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BVBPT. II explode na costa do rap nacional, Galf AC e a Maré de Março!

Galf AC

Contando com 16 faixas, BVBPT.II é o primeiro lançamento de peso do MC baiano Galf AC que invade o mês com sua Maré de Março

Acho que a poesia, em especial, trata da inquietude eterna, da inquietude mortal, a inquietude presente no espírito, a sua morada derradeira.” Derek Walcott 

Na tentativa de entender o sentido da arte, elaboramos muitas vezes analogias que buscam transmitir como sentimos e entendemos a continuidade de uma obra. Acompanhando Galf AC desde 2015, ao longo desses 7 anos não cansamos de buscar entender sua trajetória, assim como de almejarmos dar uma visão de conjunto a suas produções. 

Na altura do lançamento de sua estréia em disco com Fragmentos de Uma Mente Volátil (2016) chamávamos atenção para o esquartejamento de sua poesia em coletivos e participações e o quanto aquele primeiro movimento mais sólido e solo, começava a organizar o baba. Seguiu-se o “Projeto Vapor” e tanto lá quanto aqui o nomear parecia refletir um ethos e uma política: voador, inconstante, gasoso, um movimento constante onde a queima era fruto do esforço do motor e não alimento do mesmo. 

Longe da química, se organizando, fechando uma equipe de trabalho fruto de uma aliança underground e rueira, Galf entrou no ano de 2021 com uma série de produções, muitas músicas gravadas. Mas sobretudo, decidido a fixar uma obra potente, antes dispersa. A qualidade enquanto MC, essa há muito que é reconhecida e ponto pacífico em Salcity. Resta-lhe o respeito com sua própria arte e consequentemente consigo mesmo, ele conseguiu. 

Anunciávamos no ano passado que todos esses anos anteriores tinham se condensado e formado nuvens negras que se precipitaram primeiramente em BVBPT. I (2021) primeira parte desse novo disco. Na sequência foi a vez do excelente EP Travö (2021) com a produção do inglês Giallo Point. Trabalhos bem produzidos e calcados na estética do boom bap, inspirado no movimento da “New Golden Era”. 

Eis que todo esse caminho nos traz a este mês e podemos começar a presenciar a sua Maré de Março. Começando por hoje, Galf AC, assim como as ondas nesta época do ano, apresenta um volume maior, alcançando outros pontos da costa onde normalmente não chega. Ao invés de surfar o hype, o artista nos oferece ondas maiores do que estamos acostumados a ver sair dele. O público que curte o seu trabalho já pode começar a fluir na mesma harmonia deste movimento desencadeado pelo MC. 

 

Acho que a poesia lida com a busca da questão da qualidade, qual é a qualidade da inquietude de um homem.” Derek Walcott 

Sem sombra de dúvidas, BVBPT. II (2022) é o melhor trabalho de Galf AC até aqui, o mais coeso, o melhor produzido e onde por esses fatores o artista consegue um resultado ímpar. Ora, não estamos falando de alguém que começou ontem, com este lançamento Galf coloca em seu currículo solo o seu quarto disco. No entanto, o ouvinte que já o acompanha não terá dúvidas ao concluir a audição de BVBPT. II. Nas faixas 15 faixas + o remix presente no disco, Galf AC utiliza o expediente de encurtar as músicas, criando pequenas e densas “histórias” que cumprem o que promete: Bota pra ver bicho. 

Seja com os cenários, com as ideias, com as imagens poéticas, com as denúncias, ou ainda, com as construções dos versos, com a sequência de refrões filosóficos, com a variação dos flows, com os inserts de canto ou com a sujeira lírica, você verá bicho! Ao canto falado de Galf AC, se une um time de beatmakers que produzem uma cama sonora rítmica e atmosférica, onde os relatos poéticos deitam e rolam. Beats onde os timbres são muito bem escolhidos, onde os samples são inseridos com maestria, calcados no boombap porém longe de serem meramente uma reverência ao passado. 

A questão da tradição é algo importante aqui, pois é fundamental perceber que toda a obra de Galf AC no rap é sempre embebida de um apego aos pilares da cultura hip-hop. Contracultural desde adolescente quando fez parte da nascente cena do grindcore em Salvador, sua entrada no hip-hop se deu já ciente de aspectos ideológicos que não podem ser negociados. Essa talvez seja junto com a qualidade e agressividade suja de sua lírica, as maiores constantes de sua caminhada. 

Com o auxílio da equipe de beatmakers composta por Maurício Martillo (Equador), Pivoman, Gil Daltro, Isac no Beat, Jumar Paralelo e o Tiago Simões que também assina mix e master, o MC desfila uma série de questões. A “mensagem” presente nas faixas é geralmente enviada através de diagnósticos e questionamentos sobre a “decadência do ocidente”. 

Além desses aspectos sonoros, vale a pena prestar atenção na impactante capa do trabalho que é arte de Almaques Arts e com a edição por Raphael Brito. Mais uma capa que em breve estará na rua como uma das peitas mais distintivas e disputadas do underground soteropolitano, como tem sido desde o ano passado onde o artista produziu camisas de todos os discos lançados. 

Longe de conceitos pré-moldados ou de conselhos, Galf AC ancora suas críticas nos pontos nevrálgicos da vida em nossas quebradas, atacando no plano macro e micropolítico. Indo do amor aos conflitos nas relações pessoais, abordando a ambiguidade da rua: morte e vida, alegria e tristeza, denunciando o “holocausto urbano constante”, mas sobretudo ciente da origem destes e de outros problemas: o racismo e o capitalismo enquanto agências da exploração e da morte.    

Orgulhoso do underground, BVBPT. II transpira rebeldia em uma lírica que conjuga sujeira e clareza política, poesia elaborada e acessibilidade às “mensagens”. A inquietude diante de uma realidade cruel e bonita, como a Belamita, como a vida na cidade baixa em Salvador, faz o poeta produzir um disco que configura muitas questões pessoais e coletivas. Problemas superados no plano individual e outros tantos assediando-o diariamente, e contra tudo isso e afirmando tudo isso, Galf AC segue renascendo como fênix e nos ofertando sua arte.   

O primeiro single de trabalho já foi escolhido e sai ao mesmo tempo que o disco com um audiovisual. A faixa escolhida é “NVBN” que conta com a produção de Gil Daltro. Emblemática não apenas por ser a negação do título, o autor não vê bicho transforma os acontecimentos e as observações em poesia, mas pelo clima soturno do diagnóstico social apresentado sem no entanto resvalar em derrotismo. 

Capturando muito bem o clima da faixa, William Ifé e Davi Muniz fazem mais um trabalho primoroso assinando Mestre Produções, traduzindo em imagens um roteiro que apresenta a lírica visualmente, seja com o MC em movimento no carro, seja nos planos de Galf AC sozinho na rua à noite. 

E assim se conclui essa primeira série de fortes ondas da Maré de Março produzida por Galf AC, porém é fundamental que você fique de olho no outsider, pois outras séries já estão a caminho se você gosta do rap underground. 

-BVBPT. II explode na costa do rap nacional, Galf AC e a Maré de Março!

Por Danilo Cruz 

 

 

 

 

 

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