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O aniversário de 10 anos de uma “Boa Viagem”, Dabliueme chapando nos samples!

Dabliueme

Dabliueme é um MC e produtor que há 10 anos soltava um disco que não poderia ter melhor título: Boa Viagem (2013)

Ao longo de mais de 25 anos de carreira, o MC e produtor Dabliueme não cessou ainda de carregar um espírito rebelde. Mas talvez você não o conheça pois ele não está nos streamings com o todo de sua produção, afinal estamos falando de um artista contraventor que não deitou para as empresas que sugam o sangue da criatividade e ao mesmo tempo barram as iniciativas que são a base da sua produção. 

Só tivemos a oportunidade de conhecer o trabalho deste mano em 2021 com o lançamento de Aqui Jazz (2021), um dos grandes discos daquele ano. De lá pra cá, vamos aos poucos tomando contato com o trampo que é já longevo de um dos manos mais importantes do interior de SP. Diretamente de Itapetininga, Dabliueme é um apaixonado pela música brasileira e é de dentro dela que ele retira as bases da sua música, e nesta medida acrescentando potentes acréscimos rebeldes em termos filosóficos e líricos. 

Numa conversa com o artista lhe perguntamos quem era o Dabliueme 10 anos atrás e o que mudou de lá pra cá, confira a resposta do mano:

“Há 10 anos atrás o Dabliu era um cara que produzia centenas de grupos de rap, ragga e ao mesmo tempo gravava suas composições e lançava em cd físico, e no meio disso corria que nem doido pra conseguir dinheiro pra sustentar um filho de 3 anos.. o que melhorou foram os equipamentos que tenho hoje pra produzir, na época eu não tinha MPC e hoje tenho muito mais dor nas costas pq ainda não consegui comprar uma cadeira adequada…

Não me dou bem com plataformas digitais, a galera que comprava cds a 5 ou 10 reais dava mais valor pra obra do que a galera que só ouve playlist pronta.”

Muito do rap nacional ressoa nessa resposta do Dabliueme, muito do que tem sido feito hoje de mais interessante vem deste espírito e deste ethos que não se curva a moda. Não se trata dos caras chatos e guardinhas, ou ainda, não se trata dos que são ruins e que estão presos a uma forma quadrada e dura. Dabliueme já há 10 anos ao seu modo mandava um som que mesclava bossa nova com reggae, comunitarismo e rebeldia anti-capitalista, de um modo que podemos chamar de único. 

Musicalmente Boa Viagem nos leva a refletir historicamente sobre trabalhos como Nó na Orelha do Criolo e O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui do Emicida, dois trabalhos que abriram alas para outras sonoridades no rap nacional. Porém, Dabliueme estava bastante embebido em suas próprias vivências e ideias musicais, e foi daí que ele retirou a força dessa Boa Viagem. A influência de uma pegada voltada para samples como construtor da sonoridade desse rolê é fundamental e diante dessa questão Dabliueme nos diz:

“Realmente 90% da minha obra é sample, adoro essa cultura de samplear, reciclar músicas, pesquisar, cresci ouvindo discos de samba com o meu avô, e tudo o que sampleio é o que eu gosto de ouvir. fiz o disco todo no mouse, um ano depois do disco consegui comprar minha primeira MPC

Querendo saber um pouco mais sobre a confecção deste trabalho fomos atrás de Dabliueme para saber como ele produziu esse trabalho, confira abaixo sua resposta: 

“A faixa título do cd “Boa Viagem” é a única faixa que não é minha autoria, o disco surge a partir dessa faixa. Fui pra Guarda do Embaú SC gravar um álbum do meu amigo RAS TIMBRE, álbum com banda completa e tudo mais, gravamos 10 músicas e essa faixa “boa viagem” era uma delas. No momento que fomos escolher a ordem das músicas o Ras Timbre me fala: MANO A BOA VIAGEM NÃO GOSTEI NÃO COMBINA COM MEU DISCO!!! e eu respondi no ato, “PRA MIM É A MELHOR FAIXA QUE GRAVAMOS” ele vira pra mim e retruca: “ENTÃO GRAVA VOCÊ” e foi o que fiz, voltei de Santa Catarina com o projeto aberto e gravei a canção e a partir dela quis fazer um disco “abrasileirado” e comecei as pesquisas de samples. as letras foram feitas depois das batidas. gravei no meu estúdio mesmo em 3 meses… “

Essa recusa do Ras Timbre colocou uma pegada Bossa Nova no rap nacional, pois Dabliueme trouxe para seu disco essa pegada com guitarras muito bem colocadas, e sem a higienização racial  própria deste gênero. Como um bom criador, entendedor do que é a MPB e de suas formas musicais, o artista concebeu um álbum onde se utiliza de diversos nomes importantes da famosa MPB, como Roberto Carlos e Tim Maia por exemplo, dois opostos, para dessa simbiose retirar suas bases.

Para saber um pouco mais como estava esse pai que hoje tem um dos seus filhos com 10 anos de idade, lhe perguntamos como era a paternagem desse trampo lá em 2013: 

“mano esse disco foi o que me fez ficar conhecido no RAP UNDERGROUND e que me possibilitou a começar a fazer shows com constância, a partir dele eu pude acreditar ainda mais que se era possível criar filhos com o trabalho árduo de gravar produzir discos físicos fazer show e vender os discos pro público… mas antes desse álbum já tinha lançado 12 discos”

Para além, de boas rimas e bases, existe um traço que salta ao longo do disco, que é a pegada reggae music, seja nos timbres, seja no flow ou mesmo na filosofia presente ao longo das faixas, que é uma pegada que mescla a forma Rude Boy com a filosofia rastafari. Anticapitalismo vinculado a um apreço a natureza, uma busca pela inteireza do ser como contraponto a uma necessidade de consumo que muitas vezes faz as vezes de remédio a carência e as insuficiências que o nosso modo de vida atual, sobre essas bases nos diz Dabliueme:

“Super real! nessa época o rastaman Angolano Pupa Kanda morava comigo, moramos 3 anos juntos em Itapetininga Sp e bebi na fonte desse mano todos esses anos e até hoje é um grande amigo, parceiro de música e um pai. sempre me identifiquei com o raggamuffin, o roots jamaicano e tb os africanos e o Pupa me mostrou muita coisa boa nesse ramo, adoro Bujo Banton, Eek-A-Mouse essas paradas do vocal mais arrastado…”

O disco é um produção artesanal como muitas de excelente qualidade feitas no rap nacional desde sempre, o que muitas vezes afasta o ouvinte ocasional mais preocupado com os aspectos técnicos do que com a qualidade do trabalho. Mas pequenas/grandes iniciativas como essas repercutem independente do capital investido e com isso você pode se bater com duas versões do trampo: 

“Fiz a primeira versão em 2013 pelo meu selo FYABOMB, o disco repercutiu tanto aqui na região, vendíamos de mão em mão, que uma produtora de Sorocaba SP chamada IDÉIA COLETIVA me convidou a relança-lo com uma capa maneira, com estampas na bolacha do cd e DUAS FAIXAS INÉDITAS, com distribuição deles e tals… TOPEI NA HORA! Aí vendemos mais cds ainda, a primeira tiragem era em CDR com capas xerocadas e assinado com canetão! Vendi umas 250 cópias a 5 reais! A segunda tiragem além de todo o trabalho gráfico, pintura corporal e tudo mais, vendemos umas 800 cópias de mão em mão e a produtora lançou video clipes do album:” Tigre do Congo” por exemplo. penso em fazer um combo em cd físico com todos os meus albuns, tenho 27 anos de carreira e uns 18 ou 19 álbuns, muitos deles não tem em lugar nenhum, só cópias físicas espalhadas por ai…”

Pois é, temos muitas vezes que ser como aqueles que ouvem e buscam ouvir, selecionar é fundamental, pesquisar mais ainda pois hoje se tem o hábito de que o que importa está nos streamings, porém obras como essa estão “escondidas”. A forma como Dabliueme produz a sua arte bate de frente com o modelo de “negócios” que hoje se transformou a música e suas formas corriqueiras de transmissão. O Spotify e outras plataformas não permitem a música de Dabliueme, seus trabalhos estão no Youtube. Esperamos que em breve seus desejos de produção nos alcance: 

“Meu sonho é relançar em vinil, mas ta longe ainda da minha realidade, atualmente comprei um duplicador de cds, penso em fazer as cópias de mão em mão bem artesanal, transferindo a energia além do som mas do manuseio, sempre fui cuidadoso com meus discos, arte gráfica, e gosto de botar a mão na massa…K7 vou fazer umas cópias de um single que tá pra sair esse mês chamado “meu gravador de cassetes” música inédita que sai nas plataformas pelo selo Strads (Straditerra)”

Ouvir “Boa Viagem” depois de 10 anos é um refresco e sobretudo uma caminhada, uma abertura diante de uma obra que se faz grandiosa e é um caminho dentro do underground nacional. São 12 músicas que estão ensopadas de influências reggae music, mas é sobretudo um exercício de ouvir um disco de rap aberto a música, seja a MPB que passeia do Iêiê à Bossa Nova, passando pelo violão de Baden Powell e ao soul funk de Tim maia. Dabliueme Produziu uma pedrada que infelizmente é pouco conhecida pelo grande público. Se você quer deixar de moscar, tá aqui a oportunidade!

-O aniversário de 10 anos de uma “Boa Viagem”, Dabliueme chapando nos samples!
Por Danilo Cruz 

https://www.youtube.com/watch?v=YresKBS6E9E&t=77s

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