O rapper DaGanja mostra que evolução é algo pra poucos, reconstruindo a música do rapper americano Young Thug, mistura referências com uma originalidade ímpar.
Veterano na cena do rap nacional, já tendo feito parte de grupos clássicos como o Testemunhaz e o Afrogueto, DaGanja mostra por a + b como verdadeiros artistas lidam com “modas”: zeram o game. O trap, assim como qualquer outro ritmo encontra nos artistas suas possibilidades e DaGanja leva-o longe numa letra fortíssima sobre a violência policial que nos assola cotidianamente nas nossas periferias.
Artista versátil e capaz de transitar por diversos gêneros e ritmos musicais, com diversos trabalhos junto à banda de pagode Psirico, tendo recentemente gravado uma versão da música de Edu Krieger, Xeque-Mate com Igor Kanario, música que alcançou bastante sucesso apesar do seu tema espinhoso e pouco visto neste gênero.
Além disso, é de lei encontra-lo junto com a excelente Pali OJC, em noites de puro reggae, onde suas rimas seguem o balanço da maravilhosa trombonista e sua banda. Em Fiança, o mano traz essa vivência junto ao pagode baiano para sua música, mostrando como é sempre enriquecedor para a arte o trânsito com outros artistas fora da caixa onde se está acostumado a atuar.
Com toda essa bagagem e atuações diversas na cena musical baiana e brasileira, podemos perceber facilmente neste single a evolução constante do rapper. O seu flow passeia com tranquilidade e excelência entre a rapidez das rimas, as transições onde a batida pede pausas e entre-cortes nos versos e no cantar da própria melodia, com a absorção de certa influência do canto do pagode.
O que dá um brilho especial à música e aponta mais uma vez para as infinitas possibilidades que a aproximação entre os dois estilos podem gerar. Se alguém estava assustado com a invasão do trap, DaGanja tranquiliza corações e mentes mostrando que os ritmos podem conduzir, mas que verdadeiros criadores conduzem os tempos, sejam musicais, ou os que vivemos.
A atualização da música de Young Thug, na utilização do classudo remix do Dj GuG, é outro ponto alto. Se por um lado DaGanja segue basicamente a mesma estrutura do original, sua criação, a letra colocada na forma do flow apontado acima, nos comunica muito mais fortemente. Mostrando-nos como é possível se apropriar ao mesmo tempo, dos melhores elementos do trap e do pagode baiano.
O tema da violência policial é esquadrinhado com perfeição, demonstrando como esse assunto (milhares de vezes abordado no rap) encontra – infelizmente – infintas variações. E como é possível poetizar recortando a nossa realidade no seu ponto mais nevrálgico; para nós que somos assediados pelos “anjos da morte” em nosso cotidiano.
Em Fiança, DaGanja não só aponta sua denuncia para o braço armado do estado e sua truculência como também nos coloca a questão de muitos que apoiam e até justificam nossa politica pública de segurança genocida.
“Se pra você tá de boa com essa porra que vai ser cobrada, quando eles entram até matam crianças na nossa quebrada. […] Ninguém assume o estrago que faz a bala disparar”.
Sim, uma sociedade doente aonde a violência vem de uma corporação policial programada para suprimir a população negra e pobre (por todos os meios necessários), mas que também encontra nessa própria sociedade sua justificação moral e política, racista para tais ações.
E naquele ponto onde realmente a vida se faz arte, o gambé que enquadrou DaGanja e Ravi Lobo, ganhou uma rajada em forma de música, tal como pediu.
Fiança é a primeira das pedras preciosas que DaGanja larga no caminho para seu tão esperado novo disco. Nós recomendamos que vocês estejam atentos pois esse single é auspicioso para o que vem pela frente.
Curta no repeat, com o volume no máximo e ainda baixe e jogue no celular para andar esperto:
