Daniel Furlan lançou recentemente o single ‘Não Vale Nada’, parte do seu mais novo projeto intitulado, a banda Tropical Nada. O lançamento oficial do álbum homônimo acontece nesta sexta-feira, 20 de janeiro.
Um cara da música
Talvez você não se lembre, por estar velho demais, ou quem sabe pelo desgaste psicológico e emocional que a vida de assalariado tenha provocado em sua memória ao longo de anos de exploração laboral. Ou simplesmente porque você nasceu na primeira década deste milênio em diante e simplesmente não possui memória alguma do que fora a saudosa MTV-Brasil. Furlan.
Devido a qualquer um desses motivos acima listados, você também desconhece que Daniel Fulan fez parte da MTV – Brasil nos anos finais da filial brazuca.
Portanto, você não vai lembrar que ele, juntamente com seus “comparsas” da TV QUASE, mais o grande Arnaldo Branco, produziram uma séria sobre uma banda punk garageira como muitas das que existem por aí na cena independente e underground mundo afora.
O nome da série levou o nome da banda, Overdose. O já citado Arnaldo Branco assinou a direção e o roteiro, enquanto Daniel Fulan (o baixista Danny Star), Raul Chequer (o batera Rony Thunder) e Juliano Enrico (o vocalista e guitarrista Jhonny Guitar) interpretaram os membros deste power trio que de muitas formas sintetiza, de forma satírica, o que é a vida de uma banda de rock independente. A série foi exibida entre 12 de agosto e 2 de setembro de 2013. Porém, você pode assisti-la clicando bem aqui.
Indo mais a fundo sobre as ligações de Daniel Furlan e a música, em particular o rock, podemos resgatar seu período como frontman da banda Ócio, fundada no início da primeira década dos anos 2000 juntamente com os amigos Rodrigo Larica (baixo) e Patrick Preato (bateria). Furlan assumia a guitarra e os vocais.
A banda é um power trio de blues rock com altas pitadas de grunge, que lançou dois bons álbuns: Mood Swings de 2006, ano em que os membros da banda consideram ser seu início oficial, e Guilty Beat de 2010. A banda lançaria ainda dois EPs antes de encerrar as atividades: Ócio e Última Tour ambos de 2018.
Falha de Cobertura, Craque Daniel, Choque de Cultura e Renan, isso você já conhece
Furlan se destacou e consolidou seu nome no meio artístico e na indústria do entretenimento através de outros dos seus muitos talentos e habilidades. Isso foi possível graças ao árduo e criativo trabalho desenvolvido como roteirista, ator, comediante, produzindo vídeos, (ele mesmo já se definiu como “um escravo do áudio visual” em entrevista concedida para o site Road To Cydonia), produzindo conteúdos para a internet junto com os companheiros e companheiras do canal TV QUASE.
Foi aí onde nasceram os sucessos de crítica e público como a corrosiva mesa redonda Falha de Cobertura, o caótico O Último Programa do Mundo e a crítica cinematográfica non sense do Choque de Cultura.
Também lançou dois livro, um através do sarcástico e aproveitador Craque Daniel, contra quem nunca conseguiram provar nada, intitulado Você Não Merece Ser Feliz – Como Conseguir Mesmo Assim e o outro conjuntamente com seus parceiros de Choque de Cultura Raul Chequer (Maurílio), Caito Mainier (Rogerinho do Ingá) e Leandro Ramos (Julinho da Van). O livro recebeu o nome de Choque de Cultura: 79 filmes pra assistir enquanto dirige.
Por todos estes trabalhos você que lê este texto, conhece bem o Daniel Furlan. Talvez não pelo seu nome, mas pelos personagens que tão bem estabeleceu no imaginário pop brasileiro ao longo de já quase uma década.
A consolidação substancial desses personagens através, principalmente do Choque de Cultura e do Falha de Cobertura, colocam Furlan em uma situação difícil, separar o seu eu “real”, lastreado pelo seu RG, do seus alter egos Craque Daniel e Renan.
Bom, mas isso só é uma dificuldade se ele não segue os ensinamentos expostos pelo Craque Daniel em seu livro. Então, pode ser que não haja dificuldade alguma e pouco importa se as pessoas vão se referir ao seu novo projeto como a banda, o álbum e o show do Craque Daniel ou Renan. Quem sabe um dia possa perguntar isso a ele numa entrevista.
Agora podemos partir rumo ao Tropical Nada
Podemos partir e falar pelo menos com base no que pudemos ouvir com o single Não Vale Nada lançado recentemente em todas as plataformas digitais. A meu ver, temos que ter com o single, o mesmo cuidado que temos com o trailer de um filme. Assim como muitas vezes o trailer não reflete bem aquilo que é o filme, o mesmo ocorre com o single com relação ao álbum, ao menos em muitos casos.
Bom, nem sempre é assim, e confesso pra vocês que Não Vale Nada me deixou ansioso, muito ansioso pra ouvir o álbum cheio que será lançado oficialmente no dia 20 de janeiro, próxima sexta-feira, dia de São Sebastião. Em show que será realizado em São Paulo no palco do Studio SP, veja os detalhes aqui.
Este single mostra um amadurecimento do Furlan enquanto compositor. Afirmo isso levando em consideração o trampo realizado junto à sua primeira banda Ócio.
Embora fosse uma banda segura tecnicamente, não conseguiu dar o salto criativo necessário para oferecer algo fresco, que não estivesse arraigado em formatos e arranjos já batidos. Além disso, o fato da Ócio ter suas letras cantadas em inglês já era por si só um tiro no pé, uma vez que o Furlan faz um uso criativo das palavras. Sabendo construir frases e argumentos tenazes, certeiros, muito bem articulados e “temperados” com tensões, tiradas sarcásticas, entonações na hora certa para ressaltar esta ou aquela ideia.
Tudo bem, sei que há diferença em escrever um texto corrido e escrever versos. Mas se você ouviu atentamente Não Vale Nada, você vai ver que este estilo tão bem trabalhado por Furlan em seus roteiros, foi usado muito bem nos versos desta música. As tensões criadas, as entradas dos instrumentos, enfim, os arranjos feitos, funcionam muito bem para criar estas tensões e chamar atenção para determinadas partes do que tá sendo cantado.
E aí, o modo como seus personagens falam em sua produção audiovisual, se faz presente nos modos como a musicalidade de Não Vale Nada é construída. Deixa eu ver se consigo mostrar isso. O início da música é um riff sozinho, ao que me parece reproduzido por um instrumento com recursos eletrônicos, uma guitarra ou sintetizador, então entra o Furlan cantando.
E a letra vem naquele clima beirando ao niilismo, dum cara que poderia muito bem ter saído na noite e aquilo não ter sido suficiente para dar algum sentido praquele role. E no final deste primeiro verso a melodia dá uma semitonada, tipo um passo tropego de alguém que volta pra casa após esse role frustrante.
Nesse momento uma percussão com efeitos eletrônicos enfatiza “a volta pra casa” com duas notas executadas de forma pesada. No próximo verso o niilismo vai se comprovando, quando o eu lírico diz que “Todo mundo chorou no novo filme que eu ri”, fato que coloca sua alto estima em risco.
O cara vai se reconhecendo na contra mão da vida social. E essa sensação nauseante é passada não apenas pela letra, mas também pelo arranjo pensado para acompanhá-la até este momento da música. E aí começamos a perceber que o arranjo vai acrescentando novas camadas.
A batera entra ao fundo, mas aí já vamos tendo uma sensação de ritmo mais acentuada e ao fundo o que parecem efeitos de um sintetizador vão dando densidade à música. Aos poucos a coisa vai ganhando um ar dramático, como se uma verdade oracular fosse ser proferida.
E é isso que acontece quando a bateria dá aquela virada e entra o refrão dizendo que tanto este eu quanto seus interlocutores existenciais tem consciência de que não valem nada! Cara, este momento é uma explosão de niilismo que quase nos leva a um pessimismo radical. O eu lírico grita a plenos pulmões na cara de quem esteja ao alcance de sua voz que não valemos nada. Chega a ser desesperador em certo sentido.
Durante o refrão temos um preenchimento através dos vários elementos sonoros que são colocados em cena e temos esta sensação de expansão, como se ao assumir a consciência de que “não se vale nada” fosse libertadora o suficiente pois nos coloca em pé de igualdade com tudo aquilo que existe.
Nos libertamos do peso que a humanidade nos colocou através da linguagem, da consciência de si e da religião e outras instituições de que nós somos o centro da existência, quando na verdade somos tão insignificantes como um mero grão de areia.
Só de ter sido sutilmente conduzido a estas elocubrações, através de emoções despertadas pela audição deste single, as expectativas para o que o álbum cheio nos reserva são as mais altas possíveis. E como nada do que o Daniel Furlan até aqui me decepcionou, confesso estar seguro de que as expectativas serão satisfeitas. Se bem, que há sempre uma primeira vez pra tudo nessa vida.
Um rascunho de ficha técnica de ‘Tropical Nada’
Para formar a Tropical Nada Furlan (voz e guitarra) chamou Zé Ruivo (teclados), seu parceiro nas músicas da animação “Irmão do Jorel” e Bento Abreu (bateria/voz), amigo de longa data com quem Daniel já havia trabalhado antes.
O álbum, homônimo, foi produzido por Bento Abreu, Daniel Furlan e Marcel Dadalto, mixado por Eber Pinheiro e masterizado por Brian Lucey no Magic Garden Mastering, em Los Angeles. Vale destacar ainda a participação de Rodrigo Lima (Dead Fish) na faixa “Ontem Eu Tive um Pesadelo com Você”.
AS FAIXAS DE “TROPICAL NADA”
- Beijo de Saliva
- Você é um Piano Caindo do Topo de um Prédio em Cima de Mim
- Não Vale Nada
- Quem é Meu Pai?
- Ontem Eu Tive um Pesadelo com Você – feat. Rodrigo Lima
- Ontem Eu Tive um Pesadelo com Você (Outro)
- Sexo Ruim
- A Gente Não Era Assim
- Que Frenesi
- Esqueci o Nome
*Com informações do material de divulgação do disco, que não chegou pro Oganpazan, mas que eu dei um jeito de catar na internet.