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Chess Records: A importância da música negra americana

Chess Records: A importância da música negra americana para o mundo, a influência dos artistas que ajudaram a disseminar a música em todo o globo

 

A história do blues é de fundamental importância para qualquer pessoa interessada nos desdobramentos da música mundial no século 20. É importante perceber as suas particularidades desde o seu surgimento no sul profundo, dentro das plantations estadudidenses no final do século 19, até suas migrações e desenvolvimentos nas grandes cidades americanas. É do blues americano que o jazz, o R&B, o soul e o funk, além do rock, posteriormente gêneros musicais influentes em todo mundo, retiraram seu DNA musical.

O enfrentamento das dificuldades da vida material e emocional transformadas em música por gênios como Charlie Patton, Robert Johnson, Bukka White e Bessie Smith, entre outros, serviram de inspiração para o processo de evolução musical de todo o mundo. Pois, dada a força com a qual os EUA e sua indústria cultural dominaram e influenciaram o mundo, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, é possível ver essas ramificações de sua música por todo o globo terrestre, do Vietnã ao Equador.

O processo de globalização e a hegemonia política, econômica e militar que se seguiu ao fim da Guerra Fria determinaram a influência americana nas culturas locais do mundo inteiro.

Pode-se notar influência da música negra americana nas mais diversas culturas ao redor do globo, na música popular brasileira, como na Bossa Nova e sua inspiração jazzística, assim como do funk/soul no movimento da Black Rio (para ficar em dois exemplos). Desde de antes da emergência da segunda guerra mundial, o jazz já tinha tomado a Europa, mesmo na Alemanha nazista ou, depois, nos países comunistas do leste europeu, onde o jazz se fazia presente.

Da mesma forma que encontra-se blues japonês, brasileiro e em diversas outras partes do globo. É possível também ver o refluxo que essa música afrodiaspórica levou ao próprio continente africano, e para artistas tão importantes quanto distintos no tempo e musicalmente, a exemplo de Ali Farka Touré, Bombino, Mulatu Astakte e o grande Fela Kuti, por exemplo. 

Se é verdade que as culturas locais não foram totalmente suprimidas pelas manifestações populares de origem afro-americana, através da poderosa, massiva e milionária indústria cultural, não é menos verdade que, basicamente, toda a música mundial passou a ser influenciada por essas heranças. Sendo assim, é necessário voltar sempre às verdadeiras raízes da música negra dos EUA para entender quais foram os seus processos e de modo foi construída ao longo dos anos.  

Em suas próprias raízes o blues é bastante rico em nomes, formas de expressão e subgêneros. Muitos especialistas, como o escritor e ensaísta Albert Murray, consideram o blues a música popular que teria encontrado sua expressão mais refinada no jazz. No entanto essa não é uma discussão que abordaremos no momento, utilizamos essa citação apenas para ilustrar um pouco mais o quanto o blues é deveras importante para se compreender a música do século 20 e a atual.

O blues, assim como o jazz, conheceu suas primeiras gravações no inicio do século 20, e é deste período que já podemos ouvir gravações dos primeiros bluesmans a entrar em estúdio como Papa Charlie Jackson ou Blind Lemon Jefferson, já na década de 1920. Jefferson é o primeiro grande astro na venda de discos e um dos verdadeiros mestres a desenvolver a gramática do blues. Inicialmente sendo vendidos dentro de um mercado conhecido como race records (gravações raciais), ou seja, dentro de um mercado segregado, que refletia o que era a situação dos negros americanos antes do movimento pelos Direitos Civis.

No entanto, a primeira gravação do blues é de uma mulher, a grande e pouco comentada Mamie Simth que registrou Crazy Blues em 1920. E nesse sentido é importante notar como são as mulheres os elementos pioneiros em diversos aspectos na música blues. São elas os elementos fundamentais para a popularização do blues, com grandes artistas da envergadura de uma Ma Rainey (que viajava pelos EUA dentro de seu próprio trem) e sua discípula: Bessie Smith.

Dentro dessa história riquíssima, a gravadora Chess Records é capítulo fundamental para entendermos e termos acesso às raízes do blues elétrico, do R&B, do soul e do rock’n roll. Pois é apenas nos anos 1950, que a gravadora dos irmãos Chess surge e se torna a casa de uma grande infinidade de artistas basilares da música negra americana e consequentemente, pelos motivos expostos acima, da música global. Ajudando na eletrificação do blues e desenvolvendo parte essencial da força canônica de grandes mestres.

Esse é um processo que possui diversas pontas e é de uma complexidade e diversidade que impossibilita dar-lhes os contornos mais precisos que lhe seriam justos. Mas é importante mencionar, pelo menos a titulo de ilustração, que é dentro da Chess que uma parte das grandes mutações musicais mais decisivas para o século 20 ocorreram. Podemos ver, por exemplo, a música de dois gênios do blues se encontrarem nas gravações que a Chess fez entre Muddy Waters e a gaita alucinada de Little Walter. Esse encontro que rompeu a forma de tocar com fraseados e solos de gaita complementando a melodia, e passou a ocupar um espaço completo nas músicas, solando nas freneticamente.

Foi por lá também que um dos verdadeiros inventores e o verdadeiro rei do rock gravou suas primeiras canções, encontrando ali um espaço criativo que já trazia o rock’n roll, pelo menos em embrião. Estamos nos referindo ao grande mestre, hoje menos conhecido: Bo Didley. Foi na Chess que ele gravou seu primeiro disco em 1958. Por lá, o grande Chuck Berry lançou pelo menos 30 sucessos de 1955 à 1959, hits geniais que ajudariam a definir o que se conhecia como rock’n roll. 

Chuck Berry, artista contratado pela dupla Leonard e Phill Chess, dois imigrantes judeus poloneses que fundaram a gravadora em Chicago e coincidentemente ajudariam outros dois outros imigrantes – do sul das plantations – em suas chegadas nesse berço do blues elétrico. Mas ainda falando sobre Chuck Berry, depois de alguns anos habitando confortavelmente o topo das paradas de sucesso, o artista foi preso e condenado a 5 anos de prisão além de uma multa de 5000 mil dólares, acusado de transportar uma  jovem menor de idade, através de fronteiras estaduais, para fins sexuais. Começava de modo mais ostensivo, os preparativos para a transformação do rock em música branca.  

Simplificando e resumindo bastante a história, daí por diante e junto a outras ações, o rock se tornaria uma música branca, apesar de suas origens e criadores. Houve apropriação cultural feita à base de prisão, apagamentos e valorização exacerbada de aspectos extramusicais de alguns dos artistas brancos que formariam o panteão do rock americano no começo dos anos 1960.

Todo esse movimento, aqui super resumido, fez com que os EUA, que viram nascer o blues elétrico, o R&B e o começo do soul, definirem os traços do nascente rock, passassem a ter um rock’n roll sem a força da música negra. Poucas foram as bandas que tinham no blues, ali por meados dos anos 60, sua inspiração maior. Poderíamos citar aqui como exemplos de valorização do blues dentro do EUA artistas como The Doors, The Blues ProjectBlue Cheer

Certamente essa desvalorização da negritude inerente ao rock, seria decisiva para os caminhos que o gênero tomaria nos anos seguintes, com o surgimento dos ingleses nessa jogada. Pois do outro lado do oceano, ao contrário dos EUA,  os artistas negros americanos foram devidamente reconhecidos pelos seus aspectos criadores geniais, levando a formação de uma onda que traria um tsunami de volta ao Novo Mundo. E boa parte dessa mutação se deu através da chegada dos discos da Chess Records do outro lado do atlântico. 

A British Invasion e o Blues Britânico jogaria no começo dos anos 60 mesmo que com baixa intensidade, luz aos grandes bluesmans americanos dos anos 50. Impulsionando, mesmo que brevemente, suas carreiras que enfrentavam a desvalorização do público guiado pelos preceitos racistas da industria cultural. 

Dentro desse contexto de criação e influência, dois senhores ocupam lugares especiais no panteão da música americana e mundial, sendo grandes pioneiros do blues elétrico e grandes inspirações para os britânicos. Muddy Waters e Howlin Wolf são os dois nomes mais importantes do blues em sua geração e eram companheiros de gravadora na Chess.

Companheiros, mas não eram lá grandes amigos. Dois dos maiores artistas da música mundial de todos os tempos, e que foram duas das grandes inspirações que os rockeiros britânicos tiveram, justamente através das gravações da Chess. Inclusive os cabeludos dos Rolling Stones, tiraram o nome de sua banda, da música de um deles, do clássico do mestre Muddy Waters (ouça aqui). Howlin Wolf é uma das coisas mais fortes que a história do blues nos ofereceu, com uma forma de cantar toda própria e composições de uma lubricidade nunca antes vista. O “Lobo Uivante” era o contraponto dentro da própria Chess ao refinado e “engomadinho” Muddy Waters.

Se ficássemos apenas nesses nomes já poderíamos deduzir a grande e fundamental importância da gravadora para a música mundial. Mas ainda temos uma das maiores rainhas da soul music, que por lá também fez a sua estréia: a cantora Etta James. Além de outros excelentes nomes que não obtiveram tanta expressão na época, mas que são fundamentais e precisam ser redescobertas. Mas essas histórias, vamos deixar pra segunda parte.

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