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Carlos Santana, CD's, John McLaughlin

Carlos Santana & John McLaughlin: o equilíbrio das forças terrenas de Love Devotion Surrender

Sente-se, cruze as pernas, faça sua preparação pessoal e medite. Vista-se apropriadamente (de branco de preferência), sinta os chakras de seu corpo e simplesmente comece e adentrar o infinito. Acenda um incenso de canela com maçã e comece a propagar seu espiritismo em prol de seu próprio relaxamento e paz interior.
Pare de tentar ser e apenas torne-se algo, enfim, de preferência absoluto. Um ser com pleno controle e conhecimento de seus polos espirituais, quando plenamente incluso e engajado dentro de uma filosofia é praticamente um ser perfeito, porém isso surge com o tempo.

O estudo e o aprofundamento teórico é necessário antes que um ”Love Devotion Surrender” seja criado. Precisamos encontrar um novo rumo para a mente antes de canalizar a energia musical.

Não basta tocar ou possuir o conhecimento da parte técnica, a guitarra nada pode fazer se a mente do tocador é limitada. Sua ideia só vira arte quando o criador entende de que forma pode elevar o padrão criativo e se conectar com o ouvinte, esqueça os rótulos, esse Fusion é Free Jazz ou esse Free Jazz é Fusion? Chama o Sri Chinmoy que ele explica.

Line Up:
Mahavishnu John McLaughlin (guitarra/piano)
Carlos Santana (guitarra)
Doug Rauch (baixo)
Mahalakshmi Eve McLaughlin (piano)
Khalid Yasin (piano/órgão)
Jan Hammer (órgão/bateria/percussão)
Billy Cobham (bateria/percussão)
Don Alias (bateria/percussão)
Mingo Lewis (percussão)
Mike Shrirve (bateria/percussão)
Mingo Lewis (percussão)
Armando Peraza (percussão/vocal)

Track List:
”A Love Supreme” – John Coltrane
”Naima” – John Coltrane
”The Life Divine”
”Let Us Go Into The House Of The Lord”
”Meditation”

A fase Jazz do fantástico Carlos Santana não agrada todo mundo, é quase igual comparar a fase Funk do Deep Purple com o período áureo do Hard-Heavy. Porém creio que poucas vezes dentro da música, o próprio criador se sentiu tão bem em relação aos novos rumos criativos de sua arte.

Depois de aparecer igual um raio em Woodstock, sem ao menos possuir um disco de estúdio (e gravá-lo logo após o festival para aproveitar o burburinho), o ”Latin Rock” do mestre Santana virou febre e a cozinha deste período se seguiu de forma absurdamente prolífica até 1971, com o também excelente ”Santana III”, a trinca do melhor de vossa latinidade, já diria Gilberto Gil.

Teoricamente a cozinha era a mesma, porém fica claro a progressiva evolução pela qual esses discos passaram, sendo o terceiro o momento de saturação deste som. Creio que se o mexicano tivesse optado por continuar nessa linha de ”caldeirão latino”, o próximo LP teria chances bem consideráveis de fracassar, fora que encerrar uma fase é sempre bom se for no topo, exatamente da forma que foi feito.

Só que isso não teve aviso prévio, e em termos práticos foi até que complicado. O baixista da formação original, David Brown saiu da banda em 1971 e foi substituído por Doug Rauch e Tom Rutley, fora Gregg Rolie que foi aos poucos se desentendendo com seu patrão e apesar de tocar em algumas faixas desse LP, também foi substituído, dessa vez por por Tom Coster, o que seria o ultimato do tecladista para sair de mala e cuia para formar o Journey com Neal Schon.

Mas olhando em retrospecto parece que essa fase poderia ter sido pelo menos esperada por seus músicos, afinal de contas nessa momento da vida o guitarrista estava vidrado em Jazz e muito atraído pelos poderes das filosofias espirituais, sendo que isso já poderia ser sentido em disco, com o live colaborativo lançado no mesmo 1972, mas antes de ”Caravenserai”, falo da colaboração entre Santana e Buddy Miles para formar o fantástico Carlos Santana & Buddy Miles! Live!.
Essa foi a iniciação, o rito de passagem de Santana dentro desta peculiar sonoridade, que se apoiando em elementos jazzísticos, buscava elevar o ouvinte, produzindo temas que carregassem consigo a paixão de um hino espiritual. E mesmo que nesse live o Jazz não seja o prato principal, o clima de conexão para com algo maior que o próprio músico ganha força. Com Buddy Miles o nosso guitar hero passa a ser apenas um instrumento de propagação de sua fé, uma versão adaptada para novelas mexicanas da clássica imunização racional Maia, de Tião do Brasil.
Mas esse lapso espiritual não surgiu do nada, aliás ele atende por um nome e não por pura e mera coincidência, que também toca guitarra! E pasmem os senhores, é ele que está do lado esquerdo do mestre Santana na foto em que temos três senhores, (dois deles sentados). Sendo que o do meio era o fio condutor entre os dois músicos, o guru que implementou a filosofia dos polos opostos, o sereno Sri Chinmoy, um cara que mesmo não tocando nem campainha foi um dos maiores responsáveis pelos rumos criativos que a carreira de ambos os envolvidos teriam, não só neste projeto, mas também posteriormente.
E como Chinmoy já era velho conhecido de John McLaughlin e já tinha começado a propagar sua ideia utópica pra cima do virtuoso músico, desde seus tempos solo, passando pelo Mahavishnu Orchestra e reverberando até mesmo depois que a parceria entre ambos já era assunto do passado no Shakti, fica claro que John já estava habituado e plenamente situado nessa nova vida.

Onde seu Jazz complexo seguia as leis de seu guru de forma cega, para conseguir atingir um grau de exatidão musical que sozinho ele nunca conseguira antes. E agora que sabia que o Santana estava começando a ter interesse em seu mesmo segmento de atuação, era hora de fazer a mesma purificação com o guitarrista.

E depois que a meditação tratou de isolar tudo que não agregava nada na música de Carlos e, que este começou a de fato esvaziar sua mente e enchê-la apenas de pertencimento, que John, após o sinal de Chinmoy, percebeu que era hora de levar isso para estúdio e o nome da união já deixa claro como a coisa era séria: Carlos Santana/Mahavishnu John McLaughlin – ”Love Devotion Surrender”.
”Mahavishnu” não foi apenas metade do nome de uma das maiores bandas da história da música, como também era o batismo de John dentro das leis de seu guru, só que o idealizador do projeto foi o único a colocar seu codinome no disco. ”Devadip”, ou como era conhecido, Carlos Santana, preferiu preservar sua identidade. E agora que ambos tratavam-se de seres elevados, o mais justo era propagar tudo que o mentor da dupla semeou tempos atrás, a bendita trinca: ”Love Devotion Surrender”.

Que para resumir o nível de piração, inclusive citando o próprio responsável: ”Quando o finito entra no infinito, torna-se o infinito tudo de uma vez. Quando uma pequena gota entra no oceano, não podemos traçar a queda. Torna-se o poderoso oceano”. Agora junte este não tradicional raciocínio com McLaughlin dando aulas de guitarra para Santana, uma homenagem ao clássico de John Coltrane, ”A Love Supreme” e uma equipe de doze músicos (todos de branco no estúdio), que você talvez chegue perto da energia incandescentemente inexplicável, que um dos maiores discos da história da música, emana em prol de coisas finitas que devem se juntar para simplesmente tornarem-se infinitas.

E em 35 minutos sendo alvejado pelo mais magnífico som, temos uma clara amostra do que essa frase do senhor Chinmoy significa. Um som que emite uma nota para começar a reverberar, mas que assim que o faz, já com a nota estreante, adentra o todo da jam e torna-se o infinito particular que escutamos em disco e LP.

Sem esse exagero sem precedentes de tentar ser um cover para a épica versão de Coltrane, mas com um trabalho nada simples de expandir os horizontes de dois temas que o saxofonista criou para ”A Love Supreme” e continuar o caminho com a música, que com uma urgência poucas vezes ouvida, sai de forma desenfreada numa hecatombe de solos dos mais intrincados, sentimentais e intensos.

Momentos que se escutados de olhos abertos são semelhantes a colocar a cabeça dentro de um liquidificador, mas que se forem apreciados na calmaria de olhares cerrados, transmitem uma paz existencial que poucos acreditavam existir, até esse ápice celestial de guitarras.

Que se apoiando no conceito de renovação e encerramento de ciclos da obra de Coltrane, culmina com uma sessão de pura e abastada liberdade em prol de instrumentos que funcionam em pura extensão do pensamento de Miles Davis, isso sem contar um Santana (que me desculpe o McLaughlin), é o principal destaque do disco.

Não tem pra Billy Cobham, Jan Hammer, Doug Rauch ou Mike Shrirve, aqui ”Devadip” assume a PRS e por meio do corpo de Carlos executa passagens kaledoscópicamente possantes que emanam o montante energético de dez usinas de Itaipú, seja tocando temas de Coltrane, como a já citada ”A Love Supreme” e ”Naima” (onde justiça seja feita, John arrebenta), ou escolhendo romper o que nem dez Jim Morrisons conseguiriam (”Break On Through To The Other Side”), superar o paradigma do outro lado com a teoria mística dos quase dez minutos de ”The Life Divine”.

Ou recriando uma atmosfera tão pura e absolutamente volátil, que qualquer um pode afirmar com quase 100% de certeza, que quando a dupla começa a maior imersão espiralada do disco com ”Let Us Go Into The House Of The Lord”, que os responsáveis realmente entraram na casa de Deus. E os solos do guitarrista mexicano são um singelo retrato do ambiente, das conversas e da paz que o jardim do senhor poderia nos proporcionar e acabou evaporando para a dupla.

Esqueça pedais de efeito, overdubs e qualquer outro tipo de artimanha que pode ser utilizada em estúdio. Esse trabalho estabelece algo que para qualquer músico é realmente digno de se formar uma nova religião, o comprometimento com sua arte. Não importa se esse novo pacto que ambos concordaram em firmar deixassem-os meio bitolados futuramente, o ponto é perceber como mergulharam nisso de cabeça e, focados, criaram algo que ninguém em seu juízo perfeito poderia sentar para escrever em partituras. 

E para provar como esse disco é único, trata-se de um dos raríssimos casos onde a crítica mal soube explaná-lo tamanha a gama de elogios, mas que os fãs, tanto de Carlos quanto de McLaughlin, mal conseguiram entender (apesar das boas vendas). E dizer que aqui as linhas são repletas de sentimentos, ou que a banda de apoio arrebenta quando requisitado (mas passando desapercebida várias vezes), é pouco, diria que quase nada. 

Essa colaboração faz até o mais cético dos fãs repensar o papel da música, por que depois que Devadip adentra a casa do senhor e nos conta como foi, não tem como não presumir que ”Meditation” tenha sido sua reflexão após o ocorrido. A música é uma religião, só que com Santana & McLaughlin você visita a igreja e tem mais contato com o dito ser superior, do em que muita sessão de espiritismo por aí… Até ouvir esse trabalho o resenhista era agnóstico, após o play ele passou a realmente acreditar que é possível fazer parte do infinito. Devadip e Mahavishnu, senhoras e senhores!

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