O Ying Yang pede passagem na psicodelia dessas notas em frenesi de aurora boreau. É lindo ver um coletivo de músicos realmente cultos em relação a arte que representam e, que mais do que apenas tocar, buscam agregar novos elementos ao som, seja adicionando sinestesias ou temperando a trip, algo que a Bombay faz como poucos em nossa cena atual.
Depois que o play é dado nota-se o contato com uma representação artística fora da curva. O todo é formado por uma batera (Lucas Roxo), que banha o som em possibilidades multilaterais, sempre em pura sinergia com o sitar (Rodrigo Bourganos), instrumento que trabalha como algo à parte no som.
Forma a jam também nas cordas, mas vai além, tal qual a voz de Plant fazia no Led como um nato e brilhante fator à parte, provendo a liberdade de ir e vir como se o tempo fosse apenas um detalhe! Fazendo frente ao groove eloquentemente melódico e acima de tudo requintado pela baianidade cósmica de Danniel Costa, encerrando o karma no ponto cego da cama de Hammonds do inventivo e Zappiano Jimmy Pappon, a mente que oxigena toda essa viagem.
É como se ”Confounded Bridge” abrisse um portal dentro da jam e fizesse com que a música voltasse a ser o idioma universal. Fazendo com que ”Jakarta Samba” ou ”Gypsy Dancer”, encontrem um equilíbrio que até ano passado só era visto no meridiano de Greenwich, marco zero do ponto central da terra, o equilíbrio dos dois hemisférios, que em disco mostra a visão de 10 camadas libertárias da Bombay Groovy. É transcendental.
O som simplesmente flui enquanto sua alma é embalsamada pelas decodificações sonoras. Parece que a naturalidade e liberdade das notas doces de ”Fonte de Castalia” ou da europeia ”Le Bateau D’Orpheu”, se moldam ao seu corpo e apenas seguem regendo esses momentos para que a apreciação de todos os movimentos desta trama seja total.
Sempre com aquele ideal Zeppeliano de elevar a música como um tributo aos grandes baluartes, homenageando tudo que importa, desde o Funk de ”Tala Motown” e seu groove celestial que deixa o ouvinte em questionamentos de upbeats em meio a downbeats, até a ambientação suprema deste primeiro disco.
É com ”Aurora” que sintetizo a força desse som e suas características universais. Desde o Prog/Jazz do marfim malhada até a base rítmica que se confunde entre viradas, ragas e laços de notas graves cristalinas. O termo improvisação é a tese filosófica base desta união, mas até nisso a amplitude dessa ideia se limita. A Bombay Groovy faz música no sentido mais amplo da palavra e o fato de ser instrumental só exalta o quanto esses caras conseguem dizer sem ao menos proferir uma palavra concreta. Exuberante é pouco, veja os caras ao vivo e saia na posição de lótus.
Troca de Talas & Ragas:
1) Dia após dia percebo que apesar da música Pop ter nos bridado com nome brilhantes (como o Steely Dan), parece que uma das suas principais contribuições para o todo foi simplificar as coisas. A cada dia que passa as músicas perdem em instrumentação e ganham em beats, copiam riffs e criam mais do mesmo… Como vocês, uma banda que vai exatamente contra tudo isso, enxergam o cenário no qual estão inseridos e esse processo de perda de qualidade?
Rodrigo: Primeiramente, buscamos escapar do saudosismo, por mais que seja inevitável quando se trata do sucateamento da música Pop. Costumo brincar que o solo de guitarra foi substituído nas músicas atuais pelo ”momento Rap”, com algum MC convidado, que de fato é como a coisa rola por aí. Porém, isso não se trata necessariamente de simplificar, pois essa era a busca do próprio Steely Dan. por exemplo. Simplificar não é algo ruim, a Bombay Groovy também busca a síntese (dentro dos excessos da nossa estética) para conseguir misturar inúmeras referências dentro de um contexto de música Pop. O Steely Dan fazia isso por meio de arranjos impecáveis e harmonias complexas. Nós buscamos aproximação com a música Pop com o desafio de partir de uma formação inusitada e referências certas vezes obscuras, dentro de inúmeros estilos.
2) A mistura sonora promove rupturas, a alimentação base que estimula novas ideias. Agora com um segundo disco que dialoga com vários estilos diferentes, vocês pensam em alguma abordagem mais específica ou a ideia é justamente não se limitar?
Rodrigo: A ideia é flertar com a maior gama possível de inspirações sedutoras, sem que o estilo da banda se perca. Buscaremos deixar nossa marca em cada caminho musical percorrido neste próximo trabalho, como também foi a interação no primeiro. Mas acredito que nesta próxima etapa seremos diluidores com mais embasamento, sem perder a essência roqueira.
3) Hoje a cena instrumental caminha de uma forma muito interessante. Quem aprecia o som da Bombay, por exemplo, está acompanhando tudo que a banda conquista e creio que vocês notam isso, parece uma divisão de nichos sonoros. Qual a opinião de vocês em relação aos benefícios desses acontecimentos?
Rodrigo: Percebemos que a cada vez contagiamos mais entusiastas do nosso trabalho e o Facebook possibilita esse contato direto e uma expansão quase desenfreada. Porém, por mais que estejamos incluídos na suposta cena instrumental, particularmente prefiro não criar essas divisões. Buscamos fazer canções de forma que a ausência de letras não faça falta, tampouco a figura de um vocalista nas apresentações. Para nós, que ouvimos muitas bandas de Rock clássico, Progressivo e Jazz-Rock dos anos 70, às vezes realmente não sentimos falta. Em inúmeros momentos instrumentais, principalmente ao vivo e não é raro que fossem os apogeus.
4) A música indiana também é conhecida pelo uso da percussão, vocês tem alguma inclinação para esse lado (até buscando uma experiência mais raiz junto com o sitar), ou acham que isso acabaria sendo um empecilho na hora de novas experimentações?
Rodrigo: Somos grandes entusiastas da música indiana, mas talvez precisemos de mais algumas encarnações para utilizar apropriadamente essas referências, devido à sua enorme complexidade. Por enquanto nos limitamos ao uso das sonoridades e de uma diluição respeitosa de alguns elementos, como ragas e talas. Já transgredimos demais para esta encarnação e não queremos passar por diluidores.
5) Eu particularmente estou bastante curioso para ouvir o segundo registro de vocês, logo, gostaria de saber se existe algo que possa ser adiantado sobre o processo, sua sonoridade e os objetivos em relação às novas composições.
Rodrigo: Ouvi dizer que o segundo registro caminhará do Jazz manouche ao Afrobeat, passando pelo Flamenco e pelo Jazz-Rock. Mas pode ser apenas especulação. No entanto, posso garantir que ainda não teremos MC’s convidados.
6) Já tive a oportunidade de vê-los ao vivo e até pela energia do trabalho em estúdio é quase que imediato imaginar um live, vocês tem planos para isso? Como é o trabalho para deixar as coisas tão orgânicas e naturais, tanto em estúdio quanto ao vivo?
Rodrigo: O futuro é incerto, como diria uma certa figura conhecida, podemos fazer isso algum dia. Entretanto, costumamos fazer bootlegs das nossas apresentações. Podemos lançar uma compilação dos melhores momentos de diversos shows em breve. E eu diria que o trabalho para deixar as coisas tão orgânicas e naturais em estúdio é simplesmente fazer como se fosse ao vivo. É justamente isso que gostamos de fazer. O vídeo que temos de ”Aurora” mostra exatamente como trabalhamos em estúdio Tínhamos a estrutura da música e ela simplesmente fluiu daquela maneira no segundo take. Depois foram acrescentados os overdubs de sitar e piano.
7) Para finalizar, gostaria de saber o que cada um anda ouvindo recentemente e se isso acabou influenciando o processo de gravação de alguma maneira. Obrigado pela atenção e boa sorte para o futuro!
Rodrigo: Ando ouvindo muito Brian Auger’s Oblivion Express, Django, Paco de Lucia, Funk turco dos anos 70, ”Transa do Caetano, Humble Pie e como sempre, Led Zeppelin (principalmente ao vivo em 1972 e 73).