Cosmic Travelers foi uma banda que atravessou a história do rock com a fugacidade de uma estrela cadente porém sua marca se tornou indelével
Muitas são as grandes bandas e diversas são suas contribuições para a música. Os anos 60 e 70 nos legaram grandiosos artistas e bandas clássicas, conhecidos mundialmente, mas também bandas e artistas obscuros que no submundo do rock contribuíram a sua maneira para a arte musical. O Cosmic Travelers é um caso muito sui generis nesse quesito, pois a banda se reuniu para um show, ensaiou por dois dias e nos legou um petardo.
Um álbum ao vivo que detém uma energia sem igual, uma verdadeira erupção de criatividade nos fazendo por vezes pensar numa jam sessions, onde os músicos utilizam sua virtuosidade e criatividade em favor da música. Live! At The Spring Crater Celebration Diamond Head, Oahu, Hawaii 1972 nos apresenta apenas 6 canções, o que é suficiente para entendermos que não existe justiça na indústria musical.
Apresentando um fascinante mistura de Hard Rock, Soul & Funk, Drake Levin (guitarra), Jimmy McGhee (guitarras e vocais), Joel Christie (baixo e vocais) e Dale “a Mula” Loyola (bateria e vocais) simplesmente conduzem um entrosamento de veteranos no palco. Tocam com um naturalidade e produzindo trocas dignas de quem passou muito tempo tocando junto. E de fato dois desses grandes músicos já tinham uma larga trajetória no mundo da música americana. Drake Levin aos 16 anos já integrava o clássico grupo Paul Revere & The Raiders, gravando vários dos clássicos da banda nos anos 60. Junto ao outro guitarrista e amigo Jimmy McGhee atuou também nas bandas da grande diva Etta James e ao cantor de rock Gene Redding.
O excelente baixista e vocalista Joel Christie, vinha de sua própria banda em Los Angeles e atuava como vocalista solo no espetáculo musical de Jesus Christ Superstar, importante peça daquela década de contracultura e desbunde. Peça teatral hippie, que depois se tornaria um filme de grande sucesso já em 1973 dirigido pelo grande cineasta Norman Jewison. Junta-se a trupe o super solicitado baterista de estúdio peruano Dale Loyola.
O disco que teve apenas 1000 cópias prensadas pela gravadora à época sobreviveu graças aos colecionadores de raridades que com internet passaram a disponibilizar os mp3. Em 2012 esse petardo teve uma merecida reedição em cd, o que levou a esposa de Drake que veio a falecer em 2009, Sandra Levin a escrever um texto de apresentação que nos esclareceu alguns dos dados biográficos aqui presentes.
Para além do fetiche de colecionar/ouvir bandas que ninguém conhece, a audição atenta destas obras nos revela em muitos casos como a arte esta sempre para além do seu mercado. Seja em que campo for, a indústria cultural seleciona por critérios que variam muito e a história da arte termina sendo escrita pelos artistas de sucesso. Os Cosmic Travelers certamente são um caso muito singular e se não fosse esse disco não teríamos acesso a um show que além da sua inquestionável qualidade nos aponta todas as potencialidades presentes nessa reunião. Quantas bandas ao redor do mundo não foram a frente, mas nós ao presenciarmos um show, um ensaio, vimos o quanto aquilo poderia render?
O repertório reunido para essa apresentação é de cinco versões de canções já conhecidas e uma composição curtinha da própria banda. O show abre com a porrada Farther Up The Road (gravada originalmente por Bobby ‘Blue’ Bland em 1957) aqui totalmente recriada numa pegada hard funky irresistível. Um groove digno de um cruzamento inusitado entre Sly and The Family Stone e JPT Scare Band. O baixo de Christie imprime linhas cheias de sustância groovada recebendo o apoio da bateria segura e quebrada de Loyola. E o dueto de guitarra entre Drake & McGhee, é algo de louvar de joelhos em seus solos endiabrados e wah-wah’s afiadíssimos.
Passados os nove minutos dessa abertura, provavelmente ninguém naquela tarde na ilha de Oahu esperava menos do que viria a seguir. E se em Farther Up The Road, os caras atualizaram um R&B com a potência do hard, aqui os caras foram no mestre do jazz-funk Dr. Lonnie Smith e tomaram emprestado um dos seus clássicos Move Your Hand do disco de mesmo nome de 1969. Se o dueto se dava na música anterior entre as guitarras, aqui o principal dueto é entre as vozes de Christie e McGhee, entre chamados e respostas e dividindo o coro com o batera Loyola, numa espécie de gospel cósmico. Desaceleram, retiram o peso, mas capricham no groove, mas arrastado aqui porém não menos forte.
Outro clássico obscuro do rhythm blues, Jungle Juice dessa vez buscado no repertório do pouco conhecido Sticks McGhee (irmão do grande mestre do blues Brownie McGhee) é a terceira faixa do disco. Aqui a música recebe um tratamento plenamente Soul music, com Jimmy McGhee assumindo o vocal. Outra recriação muito eficiente e mesmo curtinha tem um solo matador do Drake Levin, mostrando toda sua veia virtuose.
Composição dos membros do super grupo Traffic, Jim Capaldi e Dave Manson, Look At You Look at Me, gravada originalmente no disco solo do Manson, é completamente despida de sua elegante melodia e arranjos clean. Novamente aplicando a formula hard-funky a banda vai progressivamente destruindo o arranjo original para fazer da música uma peça mais dançante e mais power do que o seu original. As palhetadas nas duas guitarras vão conduzindo a banda num riff certeiro, enquanto a “Mula” Loyola, vai segurando e quebrando o ritmo à perfeição.
Buscando agora no repertório de Gene Redding, com quem McGhee trabalhou, I Got Soul é uma funkeira pesada no original e é retratada aqui em todo o seu groove na versão dos viajantes cósmicos. A guitarra de McGhee pula ao primeiro plano, num riff poderoso e hipnótico, o supra citado entrosamento dos caras é aqui aferido com a mais plena consistência. Na versão nomeada na bolacha apenas como Soul a versão ganha o dobro de duração. Espaço mais do que suficiente para a banda brincar com a quebra de andamentos e solos, sem perder em momento algum o embalo.
Plateia já na mão, a banda brinca no palco com o total domínio da áurea que eles mesmos criaram, e ouvimos a pergunta: Funk or Rock’n Roll Music? Como que pra espezinhar nosso entendimento até então totalmente imerso no som, buscando apenas seguir os fluxos cósmicos emanados em viagens musicais que não precisam de nomenclatura. E quando pensamos que terminou, vem uma composição da própria banda.
“Soul Reprise” é na realidade uma continuação em ritmo mais rápido da anterior, acelerando como o Surfista Prateado entre os planetas. Essa força e essa rapidez que os Cosmic Travelers imprimem ao final de sua apresentação é por nós sentido hoje, passados 45 anos desse show, como um sinal, um aceno ao futuro até então não descortinado.
Uma aceleração do nosso sentimento de perda em não ter tido a oportunidade de ouvir composições próprias desses caras tão talentosos. Mas que em apenas um show, conseguiram abrindo mão dos seus conhecimentos e qualidades artísticas marcar pra sempre seu nome como grupo para os que apreciam o rock feito naquela altura. Assim como propondo uma mistura com o funk/soul de onde bebem com destreza e conseguem produzir um som singular, que poderia ter-lhes alçado a outras posições se tivessem tido a oportunidade de compor e gravar material próprio.
Dê o play nessa raridade maravilhosa e siga os caras por suas viagens cósmicas:
https://www.youtube.com/watch?v=uPizi-xg1Pg
Faixas
1. Farther Up The Road (Joe Veasey. Don Robey) – 9:16
2. Move Your Hands (Lonnie Smith) – 10:24
3. Jungle Juice (Granville McGhee) – 6:46
4. Look at You Look At Me (Dave Mason, Jim Capaldi) – 3:52
5. Soul (McGhee, Redding) – 7:00
6. Soul Reprise (McGhee, Levin, Christie, Loyola) – 2:13
The Cosmic Travelers
*Drake Levin – Guitarra
*Jimmy McGhee – Guitarra, Vocais
*Joel Christie – Baixo, Vocais
*Dale Loyola – Bateria, Vocais