Estivesse vivo Johnny Ramone completaria 67 anos hoje, 08 de outubro de 2015. Para celebrar a data resolvermos escrever sobre Commando, sua autobiografia.
Commando está entre os grandes hits da história do punk rock! Sua popularidade dentro do universo dos Ramones, nem se fala! A música Commando faz parte do segundo álbum de estúdio dos Ramones, Leave Home, de 1977. Tornou-se marca registrada da banda ao vivo devido seu apelo junto ao público, sempre de punhos cerrados e levantados para cantar junto com a banda. A letra parece retratar a situação de uma força especial preparada para o combate, seja em Hanói, seja na Alemenha Oriental.
Existe o elemento humor, mas também um quê de seriedade se já se sabe qual a filiação política de Johnny. Basta termos atenção ao refrão: “First rule is: The laws of Germany/ Second rule is: Be nice to mommy/ Third rule is: Don’t talk to commies/ Fourth rule is: Eat kosher salamis”. Republicano de carteirinha, a ponto de nos extras do livro listar seus dez republicanos favoritos, tendo Ronald Reagan e Richard Nixon como primeiro e segundo colocados respectivamente. Durante todo livro escancara sua adesão ao conservadorismo político.
Quero chamar atenção principalmente para a terceira regra que proíbe falar com comunistas. Sabemos que o Dee Dee era o principal letrista, mas cá entre nós, se a letra de Commando não foi escrita pelo Johnny, certamente esse verso é dele! Todo esse preâmbulo a respeito da música tem a intensão de verificar a conexão com o título escolhido pelo Johnny para sua autobiografia. Aliás, escolha bem feita se considerarmos a personalidade do guitarrista dos Ramones.
Estabelecer regras foi uma das ocupações de Johnny junto aos Ramones. Ele se agarrou à banda como um náufrago se agarra à uma tábua, percebendo que sua única chance de não ser um perdedor estava em fazer com que a banda desse certo. Chamou para si a responsabilidade de gerir a banda e não teve problemas em fazê-lo com mãos de ferro. Não se tratava apenas de música, sucesso, mulheres, drogas, isso tudo foi relegado a segundo plano pelo guitarrista. O principal era ter meios de ter uma vida mais tranquila quanto possível. Para Johnny ter uma banda era como ter um emprego, levou essa perspectiva a sério, assumiu a função de patrão e não teve problemas em fazer isso.
O fato de Commando ser um relato autobiográfico em si só é motivo suficiente para considerar sua importância e a obrigatoriedade de lê-la se você é fan dos Ramones e gosta de punk rock. Isso porque temos os relatos do próprio músico sobre a maneira como vê a si mesmo e sua relação com os demais membros da banda. Johnny a escreveu como tocou sua guitarra: de forma seca, rápida e direta.
Johnny Ramone se mostra um sujeito prático desde a adolescência, comungando de uma visão de mundo bastante individualista, pautada na ideia de que é preciso trabalhar duro para conseguir sobreviver. Sua filosofia de vida sempre esteve pautada na ideia de ganhar o pão de cada dia através do próprio suor. Já no prólogo ele faz um apanhado geral sobre sua personalidade e o modo como via o mundo. A lente usada por ele durante toda a vida se construiu através de um sentimento que muitos consideram destrutivo, a raiva! Esse sentimento primitivo era a essência do guitarrista e era o combustível que o colocava em movimento.
A raiva se manifestava em seu olhar, em seu comportamento e principalmente na sua forma de tocar a guitarra. Certamente ela foi importante para a construção estética do estilo musical dos Ramones. Ele relata dois momentos interessantes que mostram Johnny Ramone sendo Johnny Ramone fora dos palcos, ou seja, mostram a raiva o levando a agir de outra forma que não é tocando guitarra. A primeira foi o soco dado na cara do Malcon McLaren na famosa casa de shows de Los Angeles Whisky a Go Go. Isso simplesmente porque o cara não gostou do Johnny ter mandado sua namorada na época não conversar com o Malcon. Por este ter ido perguntar qual era o problema com o Johnny, recebeu logo um soco na cara. Só não terminou de maneira pior por terem segurado o guitarrista, que já tinha pegado o baixo do Dee Dee para, em suas palavras, “terminar o serviço”.
Outro caso de como a raiva dirigia as ações de Johnny foi quando Joe se atrasou para um encontro dos dois amigos. Ao chegar atrasado no encontro com Johnny para irem ao cinema, Joe foi recebido com um soco no braço. Segundo Johnny a atitude se justificava por Joe não ter motivos para se atrasar. Dá pra imaginar o que foi tocar numa banda cujo chefe era Johnny Ramone. Assim foi Johnny durante toda a vida, até ser diagnosticado com câncer em 1997. Os relatos da luta contra a doença são emocionantes. O câncer moldou a personalidade de Johnny e fez aparecer um novo “eu” do guitarrista. Faltava-lhe energia até para sentir raiva. Isso o deixava ainda mais descontente com a situação, a ponto de dizer sentir falta do antigo “eu”.
Ser um guitarrista esteve diretamente ligado à essa personalidade durona de Johnny Ramone, bem como aquilo que foi o próprio Ramones. O momento musical de Johnny sempre foi aquele em que estava com seus companheiros em cima do palco, fazendo um show. Era quando se sentia livre, relaxado, pois naquele instante se sentia o dono do mundo.
Commando é a história de um garoto criado numa família de classe média alta, tradicional, cujo pai era patriota e havia servido no Vietnam, transmitindo valores baseados nessa ideologia ao filho. Mas que o colocou em contato com a música através da velha jukebox que havia em seu bar, onde o garoto passava boa parte do tempo ouvindo Elvis, Jerry Lee Lewis e outros grandes nomes do rock dos anos 50.
O gosto pelo beisebol também veio através do pai e levou Johnny a colecionar figurinhas dos jogadores da MLB, liga de basebol dos Estados Unidos, durante a vida toda. Por falar nisso, Johnny era colecionador inveterado e as histórias sobre os shows que ia com o objetivo de guardar os ingressos para aumentar sua “coleção de ingressos de shows que assistiu” são fantásticas. O amor pelo cinema de terror e ficção científica B e a quase idolatria pela figura de Elvis Presley, tudo isso é contado em Commando a partir de histórias muito interessantes e, em alguns momentos, divertidas.
Do meu ponto de vista as partes em que ele fala sobre a relação dele com o Joe são as mais emocionantes. Johnny baixa ao menos um pouco a guarda, mas claro, sempre devolvendo com um jab, mas tratando-se de um cara como o Johnny acaba sendo algo muito representativo. Vê-se a dificuldade em expressar os sentimentos, em reconhecer ter agido de forma pouco amigável… e quando ele fala que apesar de todos os problema entre os dois ele ainda amava o cara, pois no final das contas Joe era um Ramone. Ainda seguindo por este caminho, o posicionamento dele acerca do episódio em que se apaixona pela Linda, naquele momento o amor da vida do Joe, também merece destaque.
O livro conta ainda com extras muito legais! Temos os dez mais de todos os tempos de Johnny Ramone, entre os maiores do beisebol, os maiores guitarristas, os maiores republicanos, os maiores filmes de terror, os maiores discos do Elvis, os maiores filmes dos Elvis (rs, desculpem), dentre outros assuntos do interesse de Johnny. E o mais importante, a avaliação de Johnny de cada um dos álbuns dos Ramones.
Se você gosta de música, Commando é um livro que você vai gostar de ler. Mas se você gosta de Ramones, a leitura é obrigatória. E se você chegou até aqui, no final do texto, é porque você realmente gosta dos caras. Então aproveite, para comprá-lo e lê-lo! One, Two, Three, Four!!!!!
Ficha Técnica:
Título: Commando – A Autobiografia de Johnny Ramone
Autor: Johnny Ramone
Editora: Leya
Edição: 1
Ano: 2012
Idioma: Português
Especificações: Capa dura | 178 páginas
ISBN: 978-85-8044-574-9
Peso: 540g
Dimensões: 230mm x 160mm