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Discos, Resenha

Daymé Arocena Nueva Era 2015

Daymdaymeé Arocena, em um belo disco solo demonstra todas as qualidade assombrosas que nos últimos anos vem arrebatando corações de grandes nomes do jazz. 

Certamente, é um prazer imenso descobrir grandes artistas, é algo que enriquece nossas vidas tão necessitadas de afectos fortes e verdadeiros. Satisfação imensa também é notar o surgimento de uma grande estrela em escala mundial, é ouvir algo e se dar conta de que aquilo, talvez, se bem cuidado e escutado, poderá se tornar um clássico.

O disco de estreia da cubana Daymé Arocena nos da essa segunda sensação, já que a primeira é garantida por todas as qualidade da garota. Sim, uma mulher-garota de vinte e dois anos, com dezoito de experiência artística. Desde os quatro anos cantando pelas ruas de seu bairro vestida com as roupas típicas de boa rumbera, onde a pequenina cantava em yorubá as canções tradicionais de sua religião. Aos oito anos ela começou a cantar profissionalmente e aos quatorze  já era crooner oficial de uma big band.

A cantora foi descoberta pelo produtor, dj e pesquisador britânico Gilles Peterson em sua viagem a ilha para a produção do disco Havana Cultura. Ela que já vinha compondo uma banda de jazz apenas com mulheres chamada Alami, foi convidada a participar e daí em diante, sua exposição artística para outros públicos, aconteceu. Foi numa das apresentações do grupo que diante da potência vista em cima do palco a saxofonista Jane Bunnett, estreitou laços com as meninas e lançaram em 2014 o disco Jane Bunnett & Maqueque. Da mesma forma, diante da grandiosidade de sua participação no Havana Cultura Mix: The Soundclash, o produtor inglês não teve dúvidas em convida-la a gravar um disco solo. A fortíssima impressão artística causada por Daymé Arocena, nos mais diversos artistas e públicos é uma constante.

O disco desta nova voz do jazz, abre com Madres, um canto reverência às deidades yorubás: Oxum e Yemanjá. É certo que além deste forte estofo espiritual Daymé Arocena segue alguns outros espíritos, sendo a ancestralidade direta com Ella Fitzgerald a mais evidente. Sua voz, mas sobretudo a utilização que a cantora – instrumentista e compositora – faz dela, tratando-a como um instrumento, lhe coloca na linhagem das grandes divas.

O disco passeia por diversas cores musicais e pinta um quadro jazzístico contemporâneo belíssimo, compondo-se de diálogos seja com a música de sua terra natal, seja com tons de soul, R&B ou mesmo do pop. Sem experimentalismos radicais, o disco busca simplicidade e leveza, a inventividade nos arranjos e na colocação da voz sobre os mesmos. Desde a primeira faixa acima citada, o canto em homenagem às divindades, recebe uma base com batida rústica e marcada, porém preenchida por baixo, teclado e percussão suaves, abrindo espaço para a amplitude da voz de Arocena alcançar o Orun em sua plenitude. “Hay Ochum me madre, te quiero Cantar!”.

É preciso louvar a qualidade de compositora da cantora cubana que não recai em temas simples, exibindo um repertorio próprio de qualidade exuberante. É ouvir nascer voz e palavras, na busca da liberdade e da excelência artística. Drama é uma canção que dramatiza a relação da voz com a música, palavras e ritmos duelando num delicioso groove. Duelo esse que plama uma relação de incorporação ritual que a cantora diz ter com a interpretação de temas musicais. Aspectos esses que percorrem também a mais lenta e romântica Sin Empezar e a grooveada Don’t Unplug My Body.

Essa última mostra como essa revelação é capaz de botar no chinelo muitas cantoras, boas cantoras, que surgem ano a ano como verdadeiras novas divas e que com o passar dos anos continuam a apresentar resultados tímidos diante do alarde inicial. Nesta música a completude de recursos fica evidente, no perfeito ajuste entre o fraseado suave R&B, ou na busca de notas mais altas enquanto banca um excelente Sketch, como sua inspiração Ella Fitzgerald sucinta.  Arocena é muito mais que uma boa cantora, é uma artista da voz. Já com larga experiência musical e formação técnica, em entrevista a artista diz que sabe da necessidade de modular sua voz para fazê-la percorrer diferentes modulações. Alcançando assim quase toda a amplidão da paleta de cores de que sua voz é capaz.

É o velho problema do hype e é de estranhar a pouca repercussão que o disco dela parece ter gerado, seja no Brasil, seja em outras plagas. Mesmo em seus momentos de leveza o grau de qualidade se supera, como na canção de ninar Niño, onde todo seu conhecimento como diretora de coros transforma a canção. Como também na humorada história de como sua mãe teve que aprender russo nos anos 80: El Russo, uma delícia. O disco fecha com o belíssimo standard Come To Me, que parece vindo de um passado glorioso do jazz, mas que como todas as canções do disco é apenas mais uma composição inédita e maravilhosa de lavra própria da autora.

O disco não possui um ponto alto, porque todo ele é excelente em sua diversidade sonora em seus pequenos experimentos com timbres e harmonias. Os excelentes Simbad, Oli Savill e Rob Mitchell (baixo, percussão e piano, respectivamente) formam uma base consistente e inventiva na medida certa. A produção, por conta de Gilles Peterson, marca no disco as referências à riquíssima música cubana, mas sem o aprisionamento da cantora a um ponto fixo, a algo como um regionalismo. Antes lhe abre em suas plenas potencialidades a todas as possibilidades de que sua voz é capaz de alcançar.

Acredito ser um disco muito importante, tanto pra novíssima safra da música cubana, quanto mundial. Neste disco vemos nascer uma grande voz do jazz e nos foi impossível não a adjetivar da forma como ela se apresenta: Sublime.

Nota: 

Aqui uma amostra:

 Ficha Técnica:

Daymé Arocena: Composição, Vocal, Percussão

Neill Charles: Baixo

Miguel Angel de Armas: Piano

Julio Cezar Gispert: Timbales

Omar Gonzalez: Baixo

Yasek Manzano: Trumpete

Rob Mitchell: Piano

Maria Julia Nunez: Onkokolo, Percussão

Oli Savil: Bongôs, Cajon, Congas

Simbad: Baixo, Percussão, Hammond, Piano, Produção

Adrian Valdés: Congas

Yelfris Valdés: Flugelhorn, Trumpetes

Gilles Peterson: Produção

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