Um dos nomes mais reverenciados do cenário do rap baiano, Dark MC morreu na madrugada deste domingo e sua ausência deverá ser sentida!
“Tem que ter pra trocar Salvador, terra de horror Bagdá, onde a palavra amor é usada pra enfeitar um discurso de quem não sabe amar” Dark MC
A sensação que a notícia da morte de Clóvis de Oliveira Santos Junior, conhecido no Rap Nacional como Dark MC, me causa é a de que uma parte do meu trabalho aqui no Oganpazan, também morreu. Tendo começado a escrever sobre o Rap Baiano em 2015, ano de fundação do site, em dezembro como muitos, “Madrugada Fria” calou fundo em meu coração.
A potência daquela madrugada alongada no refrão, o beat com sample da Sade rapidamente tomou de assalto, como um crime perfeito, o rap baiano. Em janeiro do ano seguinte, por estar morando perto de Dark MC e dos caras do Contenção 33, marcamos uma entrevista em minha casa. Ouvimos algumas músicas, tomamos umas cervejas e batemos um papo.
-Leia a entrevista que fizemos com Dark MC no site do Oganpazan
Na entrevista que reli hoje, Dark falava da sua vida antes da música, da força que os caras que ele conheceu em uma roda de freestyle, Torre e High, deram pra ele. Contou que estava cheio de planos trabalhando como zelador em um prédio na Barra e que não desejava de modo algum voltar para a vida no crime. Falou também que encarcerar alguém como uma fera, tratá-lo como fera só poderia ter como resultado uma fera solta nas ruas.
A sensação de que uma parte do meu trabalho no Oganpazan morreu, se dá sobretudo porque não é um trabalho meu, mas que tenta ser de todos. Encontrar algo extraordinário como um MC semi analfabeto que rimava com construções tão complexas, estar tão perto de alguém tão instável como Dark MC e poder comunicar isso para mais pessoas, penso que seja algo que só pode se realizar coletivamente.
Depois da primeira aproximação, Dark MC me chamou para colar na favela dele, tomamos umas cervejas em sua casa, ele colocou uma bujudinha de “Maria Louca”, tomei umas e ele e High tocaram e rimaram duas faixas. Dark MC fez o seu trecho do single “Lei das Quadradas” que foi lançada com Cíntia Savoli, e junto com High a música “A Rua É Contenção” junto com os irmãos do Nois Por Nois.
Neste dia, ao deixar Dark em casa, sai para almoçar e a Maria Louca fez efeito retroativo, só bateu depois que almocei, a cabeça rodou e eu fui pra casa. Depois de um cochilo, acordei com o celular cheio de mensagens do editor do site Oganpazan na época, com o imenso sucesso que o vídeo feito no barraco com a gambiarra de luz atravessando a tela tinha tido, a música de Dark dispensava tranquilamente qualquer acabamento.
A MC Cintía Savoli foi uma das figuras que desde o ínicio deram uma força grande ao trabalho de Clóvis porque os dois foram amigos desde os primeiros momentos. Daí se seguiu trabalhos com o DDH (grupo da dupla Mobb e Baco Exu do Blues), feats com o grupo Rap Nova Era, a mixtape com o seu grupo Conteção 33 e muitos singles. Gravou o Rap Box numa época onde poucas pessoas do Nordeste conseguiam chegar por lá.
Segui-se também um videoclipe junto a organização Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta, gravado dentro da penitenciária Lemos de Brito, onde o próprio Dark cumpriu pena. Um dos seus grandes trabalhos, pois o que a música transparece a todos é exatamente o desejo genuíno de dar prosseguimento a sua vida sem esses percalços, sem cair de novo nas garras do sistema.
É importante lembrar que Dark era também um excelente MC de batalha, que protagonizou épicos com o grande 16 Beats na época parte do grupo Malaô. Infelizmente, um registro que eu tinha de uma das batalhas de final mais fortes dos dois MC’s foi perdida em um HD. Mas, quem lembra daquela época de 2016/2017 sabe que era uma das rivalidades mais fortes nas batalhas de Salvador.
Em sua trajetória artística, Dark MC fez shows em Aracaju e em Maceió, o artista já tinha uma boa base de fãs e soltou mais alguns singles e um EP solo em 2022, “Deus da Guerra (Crônicas)”. Os problemas que Dark enfrentou com a justiça, os erros que cometeu são em alguma medida conhecidos pelo público pois se tornaram matérias na mídia.
Não nos cabe hoje, entre acertos e vacilos, entre a repetição de padrões e o extraordinário de uma existência apontar nada além do registro da perda de uma vida que hoje é imortal para além de sua morte. Um dos grandes poetas orgânicos das ruas de Salcity, um irmãozinho, minha idade permite, que por um tempo se equilibrou com uma majestade pouco vista na corda bamba de ser um jovem negro periférico fazendo arte em meio a guerra racial de alta intensidade.
Suas músicas nos contam sua vida e sua morte, mas apenas ao custo de entendermos que ele é todos nós!
-Dark MC nos chegou e se foi em uma “Madrugada Fria”, O Rap baiano de luto! – Artigo
Por Danilo Cruz