Body Count anuncia lançamento de novo álbum, que trás participações inusitadas, lança o clipe de No Lives Matter, mostrando que vem chumbo grosso por aí.
O álbum homônimo, que marcou a estreia da Body Count, foi lançado em 1992, mesmo ano da eclosão dos Distúrbios Civis de Los Angeles, motivados pela absolvição concedida pelo júri aos policiais do Departamento de Polícia de Los Angeles flagrados em vídeo espancando violentamente o motorista negro Rodney King. A comunidade negra local manifestou toda sua contrariedade com o veredito (dado por um júri totalmente composto por brancos) indo às ruas e fazendo a cidade queimar.
Surgida em Los Angeles dois anos antes dos Distúrbios, a banda de metal Body Count, composta integralmente por negros, invadia um nicho musical branco, além de fazer reverberar, através de uma sonoridade pesada e agressiva, toda opressão imposta à comunidade negra estadunidense. Body Count, o álbum, compõe-se de faixas que realçam os contornos das revoltas raciais de 1992. Cop Killer é sem dúvida o termômetro do clima gerado pela absolvição dos policiais, bem como da violência direcionada aos negros por essa instituição.
Fatos semelhantes ocorreram nos últimos 3 anos nos EUA, mostrando que o racismo institucional permanece vivo e forte por lá. Em 2014, em Ferguson, um policial branco matou Michael Brown, negro de 18 anos. Morte covarde, pois o jovem estava desarmado, portanto, sem condições de se defender. Não houve indiciamento do assassino, motivando uma revolta de grandes proporções por parte da comunidade negra.
Dois casos tomaram igual dimensão em 2015: em abril, na cidade de Baltimore, as manifestações começaram após a morte de Freddie Gray. O jovem negro de 25 anos fora detido e levado por policiais, aparecendo gravemente ferido dias depois. Em junho, Dylann Roof, jovem branco de 25 anos, entrou na igreja Metodista Episcopal Africana, que está entre as mais antigas da comunidade negra de Charleston, abrindo fogo contra os presentes, após o culto. O jovem branco assassinou 9 pessoas.
O movimento ativista Black Lives Matters (As Vidas Negras Importam) surgiu a partir da ampla divulgação nas redes sociais da hashtag #blacklivesmatter. A comunidade negra estadunidense aproveitou a forte adesão nas redes sociais para formalização a criação deste movimento, que ganhou proporções globais. Lembremos que o uso da hashtag foi resultado da absolvição de George Zimmerman, que matou a tiros o adolescente negro Trayvon Martin.
A chapa quente de 1992 foi superaquecida por esses sucessivos casos de abuso e violência contra a comunidade negra nos EUA, evidenciando a existência permanente do racismo por parte do Tio Sam. Estando entre aqueles que não se calam, os membros da Body Count não podiam deixar de se posicionar diante de tais abusos.
Na última sexta feira, 17 de fevereiro, a banda lançou o clipe oficial para a faixa No Lives Matters. O título remete ao esvaziamento do problema relacionado ao racismo nos EUA causado por discursos que procuram colocar em pé de igualdade “todas as vidas”. Essa tese reducionista, defendida pela parcela branca da população, que, portanto, desconhece o que é viver sob a égide da desvalorização moral, intelectual e social devido suas características étnico culturais, contribuem para encobrir o problema do racismo. Nesse sentido cada pessoa que tuitou a hashtag #alllivesmatters, afim de responder ao legítimo e necessários movimento Black Lives Matters (Vidas Negras Importam), praticou, direta ou indiretamente, um ato racista, mostrando profundo descaso ou ignorância sobre o problema da violência institucional direcionado à população negra nos EUA. Cujos casos mencionados acima mostram claramente existir.
A fala de Ice-T antes no início da música aborda a questão, tenta mostrar o vácuo existente no ataque ao movimento “Black Lives Matter” feito por seus opositores usando a frase “All Lives Matter” (Todas as Vidas Importam). Existe uma história de opressão da população negra que remonta à origem da América. Seus ecos ressoam no presente, revelando a desvalorização da vida de pessoas negras. Não ocorre o mesmo em relação à população branca, como não acontece com heterossexuais e com homens. Por isso a necessidade de alertar para que as vidas negras também devam ser valorizadas, pois os casos de assassinato e violência de policiais contra jovens negros e suas absolvições mostram que vidas negras ainda não são consideradas importantes.
Eis a motivação de Ice-T em busca nessas categorias, representantes de outras minorias (homossexuais e mulheres), que também sofrem violência por não fazerem parte do que se convencionou valorar positivamente, para mostrar o efeito solvente que a frase “All Lives Matter” tem sobre o problema do racismo, mas também sobre o problema do machismo e da homofobia.
Abaixo coloco em tradução livre para o português a fala do vocalista da Body Count:
“Infelizmente ainda temos que dizer “Vidas Negras Importam”. Quero dizer, se vocês vasculharem a história verão que ninguém deu a mínima para as vidas negras. Quero dizer, vocês podem matar pessoas negras na rua, ninguém será preso, ninguém irá para a prisão. Mas quando eu digo: “Vidas Negras Importam” e você diz que “Todas as Vidas importam”; é como se eu estivesse dizendo “As Vidas dos Gays Importam” e você dissesse “Todas as Vidas Importam”. Se eu digo, “As Vidas das Mulheres Importam” e você dissesse “Todas as Vidas Importam”. Vocês estão dissolvendo o que estou dizendo. Vocês estão dissolvendo o problema. O problema não é sobre todos. No momento, o problema é sobre as vidas das pessoas negras.”
“No Lives Matter” tem o peso e agressividades que o tema abordado necessita. Tão direta e intensa quanto a fala inicial, a letra não recorre a efeitos líricos, opta por atacar o problema de frente, com toda intensidade exigida pela situação e esperada de quem está entre as vítimas da violência gerada pelo racismo. Os seguintes versos da segunda estrofe dão o tom da conversa:
America´s always been/ A place that judge my skin/ And racismo is real as fuck (America (EUA) sempre sendo/ Um lugar onde julgam minha pele/ E o racismo é real caralho)
Black skin has always stood for poor/ This is basic shit/ They know who they fucking with us (A pele preta sempre foi associada à pobreza/ Este é o principio de merda básico/ Eles sabem que fuderam com a gente)
Os versos expõem a ferida da qual jorra o sangue de séculos de um processo sistemático de inferiorização do negro através da cultura, politica, moral, etc. empreendido pelo opressor europeu e posteriormente seus descendentes. Cada golpe deve ser intenso para mostrar aquilo que tentam encobrir com o denso tecido representado pela frase “All Lives Matter”. Ainda mais forte, o refrão de “No Lives Matters” disfere um golpe fulminante:
Don’t fall for the bait and switch/ Racism is real, but not it/ They fuck whoever can’t fight back/ But now we gotta change all that/ The people have had enough/ Right now, it’s them against us/ This shit is ugly to the core/ When it comes to the poor/ No lives matter
Não morda a isca/ Racismo é real/ Eles vão fuder quem não revidar/ Mas agora vamos mudar tudo/ O povo está farto/ Agora, são eles contra nós/ Esta merda é horrível de se ver/ Quando se trata dos pobres/ Nenhuma vida importa
Alinhado às revoltas ocasionadas pela impunidade dos atos de violência contra jovens negros nos EUA, o refrão avisa: haverá resposta a cada vida negra violentada e tirada pelo racismo. Demarcada a fronteira entre os dois lados da luta de classes “Agora são eles contra nós”, faz-se necessário saber qual o seu lado, sob quais causas estará lutando. E saiba, caso faça parte dos pobres (contingente majoritariamente formado por negros) sua vida não importa.
Tratada a parte realmente importante desse lançamento da Body Count, passemos às informações secundárias. “No Lives Matter” faz parte do novo álbum da banda, cujo lançamento oficial está previsto para o dia 31 de março. Intitulado “Bloodlust”, contará com participações especiais de Max Cavalera (Soulfly, Cavalera Conspiracy, Sepultura),Randy Blythe (Lamb of God) e Dave Mustaine (Megadeth). A produção fica por conta de Will Putner.