Cocoa Tea Um dos grandes mestres do dancehall, em 1985 estreou com uma enxurrada de discos geniais mas que infelizmente são pouco conhecidos
A rica história da música jamaicana tem em Cocoa Tea um capítulo importante e fundamental para todos os admiradores dessa cultura linda e resistente. Frutos que vem da pequena ilha que não cessa de nos dar presentes maravilhosos, apesar de tudo. Frutos que foram decisivos para o desenvolvimento da música mundial, algo reconhecido por todas as almas sensíveis a grande música negra proveniente da Jamaica que floresceu em diversos outros gêneros.
Mas por incrível que pareça, foram os branquelos do Sublime que nos levaram ao grande mestre do Dancehall. Cocoa Tea foi uma das muitas fontes nas quais a banda californiana bebeu, assim como Bob Marley e Toots & The Maytals, outras fortes influências jamaicanas em sua música.
O Sublime é uma banda californiana que apareceu pro mundo com o estouro da música Santeria na MTV, um clipe do excelente terceiro disco homônimo lançado em julho de 1996, três meses após o seu vocalista, guitarrista e compositor principal morrer. Foi através de uma música do excelente 40 Oz To Freedom (1992), que numa audição alguém – a memória queimou – citou Cocoa Tea, obrigado mesmo assim.
Obviamente, tendo aprendido cedo a lição de que é preciso burlar a industria cultural e ir beber direto na fonte, corremos atrás dessa referência, e nessa caminhada já se fazem algumas décadas que curtimos muito a música genial, feita por mais esse mestre jamaicano.
Nascido como Calvin George Scott em 1959, em Rocky Point, Claredon, o jovem Calvin entrou para a escola primária em sua cidade e seguiu depois seus estudos, na escola secundária Bustamante Junior na localidade de Lionel Town. Já muito cedo o pequeno Calvin se destacou nos corais de igreja onde passou e essa exposição o levou a gravar a primeira música, Searching In The Hills (1974) com apenas 14 anos.
Essa estreia prematura, que não trouxe sucesso nem dividendos não lhe encorajou a seguir a carreira da música, e sendo assim Calvin Scott seguiu sua vida e foi jockey e pescador durante os próximos 5 anos. Mas a música falou mais alto, e enquanto pescava ele começou a organizar sua carreira musical. Passou a escrever suas músicas e testá-las nos bailes, onde aos poucos começou a ser valorizado com sua arte. Cocoa Tea foi o nome artístico adotado pelo artista, proveniente de sua paixão por chocolate quente.
Mas foi o nascimento de sua primeira filha Rashane, que lhe trouxe à consciência a necessidade de firmar uma carreira profissional na música. Depois de muitos treinos e já escrevendo material próprio, em 1983 depois de esculachar numa apresentação épica num dos Dancehalls que frequentava, o produtor Henry “Junjo” Lawes. Dessa parceria nasceria logo a seguir grandes clássicos do Dancehall jamaicano.
Entre os anos de 1982 e 1985, é possível afirmar que Cocoa Tea desenvolveu o seu estilo musical, e soltou uma excelente sequência de pedradas como singles. Grandes sucessos como Lost My Sonia(1982), Rocking Dolly (1983), Who A The Champion (1984) e Christmas Is Coming (1984), foram aos poucos moldando os ouvidos de geral para a arte que Cocoa Tea, firmaria definitivamente em 1985.
Ano importante profissional e espiritualmente, para o artista, foi exatamente no meio da década de 80 onde Cocoa Tea estreou com seus primeiros LP’s, ao mesmo tempo em que se convertia ao modo de vida Rastafari. E, não estamos falando de qualquer estreia, estamos falando de nada menos que 4 discos oficiais lançados em 1985 e mais uma copilação de batalhas.
A cultura fonográfica jamaicana implica que muitos discos de um mesmo artista, às vezes sejam lançados como meras copilações de singles, e no caso de Cocoa Tea não foi diferente. Porém, desses 5 discos, apesar de termos alguns singles se repetindo de um disco para outro, para aproveitar a popularidade alta de alguns de seus hits, o material original se impõe entre esses lançamentos.
Uma verdadeira copilação de grandes sucessos, certamente esse primeiro disco fruto da parceria entre Junjo Lawes e Cocoa Tea, é um dos discos mais marcantes da cultura dancehall. Daqueles álbuns, em que colocamos e seguimos ouvindo no repeat, pois além dos clássicos Rocking Dolly e Lost My Sonia temos outras grandes músicas, como Informer e Evening Time, por exemplo onde o grande mestre mescla com sua genialidade a rapidez no flow e a doçura de sua voz.
Disco lançado pela pequena gravadora Volcano, operada naquela altura pelo produtor Henry “Junjo” Lawes, o selo que era distribuído pela Sony também gravou nomes importantes da cultura dancehall como Yellowman, Beenie Man e Eek-A-Mouse, entre outros grandes. Infelizmente, não conseguimos informações mais aprofundadas sobre a banda que o acompanha nas faixas que compõem o disco. Mas, apesar de muitos sites apontarem que a copilação, essa sim, uma coletânea Rocking Dolly (1986) ser o primeiro disco do artista. É aqui, que o mundo conheceu o primeiro disco cheio do mestre jamaicano.
Segundo disco em parceria com o Junjo Lawes, mais um lançamento pela Volcano, temos aqui a repetição de muitos dos sucessos presentes no disco anterior porém com o acréscimo de algumas faixas inéditas. Entre essas músicas inéditas, um excelente exemplo da delicia que é ouvir a música de Cocoa Tea, é a terceira faixa, Jah Made Them That Way. Um reggae mais tradicional, onde a doçura da voz do jamaicano vem a tona com uma força incrível, daqueles reggaes feitos pra dançar coladinho no amor. Outra pedrada hipnótica, é a quinta faixa presente no disco, Can’t Stop Cocoa Tea, que deixa nos bastante claro, o porque. Rimando com suavidade e muita malemolência, o mestre vai nos envolvendo com uma tranquilidade deliciosa.
Um single não inserido na sua estreia, On Top Of The World, chega pesado nesse disco, originalmente lançado num 12″ junto a Christmas Is Coming em 1984, aparece somente aqui como a penúltima faixa da bolacha. Fechando a sequência de 10 pedradas na sequência, o nosso capacete é atingido por outra pequena perola com Chalice Nuh Fi Ramp With. Um segundo disco que mesmo que contanto com pelo menos metade das músicas já lançadas no album anterior, não pode ser visto como apenas mais uma coletâneas.
As quatros músicas inéditas contidas na bolacha já são mais do que motivos suficientes para se apreciar essa maravilha sem moderação. Além do fato, de que esse é um dos poucos discos que estão presentes na integra nos tão festejados streamings e com uma boa qualidade de remasterização. Você pode ouvir online aqui.
As batalhas, as disputas são algo fundamental dentro da cultura da reggae music, desde as disputas dos sound systems que buscavam esconder, uns dos outros os selos dos discos que tocavam ali pelos anos 50 e 60 até as batalhas dentro dos mesmos bailes. E obviamente, os deejays não ficariam de fora, e é dentro desses contextos que surgem os discos de Clash (batalhas), onde performances de dois ou mais artistas do dancehall são copiladas.
Aqui, Coco Tea possui 3 músicas e o outro grande nome do dancehall Tenor Saw, outras três cançoes, onde as músicas são intercaladas por performances dub de artistas não identificados. Os riddims utilizados aqui por Cocoa Tea, diferentemente dos dois primeiros discos, já possuem muitos elementos da música eletrônica que então começava a ser a base para os riddims originais.
O disco lançado originalmente pelo selo inglês Hawkeye Records, é ao que consta o terceiro lançamento desse ano mágico para o artista. As músicas presentes do mestre Cocoa Tea são: Nah Give Up, You and I e My Time, e são exemplos de sua grande qualidade e originalidade, pouco conhecidas as faixas, mas facilmente encontráveis em programas P2P de download de mp3.
Terceiro disco do mestre Calvin Scott e primeiro de uma sequência de três que gravaria junto ao produtor King Jammy’s, Mr. Cocoa é mais uma coleção impressionante de grandes pedras do dancehall. Nas mãos do grande produtor King Jammy, Cocoa Tea recebeu nos riddims que utilizou aqui, toques de dub e outras timbragens que podem ser facilmente identificadas pelo ouvinte. Marcando assim uma nova fase em sua carreira.
Lançado pela Corner Stone, gravadora do King Jammy’s, é também de algum modo o primeiro disco onde Cocoa Tea começa a trazer em suas letras a força da sua conversão ao Rastafarianismo. Aqui vale a pena notar, que os dois primeiros discos lançados em 1985 traziam ainda composições mais antigas de 82 a 85, e nesse sentido, Mr. Cocoa Tea, é o primeiro disco do mestre a refletir de modo sincronizado seu momento politico e espiritual.
As canções deste disco não tiveram o grande sucesso, das que estão presentes nos dois primeiros discos, mas são pedradas do mesmo jeito, destaque para as linhas de baixo ressaltadas nas produções do King Jammy’s. Músicas como Come Back, We Haffi Leave e I’ve Got To Love You Jah, mostram isso na aproximação ao classic reggae.
Destaque para Sweet Coco Tea, novamente uma daquelas onde as qualidades mais fortes do canto e do flow do artista jamaicano ficam mais aparentes. Outra nessa linha é a Try a Thing, que é só chuva de groove fechando o disco com metais adicionados, é prova de que o mestre não viveu neste começo de poucos hits, mas sim de uma obra muito consistente.
Segundo lançamento pela Corner Stone e com produção do King Jammy’s, que ainda produziria Come Again (1987). Esse é oficialmente o quarto disco da carreira de Cocoa Tea, e é surpreendente o quanto esse artista produziu e lançou em apenas um ano. Durante esse passeio pelos seus quatro discos oficiais e mais a copilação junto ao Tenor Saw, a impressão que fica é que Cocoa passou seu tempo enquanto pescava planejando com maestria os caminhos que seguiria. Pois, com quatro lançamentos oficiais, o artista não deixa a peteca cair em momento algum, a qualidade e a variedade de sua arte não conhecem meio termo, pelo contrário, disparando para todos os lados, trabalhando com grandes produtores, ele firmou seu nome na história do reggae de modo definitivo.
Don’t Be Shy é certamente um exemplo de que hits são construções feitas por muitos fatores que estão além da música, pois essa é uma canção que esta no mesmo nível de suas mais conhecidas produções. Outra música presente nesse disco e que conforma a mesma linha de pensamento, é a maravilhosa I’ve Got To love You, uma pérola que reflete o momento de conversão do músico. Música que nomeia o disco, Settle Down também é outra pedrada que traz fortes mensagens sobre a religião rastafari.
Ao longo das oito canções presentes em Settle Down (1985), mas sobretudo durante a audição desses primeiros discos do mestre Cocoa Tea, é indelével a certeza que esse é um artista que precisa ser redescoberto. E que fique bem claro, aqui estamos apenas diante da estreia, o primeiro ano de lançamentos de discos cheios do artista jamaicanos, que ainda estouraria pro mundo inteiro e que segue produzindo a todo vapor.
Desejamos que essa introdução a obra do Cocoa Tea lhes instigue a descobrir mais outras perolas desse grande artista jamaicano:
-Cocoa Tea Um dos grandes mestres do dancehall!
Por Danilo Cruz