Coro Mc lança sua Mixtape 1.2 (2018) com seis sons trabalhados em cima da Tape D.R.U.M.S do beatmaker holandês Kofi The Unknow, pílulas reais
Engraçado como chegamos a determinados artistas e triste como muitas vezes não refletimos muito sobre esses encontros. Se é bem verdade que a procura interessada ou o encontro indicado não deveriam interferir na percepção do conteúdo, é também certeiro que a forma como achamos e quem indica, muitas vezes determina nossa relação afetiva com a obra em questão.
Já fazem uns dois anos, que numa bela tarde regada a cerveja, bom papo, música e gastação, em uma visita a casa do mano Galf A.C., durante uma caminhada que demos da sua casa até a orla do Bonfim, ele me falou sobre dois mc’s de Fortaleza com os quais estava fechando trabalhos. Os artificies em questão eram Carlos Gallo e Coro Mc, do primeiro tinha a referência obvia do Costa a Costa, mas quem era aquele Coro?
Galf narrava-me a epopeia vivida alguns anos antes pelo então desconhecido – por mim – Coro, e como ele tinha vencido um concurso e gravado um excelente ep e era talentoso pra caralho e tal. Enfim, fui pra casa e depois de um tempo procurei saber por mim mesmo, que concurso era aquele de que nunca tinha ouvido falar e mais importante ainda, quem era o vencedor.
O caso em questão é que o rapper cearense Coro Mc ganhou em 2015 o importante Converse Rubber Tracks WorldWide, um projeto que previa o intercâmbio de 84 artista do mundo inteiro, gravando em estúdio icônicos ao redor do mundo. Como se tornou público no mesmo ano, Coro teve seu visto negado pela embaixada estadunidense e esse acontecimento o impediu de ir gravar Sunset Sound em Los Angeles.
Nessa correria o mano teve que mudar seus planos internacionais e gravou no estúdio carioca Toca do Bandido e dessa correria surgiu o recentemente recém lançado ep Vem Desse Naipe (2018). Mas se puxarmos a ficha corrida desse mano, encontramos ainda um outro Epzinho de pelo menos três anos antes desse acontecimento acima mencionado: O Começo ( Uns samples, uns sonhos e um puro sentimento) (2012).
Além de alguns singles soltos, o primeiro trampo fechado que ouvi do Coro Mc foram as faixas transformadas em clipes que compõem o EP Vem Desse Naipe (2018). E não demora muito pra perceber o quanto esse artista cearense elimina em suas músicas qualquer sinal de futilidade, centrando suas rimas em dois pontos ao mesmo tempo; no pertencimento e na luta por melhoria nas quebradas. Nos dois clipes que o mano soltou é possível perceber, o mostrar em cores reais, a vivência nas ruas violentamente habitadas, seja pela violência do crime organizado, seja pela desorganização das construções, ou ainda, pela pobreza que denotam. Mas ao mesmo tempo, nesses mesmos clipes, é possível ver as linhas de fuga e as possibilidades de mudança, no incentivar e mostrar o outro lados dessas vidas, na alegria das pessoas ou mesmo nas belezas naturais presentes ao redor.
Nessa caminhada de luta e arte como elemento capaz de transformar afetos e ideias em força para o gueto se energizar e ampliar consciências, Coro Mc, lançou a Mixtape 1.2 (2018) que apelidamos singelamente de Minutos de Sabedoria. Com uma construção singular, como é a sua própria forma de fazer arte, o mano encontrou em seus passeios pela internet uma beat tape de um produtor holandês chamado Kofi The Unknow.
A beat tape em questão Tape D.R.UM.S, rapidamente o inspirou a escrever em cima, e nesse processo, Coro optou por produzir letras e músicas mais condensadas. Pequenas pílulas de alta concentração lírica daquelas que uma vez engolidas são capazes de restaurar nossos anticorpos e combater determinados males que se não devidamente tratados são a causa de diversas doenças e em casos extremos podem levar a morte.
São 6 sons muito intensos e curtos, nenhuma das faixas alcança os dois minutos, condensações da memória atenta e ativa, e ao mesmo tempo uma auto exegese artística porque é necessário primeiro se examinar se se quer transmitir algo verdadeiro. E é preciso estar atento na audição para não perder o fio da meada, pois o mano Coro Mc pensa sempre sua arte de modo a transmitir um pensamento unificador em sua obra.
A começar pela capa que traz a imagem de um planta de cannabis fruto do cruzamento entre uma especie original da Holanda e uma do Brasil. Cruzamento que aqui produz efeitos diferentes do THC, no cruzamento entre as rimas e o canto do mc cearense e do produtor holandês.
Já faixa de abertura “Vários Flashes“, temos uma declaração do mc à sua própria mãe, trazendo um retrato em flashes rápidos da memória, sobre sofrimentos, erros e o principal, o reconhecimento dos esforços e da importância de sua rainha. Em “É Noiz” o papo é sobre as alianças com os manos que acrescentam no seu trabalho e na vida, o evitamento dos que podem trazer problemas ou falsidade, o aprendizado com os mais velhos.
Uma das mais tocantes da mixtape, é a narração de um caso daqueles que é universal em nossa diáspora encurralada na guerra às drogas, são milhões com a mesma ambição pequena do “Jhonny“. Mais um dos nossos maninhos que querem apenas viver, ter opções de lazer e consumo, mas que caem – infelizmente – na armadilha do tráfico. A faixa que é baseada num caso real, teve infelizmente, na realidade retratada e no caso particular do mano em questão um final trágico, todo dia os nossos tombam e nos perguntamos até quando?
Uma outra faixa muito forte, exatamente por retratar uma caminhada diametralmente oposta da anterior, “Oásis” traz uma força poética absurda por nos mostrar a potência necessária não apenas para atravessar o deserto do real. Mas sobretudo, por demonstrar com os fatos, a possibilidade de se criar os nossos próprios oásis, a aplicação do sample do Erasmo Carlos, acrescenta um comentário muito bonito a mensagem.
Nessas passagens rápidas entre temas complexos condensados em pequenas pílulas, a cartela tem espaço também para o amor. “Noutras Condições” é uma faixa que vai além das declarações melosas e da auto afirmação sexual, para narrar um verdadeiro entorno construído pelo amor, onde dois desfrutam as conquistas. E dessa forma “Colheita” é quase uma oração de agradecimento a vida, no melhor formato Hip Hop.
A última faixa da mixtape traz-nos de algum modo, uma excelente deixa para finalizarmos esse texto, onde mal e parcamente tentamos recensear a caminhada artística de Coro Mc até aqui. A música fala muito bem, resumindo objetivamente os fatos e artisticamente clareando a visão de quem talvez não o conheça.
Temos em Coro Mc, um mc real, alguém que tem bastante clareza sobre a situação em que vivemos, sobre os problemas que enfrentamos, mas que sobretudo, consegue transformar isso em arte. Sua respiração é plena, não há nenhum sinal de urgência em seu flow, apenas a força e a técnica capaz de nos mostrar a necessidade de termos calma. Diante de um cotidiano de guerra civil como Fortaleza vive a muitos anos, a lírica do rapper cearense é uma aula de resiliência, a capacidade de analisar a conjuntura e entender que apenas o trabalho paciente, estratégico e contínuo será capaz de fazer algo passar, através de todas as dificuldades impostas.
Quando eu era criança sempre abria o livrinho muito famoso do Minutos de Sabedoria, e com aquelas mensagens rápidas eu era levado a pensar. Hoje, já adulto e tendo escutado a Mixtape 1.2 (2018) do rapper cearense Coro Mc, escuto-o indo pro trampo no repeat, bolando minhas próprias estrategias, acalmando os ímpetos de ansiedade e me concentrando no meu foco.
Experimente:
https://www.youtube.com/watch?v=GM50T09iquw&list=PLW16hkNykFEWpSN1eMJHt8uMorpp3C5Bz