Composto por 6 faixas nomeadas com a presentificação de “personas” negras importantes, o EP do Coronel é uma excelente reflexão!
Em seu novo trabalho, o MC mineiro Coronel nos apresenta uma excelente reflexão sobre masculinidade negra, sem contudo passar nenhum verniz acadêmico nas suas ideias. Toda a construção engendrada poética e ritmicamente pelo MC, em parceria com o produtor Dawmata é extraída de suas próprias vivências tomando não apenas os seus mais próximos como referências. Coronel utiliza também modelos famosos de personalidades negras americanas e de personagens como vetores de conduta e obviamente de inspiração na caminhada!
Desde o ano de 2017, ao longo dos últimos seis anos, Coronel lançou 7 álbuns e 3 Eps, além de diversos singles e audiovisuais, construindo um obra de responsa! Apesar de como um bom e velho MC, o artista não se restringe a sub-gêneros do rap na hora de rimar e lançar seus trampos, ele é um apaixonado pelo boombap, como contou em entrevista ao mano Gustavo Marques aqui mesmo no Oganpazan. Neste EP novo, “Dia de Treinamento”, as produções do Dawmata caminham todas neste espaço musical, obviamente com a cara inventiva do produtor, ajudando a construir a identidade do trabalho, onde Coronel despeja suas rimas sob o molejo do seu flow.
“Apela não sô, cê sabe que eu não minto, sempre pegou atalho, eu fui forjado em labirinto”
Talvez o aspecto mais fundamental presente neste trabalho do Coronel, e pelo menos aquele que mais nos tocou, seja a ideia intrínseca às 6 canções: a formação do homem negro periférico. Percorrendo o EP está ideia recebe acabamentos, pivotamentos e um escrutínio fragmentado que ao fim, nos transmite uma visão ampla da infância até a idade adulta do MC. Atravessamentos narrados pelo autor, sobre aspectos da sua vida que recebem um tratamento de auto reflexão muito honesta e impactante!
Ao trabalhar referências de personalidades reais e fictícias de uma negritude que está dentro da formação subjetiva da população negra mundial, Coronel vai além de tratar apenas de pessoas, e conseguem pensar personas. “Denzel Washington”, “Viola Davis”, “Jordan Peele” e “Will Smith” são matéria prima de ficções que ajudaram nas últimas décadas a aprofundar a representatividade da negritude no cinema. Enquanto personagens como “Shaft” – um dos mais importantes da história do cinema – criação do grande Gordon Parks, representado por Richard Roundtree e “Franklin Saint”, personagem contemporâneo da série, representado por Dansom Idris na série Snowfall, são dois lados da moeda negra no século XX e XXI.
Essa constelação de autores e personagens, são utilizados para nomear as faixas, porém ao não tratar diretamente dos seus feitos e ações, Coronel extrai destes, suas substâncias para repensar a si mesmo e a sua trajetória como homem negro. Ao mesmo tempo, como artista dentro da cultura hip-hop utiliza-os para criticas mordazes à industria cultural supremacista branca que exclui negros e negras, do que lhes é mais próprio.
A sonoridade produzida pelos beats do Dawmata cria um clima denso, com a utilização de cortes de sons que são inseridos como pano de fundo das batidas, o que nos transmite a sensação de estarmos assistindo um filme. A construção de uma trilha sonora deste filme onde o Coronel povoa com ideias e imagens poéticas, com personagens e afetos e afecções da alma. Muito adequado à ideia central do trabalho, Dawmata apresenta uma produção “finesse” e muito bem pensada!
Ao longo das músicas, Coronel relata vivências – algo muito comum no rap – porém nos traz uma construção poética que o faz produzir auto críticas, a mira sua rajada lírica no game e ao mesmo tempo a ressaltar o seu amor pela sonoridade. Tudo isso, com a educação sentimental do homem negro como background das faixas, formação subjetiva, política e ética, tendo as ruas e a familia como vetores de formação e mirando nos modelos ficcionais e da indústria cinematográfica como exemplos éticos. A utilização de anti-herois negros como Shaft e Franklin Saint, o MC mineiro rompe com a moralidade cristã para pensar o seu ethos e ao mesmo tempo refletindo suas ideias políticas.
Delimitando muito bem o território geográfico e político no qual a sua caminhada se fez, Coronel assenta essa vivência pessoal em um periferia que alcança universalidade estética, pois poderia ser aqui na Bahia ou em Lagos, na Nigéria. As perspectivas ilusórias e os afetos contra producentes produzidos e valorados por uma sociedade colonial e patriarcal, de origem europeia, fruto do colonialismo são colocadas em cheque pelas narrativas propostas pelo MC. Sua poética alcança um força muito grande de desconstrução de si mesmo, e isso é o mais importante, não há cagação de regras e nem julgamentos morais por parte do autor.
Na última música, o fechamento do EP encontra um bonito relato dessas questões referentes a masculinidades negras e sobre ela eu só gostaria de dizer que educadores nunca odiarão “maus alunos”, pois os verdadeiros entre nós sabe que são esses talvez os mais saudáveis, os que não se curvam a regras estúpidas e a uma estrutura opressiva. Enquanto educador, vejo nesse trabalho do Coronel um dos trabalhos mais sólidos lançados esse ano, fruto de um MC que vem construindo uma obra de vulto e que segue se expandindo!
-Coronel em “Dia de Treinamento”, novo EP com produção de Dawmata! Resenha
Por Danilo Cruz