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Gainsbourg e Bardot: o legado de Bonnie & Clyde

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No ano passado o clássico Bonnie & Clyde, que reúne os talentos de Serge Gainsbourg e Brigitte Bardot, completou 50 anos.

Em 1967 Brigitte Bardot era uma das figuras mais conhecidas do planeta. Estrela de cinema, referência absoluta no mundo da moda pelo seu sentido fashion e estonteante beleza, ela ainda fazia sucesso como cantora. Estava no topo, era uma representação perfeita do charme e da beleza francesa naquele período de ouro em que a nouvelle vague começava a encantar o plateias ao redor do mundo e a revolução comportamental do pós-guerra se instaurava com toda força nas novas gerações.

Serge Gainsbourg, por sua vez, gozava àquela altura da reputação dúbia de ser uma espécie de novo Baudelaire. Poeta brilhante, mas com inclinações demasiadamente subversivas para o gosto da França conservadora do general Charles de Gaulle. Em 1967 Gainsbourg vivia a plenitude dessa persona controversa e contraditória. Ao mesmo tempo que tinha prazer genuíno em chocar audiências, ele era dono de uma personalidade magnética e de um talento extraordinário para compor canções populares.

Bardot já havia gravado uma das canções de Serge Gainsbourg, mas até 1967 eles ainda não se conheciam pessoalmente. O encontro ocorreu nas gravações de um programa de televisão naquele ano. Conta-se que Gainsbourg se apaixonou de imediato por Bardot e apesar da má reputação e da sua famosa falta de beleza, o músico teve a reciprocidade da mulher mais cobiçada do mundo.

O fato de Brigitte Bardot ser casada adicionava ainda mais tempero ao romance. Era a receita ideal para a impressa da época, um romance proibido com dinâmica consagrada estilo a dama e o vagabundo, acontecendo entre duas das maiores celebridades francesas. A partir daquele momento formou-se um dos casais mais emblemáticos e influentes de toda a cultura pop.

No curtíssimo período em que esse romance ocorreu, Gainsbourg e Bardot fizeram algumas parcerias musicais que marcaram época. A mais célebre é certamente “Je t’aime… moi non plus“, canção que ele compôs para sua nova musa e que trazia, tanto na letra como na execução, conotações sexuais bastante evidentes. É consagrada a história de que os amantes teriam gravado a música numa cabine apertada e de que o resultado final se devia às altas temperaturas registradas no local.

Por ironia do destino a versão mais famosa dessa música seria a que Serge Gainsbourg gravaria anos depois com a sua maior musa e parceira, a atriz inglesa Jane Birkin com quem foi casado por 13 anos. Na ocasião em que foi lançada, a nova versão de “Je t’aime… moi non plus escandalizou homens e mulheres de bem, sendo proibida em diversos países, inclusive com a condenação expressa do vaticano. Mas essa é uma história diferente.

Outro enorme sucesso que Gainsbourg e Bardot gravaram juntos foi a canção Bonnie & Clyde, lançada em 1968 e considerada um marco da música francesa no século XX. Assumindo os personagens do famoso casal de criminosos norte-americanos da década de 30, eles construíram algo que era mais do que uma simples projeção do relacionamento que mantinham, Bonnie & Clyde servia perfeitamente como um manifesto para o ambiente cultural parisiense no final dos anos 60.

A maneira como Gainsbourg se apropria da roupagem do rock sessentista nesta composição, já é uma amostra de muito do que ele viria a realizar em termos de linguagem musical dali para frente. Sua abordagem da sonoridade pop da época era inteiramente sui generis. O que não impediu Bonnie & Clyde de ser um hit e de frequentar as paradas de sucesso ao lado de Hey Jude dos Beatles, lançada no mesmo período.

Para surfar no êxito da música, foi lançada também em 1968 uma coletânea chamada Bonnie & Clyde, que reunia algumas parcerias de Bardot com Serge Gainsbourg, além de clássicos consagrados do compositor.

É bom lembrarmos que em 1968 o país vivia uma efervescência singular que terminou convergindo na famosa revolução de maio de 68, quando protestos estudantis tomaram a França, especialmente Paris, e serviram como estopim para um movimento maior que levou os trabalhadores franceses a realizarem uma greve geral. Apesar de não ter sido tão bem sucedida quanto outras revoluções em sua história recente, maio de 68 foi capaz de promover abalos nas estruturas de poder da França e reavivar os impulsos utópicos não só daquela geração, mas também de gerações futuras.

Bonnie & Clyde tornou-se um símbolo desse período conturbado, mas de extrema transformação artística, política e cultural na história francesa. Seus temas polêmicos, sua sensualidade, sua sonoridade que ora bebe na tradição, ora a subverte sem nenhum pudor, seu charme vanguardista, seus momentos de sobriedade e delicadeza, entrecortados pela embriaguez e pelo escapismo lisérgico, funcionam como um testamento involuntário daqueles dias imortalizados na memória da humanidade.

Na coletânea encontramos uma mistura bastante eclética que traz influências variadas que vão desde o jazz em clássicos como “Un Jour Comme un Outre” e “Everybody Loves My Baby”; ao rock sessentista em “Docteur Jekyll Et Monsieur Hyde”, “Intoxicated Man” e “Bubble Gum”; além de adicionar também ritmos caribenhos como podemos encontrar em “L’eau à la Bouche” e “Pouvre Lola”; e claro a elegância da “chanson” francesa em “La Javanaise” e na maravilhosa “La Serpent qui Danse” em que Gainsbourg adapta um poema de Charles Baudelaire.  

O romance entre Serge Gainsbourg e Brigitte Bardot pode até ter durado “le temps d’une chanson”, no entanto deixou um legado que continua fascinando os mais diversos tipos de pessoas ao redor do mundo, mesmo 50 anos depois.

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