Criolo mandou: convoque Seu Buda

Dizem que chiclete da fome. Se você não comer nada durante uma par de horas e começar a mascar a goma, verás que seu estômago fica meio breaco-confuso… No fim das contas considero essa dúvida corporal uma demonstração de fome, não sou médico, mas virou consenso dentro da ”sabedoria das ruas”, comer chiclete = fome.
Em 2014 o Criolo fez todos seus fãs passarem fome, mas para enganar ele dava um chiclete, na verdade ele deu três:

1) O single ”Duas de Cinco”, presente neste novo trabalho.
2) ”Cóccix-tência”.
3) E o curta ilustrando as duas faixas já citadas, plus a grade horária e histórica do futuro do Grajauex.

Desde a virada do calendário Maia (fazendo a transição de 2013-2014), que os fãs do Rapper estão com fome, o chiclete foi engando, enganando… Mas chegou uma hora que não dava mais, nós precisávamos colocar algo ”de verdade” no estômago, algo sólido, mas ele pegou pesado demais. 
Antes eram três chicletes… Falamos tanto desse novo disco que o LP não tinha nem data pra sair, no começo da semana passada o próprio poeta falou: ”Sai em novembro” e no dia 03 ele soltou a pedrada com tudo, com direito a impulso e o escambal. Pra quem ficou a míngua ”Convoque Seu Buda” é um banquete para os mendigos, será ótimo degustá-lo e trabalhoso para digerir tamanha gama de rap com farofa. Toneladas de rimas para serem dissecadas, um trampo que não necessita nem de sobremesa.

Track List:
”Convoque Seu Buda”
”Esquiva da Esgrima”
”Cartão de Visita”- Tulipa Ruiz
”Casa de Papelão”
”Fermento Pra Massa”
”Pé de Breque”
”Pegue pra Ela”
”Plano de Voo” – Síntese
”Duas de Cinco”
”Fio de Prumo (Pade Onã)” – Juçara Marçal

O Criolo é cheio de falar para os fãs: ”Gratidão”. Gratidão aqui, ali, acolá… Ouvi esse disco durante cinco horas seguidas na madruga do lançamento, e meu Buda, a gratidão é nossa. Primeiramente vale ressaltar que seu melhor CD (opinião do resenhista), surge no melhor momento possível e paradoxalmente, no mais difícil também.
Do ano passado até o presente momento o Criolo caiu na boca do povo, mas não do costumeiro fã de Rap e sim do fã de Jazz, de Bossa, de Heavy, Hard… Até minha mãe gosta do cidadão e ela abomina rimas, menos a deste senhor. Nunca vi um músico que surgiu deste celeiro de poesia ser tão popular e conseguir dialogar com tantas camadas falando a mesma coisa. 
A quebrada interpreta o Criolo de ”Grajauex”, os pseudo-cults começam as atividades do dia e lavam corpos, contam corpos… E no momento onde seu som era mais exaltado ele podia muito bem ter surgido com um LP mediano e colido os louros, mas não, ele plantou a semente da oportunidade acreditando que ”Ainda Há Tempo”, cuidou pra germinar sem ”Nó Na Orelha” e come o fruto sem semente junto com seu guia espiritual.
Parece exagero, pode até parecer que este que vos escreve queimou a largada, mas esse disco vai ser lembrado e, de uma forma MUITO ampla, limitar com a alcunha de Rap é ignorar a qualidade e o nível fora do normal que a rima desse cidadão interliga conteúdo e se faz atual, imediata, bonita, poética e marcante.

A faixa título desceu na linha azul e foi dar rolê no bairro dos japas. Tem trecho de mangá, cutuco no maconheiro sem alma crítica, crack e uma brinde aos protestantes de Facebook, molecada que vai pra manifestação tirar foto e pagar de patriota. Depois ”Esquiva da Esgrima” aparece segurando seu amigo que enche o caneco e sai voando baixo na ambulância. Só em citação com dois minutos de som podemos encher duas palmas de mão, temos nomes de quem construiu a história do Rap, a vida com contato e relações superficiais, a beira do colapso da nossa humanidade, baião de fundo, drogas como moeda de troca, piada com a copa, vinagre de manifestação.   
Na primeira fila,”Cartão de Visita” apresenta um Criolo chic, encabeçando dinastias, fazendo a rima tal qual o Alfredo do comercial da Neve, na estica. Ainda tem o swing do Funk, Tulipa Ruiz aveludando o fone de ouvido, FGV resolvendo a inflação e Lázaro Ramos com sua tradicional saga pessoal do leite da fazenda. Posteriormente ”Casa de Papelão” faz batuque com metais travestidos de Free Jazz pique Ornett Coleman. ”Fermento Pra Massa” faz as vezes com o país das greves, reclama do preço do pão, faz um sambinha de primeira regando a ideia com pingos de revolução e conclui que pra fazer a massa, o importante é não deixar o pessoal no circo. 

E convocar os ”Pé de Breque”, pregar o respeito pelo lion man e queimar a Babilônia, só de quem deu intera claro, fora um Dub especialmente lesante de backgroud. Tudo com ”Plano de Voo”, talvez o melhor momento do disco, apresentando a rima do Neto (Síntese), pra quem não conhecia. Um flow excelente, críticas caindo atirando e pitadas de suco em pó, fora o brilhantismo do participante, várias fitas e um impacto voraz, digno de orquestração… No fim faltou até ar.


Ainda bem que depois aparece ”Duas de Cinco”. Seu beat surge conhecido e com absorção mais relax, porém o conteúdo é de uma riqueza sem igual, de Star Wars à alcólicos anônimos, de uma bucha até risadas de psicopata. E depois ainda tem Juçara Marçal fechando o lacre de genialidade e mandando a ideia pra vários amantes de conteúdo relevante… Abre caminho tranquilo pra eu passar… Vai Criolo, vai com Buda, até a capa desse disco é foda. 

Como diria o Neto: Extraordinário. Tirem a alma do stand by e, Criolo, please, se for pra nos deixar à míngua, fique tranquilo, vale a pena passar perrengue com o cartão do fome zero se o beat não parar com ideias desse quilate. Ubuntu, e viva a abstinência de chiclete e a abertura das portas de Aldous Huxley com imãs de geladeira filosóficos.

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