido que ele carrega de buscar sonoridades fora do usual foi uma busca que eu tive exatamente pra trazer um conceito que tinha na cabeça.

Ele tem pouca coisa de sintetizador, é um trabalho com muitos toques acústicos, mas ele chega com soluções sonoras que pelo fato de contar com combinações não tão usuais, atinge um resultado bastante particular. O disco já abre com um clarone dobrando com o baixo, então essas saídas timbrísticas são questões orquestrais para conseguir achar possibilidades. São várias situações.

Sumidouro
Foto: Edu Nali

Acho que o “Sumidouro” fica num ambiente sonoro um pouco diferente por isso. O arranjo de “A Sede do Peixe” (Milton Nascimento), quando eu fui fazer o arranjo, pensei muito num projeto chamado Oregon, do Ralph Towner. É uma banda dos anos 70 que já trazia esse traço no trabalho de timbres com muita propriedade. É um tema com fagote, violão de aço, percussão, baixo acústico, violoncelo e o som fica muito peculiar.

O arranjo de “Tree Friends” usa uma formação que é acordeon, fagote e baixo, então a busca pelas sonoridades que faz essas possibilidades acontecerem. Eu também sempre fui muito ligado com o som das madeiras, mais do que dos metais, então é um som mais fechado do que um som mais aberto. E além dessa parte que está muito ligado à instrumentos mais graves, tem a questão da inclusão da voz como instrumento, não como canção. O Hermeto já fez isso, Egberto, Pat Metheny, enfim.

No disco isso aparece na faixa “Semillas Al Viento” que eu dedico ao Pedro Aznar, que foi um vocalista dentro da banda do Pat Metheny que me influenciou significativamente. A sonoridade do Pat Metheny Group é um pilar desse trabalho em termos de sonoridade, então eu dediquei uma música ao Pedro em função de tudo o que ele abriu dentro da minha cabeça pra utilização da voz como instrumento. Acredito que esses 2 pontos – a questão da instrumentação e do uso da voz como mais um elemento no processo – são os responsáveis por trazer esse frescor ao registro.

Pra fechar, queria que você falasse da sua parceria com o Neymar Dias. Como foi trabalhar com ele num disco solo, ainda mais pensando numa estréia? Além disso, depois do “Sumidouro”, o que você vê nesse horizonte complicado de pandemia?

A gente se conhece há mais de 20 anos. Nós nos conhecemos na faculdade. Ele fazia um curso de composição e regência e eu bacharelado em contrabaixo. Desde então a gente sempre trabalhou junto em vários projetos e eu acabei colaborando bastante no material autoral dele.

Em alguns discos participo como baixista e nós temos um projeto em duo – que é o Come Together Project – e ele desde sempre foi um grande incentivador desse trabalho solo. Ele acompanhou minhas composições e sempre me cobrou muito pra gravar.

Então quando isso de fato virou uma possibilidade, não poderia deixar de chamar ele pra produzir. O Neymar é uma pessoa muito importante não só no disco, mas na minha formação. Sempre tivemos gostos muito parecidos, esteticamente falando, então contar com ele aqui era muito importante.

O fato de trabalhar tanto tempo junto também ajudou bastante. Além da produção, que é esse questão mais organizacional, um dos arranjos é dele (“Brasilina, Chico e Zeize”) e em todos os outros arranjos – que aí no caso são meus – era ele quem eu acessava pra ver como as coisas estavam funcionando.

Ele foi esse ouvido de fora pra ajudar a tirar dúvidas. Pelo fato de ter sido um trabalho escrito, acaba que ele é muito solitário também, então é necessário ter essa pessoa pra ajudar em situações onde você precisa de uma saída diferente.

Precisa ser alguém de confiança, claro, uma confiança musical, quero dizer, e no caso o Neymar trouxe isso. Além de produzir ele também participou tocando guitarra, violão e viola caipira.

Sobre a questão dos projetos atuais e futuros, com a pandemia tudo parou. Eu estava com alguns trabalhos recém lançados – alguns já na pandemia – com shows de lançamentos marcados – enfim, por isso que o pensamento de como vai ser daqui pra frente teve um pit stop.

Tanto é que meu disco foi pensado como um álbum. O ciclo dele foi pensado, levando em consideração uma versão física e em função do que estamos vivendo, lançamos apenas nas plataformas digitais. No futuro, eu penso em trazer um formato físico pra completar o ciclo do projeto, claro.

Sobre outros projetos, tem o disco do Rafa Castro (“Teletransportar”), lançado no dia 10 de abril. Nesse eu fiz a produção com ele e você já consegue escutar no seu serviço de streaming favorito. Além disso, tem o último projeto do Paulo Novaes que eu gravei o play todo.

A pandemia modificou a nossa forma de enxergar o futuro. Tudo que eu citei acima está em stand by, com shows cancelados, por isso espero que com a volta da normalidade – num futuro breve – todas essas iniciativas retomem os trilhos para que nós possamos não só voltar fazer shows, mas sim celebrar a música.

-Decifrando o Sumidouro: entrevista com Igor Pimenta

Por Guilherme Espir 

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