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DAYO, um real nego “Nativo” lança seu disco de estreia

DAYO NATIVO

DAYO, MC sergipano soltou um disco que transpira não apenas uma natividade orgulhosa como também mostra uma diversidade original e possível!

Lançando singles desde 2021, o MC sergipano DAYO, inicialmente na estética do Trap, acaba de dar um salto criativo bastante interessante em sua carreira. O seu disco de estreia chegou no começo de novembro e apresenta um trabalho conceitualmente firme e esteticamente coeso.

O jovem Dayo, em seu álbum de estreia, joga uma luz muito interessante com a sua arte não apenas no ouvinte, como no cenário como um todo. Composto por 10 músicas, o disco também apresenta visualizers muito bonitos para cada uma das músicas, criando um retrato sonoro em movimento de diferentes facetas da cidade de Aracaju.

Sempre que se fala em algo “Nativo”, em geral a nossa formação colonizada atribui à palavra um sentido de selvagem, bruto. E já no título deste seu álbum, DAYO, nos leva a repensar sobre nossas origens, mas também sobre a cultura hip-hop. Há aí um elemento que o diferencia bastante de muito do que é feito na produção nacional de jovens MC’s. Pois em geral, o que notamos no grosso do que é lançado principalmente no Trap Nacional, é um imenso desfile de cópias, melhores ou piores, mas meras cópias; Ora, a busca incessante por inserção no mercado musical, leva muitos jovens negros periféricos no Brasil inteiro, a assumirem uma estética que não diz respeito necessariamente às suas vivências e nem aos seus locais. 

Em um tempo histórico onde a integração mundial forçada pelo imperialismo cultural e a globalização econômica coloca modelos hegemônicos como únicas possibilidades de ser. O espaço da criação e a formação de uma identidade estética fica prejudicada, pois muitos jovens negros que adentram a produção musical apelam para rendimentos rápidos ao sabor da demanda imposta pela Indústria Cultural. Afinal, sabemos que a maior parte da juventude negra periférica brasileira, que sofre com a desigualdade social e racial, não possuem papai e mamãe para bancar aventuras musicais e ou artísticas.

O artista sergipano segue um outro caminho estético ao se apropriar daquilo que lhe constitui de modo único. Ele coloca todo o regime de signos mais próprio de suas vivências na cidade de Aracaju em relação, em jogo com signos oriundos de outras realidades da diáspora africana. O MC consegue em seu trabalho de estreia encontrar um ponto de convergência muito forte e singular entre o mundial e o local. E neste sentido, seu primeiro disco abre caminho para infinitas possibilidades de uma carreira que só começa e sem dúvida, parte do lugar certo, daquilo que é incontestavelmente seu, de onde ele é “Nativo”. 

“Toda a sua vida é uma manifestação física dos seus pensamentos”

Essa frase acima colocada e que abre a segunda faixa do disco, “Dádiva”, serve ao ouvinte para que este possa entender como os pensamentos e as vivências do artista se fundem neste trabalho de modo muito singular. Na verdade, a primeira faixa, “Nativo”, de certo modo já resume todo o disco e todas as outras faixas são o desenrolar de outros pensamentos desta vida artística e de suas vivências pela cidade de Aracaju.

Falávamos da força de combate necessária para romper com a globalização e com o imperialismo cultural que faz com que muitos artistas talentosos se tornem um suco ralo dentro do liquidificador da indústria cultural. Basta que se escute com atenção a faixa de abertura e verá de que modo isso é possível. Dayo produz uma música que nos fisga e instiga, em uma excelente produção do Teko Shawty, um afrobeat muito bacana, ele abre passagem para que conheçamos um pouco da cidade de Aracaju.

Um verdadeiro guia para quem é de fora de Aracaju e região, citando bairros tão distintos quanto o Bugio e a Orlinha do Bairro Industrial e localidades tão distantes quanto a Barra dos Coqueiros e a Cinelândia. Pronto, com apenas uma música, DAYO captura o ouvinte distante para um local desconhecido, e ao mesmo tempo, orgulha seus conterrâneos por cantar tão bem a sua terra.  

Porém, existe uma imagem que acredito que poeticamente dialoga de modo muito forte tanto com a cultura sergipana, quanto com essa questão sobre a inserção de jovens negros no mercado da música Dayo rima:

“Mar de tubarão, não sabe nadar não entra, eu não pulo em vão, jogando esse jogo a vera, atravessando o rio mas não pareço o Zé Peixe, se tenta contra minha família vai cair na rede”

Ao propor essa não similaridade com o personagem histórico Zé Peixe, Dayo produz-se como um duplo daquele do qual ele se diferencia. Zé Peixe foi um prático que guiava os grandes navios desde a época em que estes não eram guiados por instrumentos tecnológicos, para sair pela boca da barra – do rio ao mar – sem problemas e que voltava nadando para terra.

Ao produzir uma estreia tão robusta musical e poeticamente como essa, Dayo produz uma atualização diferenciada do que Zé Peixe fazia. Diante do imenso mar de possibilidades musicais, entre a escolha de nadar contra ou a favor da correnteza, Dayo consegue produzir um disco que mescla afrobeat, house, bregafunk e trap com a sua própria cara, abordando diversos temas com qualidade. Em “Dádiva (prod. Teko Shawty)” por exemplo, o MC canta sobre a superação das dificuldades e a conquista de uma melhor condição de vida. 

A entrega de Dayo em seu álbum de estreia mostra-nos uma liberdade muito grande em relação a seleção de beats, o que é algo hoje muito raro – pelo menos pelo que conseguimos ouvir – em jovens artistas nacionais. O produtor Teko Shawty que assina 7 dos beats faz um excelente trabalho com beats de colorações muito originais e quebras criativas de andamentos e texturas interessantes. Na faixa “Na Manha (prod. Teko Shawty), Dayo abre a caixa de ferramentas líricas mais agressiva e mostra ao ouvinte que este está diante de um verdadeiro MC.

O visualizer da faixa tem como cenário o mercado municipal Antônio Franco e mais uma vez muito bem produzido pela produtora/selo Cashwood. O que Dayo movimenta em seu disco de estreia é a cidade de Aracaju, oferecendo ao ouvinte um disco cheio de dimensões em um rolê intenso onde o “Real Nego (prod. Neuutro & Teko Shawty)”, nome da 4º música é uma pedrada.

“Santos Dumont tá em casa, 18 tá em casa, tão querendo ação, mas só vejo palavras”

O MC mostra em seu disco de estreia, um outro aspecto muito importante também, que é o seu domínio de diferentes métricas e a capacidade de desenvolver temas importantes como questões político raciais sem utilizar clichês. Linguagem das ruas, alta capacidade de composição e ao mesmo tempo leveza. Na música “Salsero (prod. Franc Beats)” o aspecto “festa no favelão”, rolê de fim de semana é o tema. O mesmo ocorre na faixa “Bandido Também Ama (prod. okan)”, Dayo mostra que também é capaz de cantar melodicamente, a música tem aquele gosto de final de tarde de rolê com a varoa ungida em meio àqueles desentendimentos normais de casais. 

“N Me Liga Mais” segue na trilha da sofrência de um fim de relacionamento, em tons pop. Em “Voar” (prod. Teko Shawty)” o artista nos dá uma outra chave de interpretação interessante que é a do homem preto de periferia que sabe aproveitar as delícias da natureza local de sua localidade, de onde se é “nativo”. Ao mesmo tempo em que canta/rima sobre reflexões acerca de sua vida como artista.

Com “Eterno Freestyle (prod. Braga)” nos oferece com força e diferença ideias de progresso e críticas sociais e políticas, variando flow, e nos trazendo a ideia de que é preciso viver improvisando. O disco se encerra com um beat de house, com a música “Belo Dia” que traz feat com Zane e Willy. Deixando no ouvinte a sensação de quero mais e a certeza que foi guiado com excelência por um rolê cheio de perspectivas negras, ideias muito bem refletidas musical e poeticamente.

O MC sergipano Dayo, nos coloca para passear junto a ele pela sua cidade e se apresenta como um artista rico em dimensões, às quais ele conquistou e expandiu através de suas vivências por Aracaju. Isso fica nítido ao longo do disco, estamos diante de um artista negro que em seu primeiro disco se apresenta como capaz de fazer qualquer coisa musicalmente com qualidade, as 10 músicas que compoem o disco são a prova inconteste disto. Esperamos que o público local reconheça e valorize isso, ao invés de estarem constantemente consumindo réplicas de Trappers americanos.  

Pois é importante demais nunca esquecer do que nos disse Chiquinho do Além Mar:

“Na quebrada onde eu moro, nem tente pestanejar, respeito é prioridade, é um gesto singular, sulista quer o mal feito, mas nós só faz o direito, saudades do meu lugar!”    

-DAYO, um real nego “Nativo” lança seu disco de estreia

Por Danilo Cruz 

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